Como referi no último post, a precisão dos testes PCR à Covid-19 em contexto de baixa prevalência da doença é baixa. Uma grande proporção dos testes positivos são provavelmente falsos positivos. No entanto, este facto não nos permite concluir muito sobre a extensão da pandemia: Tendo em conta o ciclo normal da doença de 7 ou 14 dias, é possível, mesmo com taxas de prevalência baixas, que uma fracção muito significativa da população seja cumulativamente infectada.
Admitamos por hipótese que o número total de pessoas que está ou já esteve infectada em Portugal é 10 vezes o número oficial de 106000. Teríamos 1 milhão de pessoas infectadas desde março. Imaginemos, por hipótese que no mês mais infeccioso teríamos 3 vezes a média do periodo total. Nesse mês teríamos tido 300000 novos infectados, 10000 por dia. Tendo em conta o ciclo normal, nos dias em que a prevalência tivesse sido maior teríamos entre 70000 e 140000 infectados. De acordo com a curva azul do último post, nesse dia ainda teríamos uma probabilidade de um teste positivo ser falso que variaria entre 15% e 30%.
Por outro lado, a teoria por trás destes cálculos probabilísticos assume que a amostragem para realização de testes é aleatória. Isto tem impacto na quantidade de falsos positivos. Por exemplo, no início da pandemia apenas se faziam testes a pessoas que tinham sintomas ou que comprovadamente teriam estado em contacto com casos confirmados. Essa seleção de amostra implica uma quantidade de falsos positivos muito menor. Por isso, quando pessoas que trabalham em hospitais dizem que há pouco falsos positivos estão certas se estiverem a considerar a amostragem de testes feitos em hospitais. Nesse caso, como só se testam pessoas que têm sintomas ou que estiveram em contacto com casos comprovados, a amostra é tudo menos aleatória e provavelmente o número de falsos positivos estará muito mais próximo do valor teórico implícito na taxa de especificidade. Quando se fazem testes à entrada de uma fábrica, escola ou universidade, a amostra estará muito mais perto de ser aleatória, e abundarão falsos positivos.
A conclusão que se tira do exposto acima não é que os testes não servem para nada ou que o número de infectados é menor do que parece. É preciso separar os contextos dos testes para fazer o julgamento e definir o seu papel. Testar pessoas com sintomas num hospital é importante para confirmar infectados sintomáticos e identificar pessoas que pensamos estarem doentes mas que na verdade não estão. Ou, com um pouco menos de eficácia, saber se uma pessoa que esteve em contacto com um doente comprovado está infectada ou não. Já testar pessoas em contextos quase aleatórios não é eficaz para identificar infectados. Mas isso não quer dizer que não se devem fazer esses testes. Eles servem para observar a tendência de evolução. Mesmo com uma elevada proporção de falsos positivos, o aumento (ou diminuição) da taxa de testes positivos face ao total de testes efectuados mostra que a prevalência real da doença está a aumentar (ou diminuir). Essa informação também é importante. Não o nível de positivos, mas a sua proporção no total.
O que decididamente é má ideia é tomar medidas exageradas sobre pessoas cujos testes deram positivo no tal contexto aleatório, ou sobre as entidades que lhe estão ligadas. Sabendo o que sabemos sobre os erros desses testes, estamos a mandar para uma espécie de prisão domiciliária por 2 semanas uma enorme quantidade de gente perfeitamente saudável. O que também não quer dizer que uma pessoa com um teste positivo, mesmo que possivelmente falso, sem sintomas, não deve tomar cuidados acrescidos no contacto com outros, nomeadamente usar uma máscara e evitar proximidade de pessoas em grupos de risco. De igual modo, encerrar uma empresa onde houve alguns testes positivos resultantes de uma amostra aleatória é uma medida excessiva cujo resultado poder ser muito gravoso.