Sobre as Contas Politicamente Incorrectas de Ricardo Arroja

Quando, em plena capital londrina, o Ricardo me falou das ideias que ele tinha veiculado no seu novo livro “As Contas Politicamente Incorrectas da Economia Portuguesa”, percebi que a sua abordagem económica era distinta. Agora que o li, não tenho dúvidas: este é um livro muito recomendável, mesmo aos que acham que já conhecem bem a situação económica portuguesa.

Claro que um céptico dirá que eu teria necessariamente de dizer bem deste livro, visto ser amigo do autor. Por certo, uma acusação justa. Porém, neste caso, a minha impressão não seria diferente se não o conhecesse. Deixem-me apresentar as razões.

Há pelo menos 2 fortes razões veiculadas neste livro que justificam o seu título e a sua relevância, pois estas chocam frontalmente contra o que os donos da 3ª República veiculam há quase 40 anos em defesa do seu regime. A primeira razão apresentada é que a economia portuguesa do período do Estado novo era comparativamente superior à do actual período democrático. A segunda razão é que a União Europeia e o mercado único foram, nas palavras do Ricardo “uma prenda envenenada” para Portugal. Ambas estas ideias são anátemas para o actual regime. Durante décadas, os portugueses foram “educados” na ideia de que tudo é melhor em democracia e de que a União Europeia é o presente e o futuro que nos levará ao nirvana da prosperidade e modernidade.

Para consubstanciar estas ideias, o Ricardo oferece inúmeros dados “politicamente incorrectos”. Vejamos alguns em relação ao Estado Novo vs Democracia:

“No índice de desenvolvimento humano das Nações Unidas, que mede a qualidade de vida dos países em 2011, figurávamos no 41.º lugar. Em 1975, um ano depois de Abril de 1974, estávamos em 24.º” (p. 30).

Politicamente incorrecto? Sim; mas apenas para quem não tem tomado atenção aos números da economia portuguesa. Continuemos:

“ O Estado Novo foi um período de enorme convergência para os padrões de vida de uma Europa mais rica, tendo o PIB per capita português passado de 30% da Europa rica em 1930 para mais de 50% imediatamente antes do 25 de Abril. Desde então, no espaço de outros 40 anos, a convergência não foi além de 10 pontos percentuais, de 50% para 60% do norte da Europa. E desde 2000 tem sido até uma história de divergência económica, ao ponto de hoje estarmos pouco melhor que em 1974” (p. 150).

Este período de divergência com a Europa coincide, claro está, com a entrada de Portugal no euro; e sobre a União europeia em geral o Ricardo tem muito a dizer, principalmente sobre a forma como o mercado único e as políticas de Bruxelas foram determinantes na destruição do nosso tecido produtivo, quer no sector da industria, como nos sectores das pescas e agricultura. Como resultado, diz-nos o Ricardo:

“O défice na balança de bens é esclarecedor: entre 1996 e 2008, ano em que se atingiu um défice recorde de  (…) cerca de 14% do PIB, a diferença entre importações e exportações aumentou 200%” (p. 35).

A destruição produtiva destes campos é tão pronunciada que, no sector das pescas, Portugal importa agora 60% do seu pescado, sendo um país com o mar à sua frente. Parece que até a República Checa, sem tradição piscatória, consegue produzir 3 vezes mais que nós. Com as limitações de produção impostas por Bruxelas, os resultados na agricultura são semelhantes.

Já os efeitos da aventura “Europeísta” na indústria portuguesa foi igual: A indústria emprega hoje menos de 15% da população activa quando em 1970 representava mais de 30%. Ademais, na década do euro, a desindustrialização acentuou-se, tendo o emprego na indústria diminuido ao ritmo de 2.7% ao ano (p. 49).

Resumindo, Portugal tem hoje um sector produtivo debilitado que não consegue servir as ambições dos portugueses. Para compensar esta falta de produção, Portugal endividou-se tanto ao nível privado como ao nível público, respondendo aos incentivos perversos do crédito barato e fundos europeus com que a União Europeia seduziu o país. Assim, terminámos endividados e governados pelo exterior.

Juntamente com o período de Marques de Pombal, o Estado novo foi dos períodos onde as contas nacionais estiveram em ordem e a economia teve boas prestações. Períodos não-democráticos com certeza. O que nos leva a considerar que as pressões democráticas das massas contribuíram consideravelmente para o actual descalabro. Porém, o Ricardo não advoga o fim das liberdades políticas, apesar de não desenvolver soluções políticas para este problema.

Já no campo económico, há soluções apresentadas. O Ricardo considera que Portugal tem de reaver os seus instrumentos de soberania para poder defender a economia nacional (tal como aconteceu nos períodos áureos supracitados). Nomeadamente, que são precisas medidas de protecção de determinados sectores nacionais em competição no comércio internacional, visto que este último tem-se mostrado destruidor da nossa actividade produtiva. No campo monetário, advoga que é necessária uma desvalorização a curto prazo para restabelecer o investimento nacional e relançar a economia, apesar de, a longo prazo, uma moeda forte ser um objectivo primordial.

Isto, podemos dizer, implica em larga medida a saída do euro e do mercado único, ou pelo menos implica a renegociação de medidas que tragam de volta determinados instrumentos de soberania.

Independentemente do que se possa pensar em relação às propostas apresentadas neste livro, há uma viragem importante em relação ao pensamento universalista e globalista que a esmagadora maioria das análises económicas das últimas décadas nos trouxeram. O foco de preferência altruísta do Ricardo não é o mundo, ou a Europa, mas sim os portugueses. O objectivo não é que todos fiquem melhor, mas que os portugueses fiquem melhor. Tal como o filósofo Michael Sandel argumenta, nós como indivíduos com identidade temos legitimidade moral de dar  preferência à nossa comunidade, aos que nos estão directamente relacionados.

Este livro aponta para a tradição como o melhor indicador das soluções para os problemas actuais. A tradição de sucesso portuguesa, é-nos dito, passa por uma abertura gradual ao comércio internacional, mas sempre com as protecções necessárias que garantem a coesão e sustentabilidade produtiva nacional.

Os teóricos económicos irão discordar ou concordar com tais soluções, mas o que este livro nos relembra é que a política faz-se de escolhas e prioridades; ou seja, depois da febre internacionalista do pós-guerra, está na hora de voltar a moralidade política para a nação.

11 pensamentos sobre “Sobre as Contas Politicamente Incorrectas de Ricardo Arroja

  1. JS

    As Contas Politicamente Incorrectas …!
    Cheira a livro blasfemo e de autor proscrito.
    Felizmente a elite politicó-financeira europeia, que manda na loja, já re-criou um: Brussels Index Librorum Prohibitorum.
    Seguir-se-á uma versão actualizada da Inquisição ou Santo Ofício para tratar deste arrojos ….
    Aceitam-se apostas.

  2. jpm

    “No índice de desenvolvimento humano das Nações Unidas, que mede a qualidade de vida dos países em 2011, figurávamos no 41.º lugar. Em 1975, um ano depois de Abril de 1974, estávamos em 24.º”

    As contas politicamente incorrectas têm um pequeno problema. Além de os números apresentados assim dizerem muito pouco, vale a pena dizer que de 1975 a 2011 entraram 59 países na ONU. Um pormenor “politicamente correcto”, de certeza…

  3. “Além de os números apresentados assim dizerem muito pouco”

    Quantos destes países que aderiram à ONU em pós-1975 (essencialmente países do 3º mundo e da ex-união soviética) é que justificam a queda abrupta de Portugal??

    Cape Verde 16 September 1975
    Mozambique 16 September 1975
    Sao Tome and Principe [note 21] 16 September 1975
    Papua New Guinea 10 October 1975
    Comoros 12 November 1975
    Suriname [note 24] 4 December 1975
    Seychelles 21 September 1976
    Angola 1 December 1976
    Samoa 15 December 1976
    Djibouti 20 September 1977
    Viet Nam 20 September 1977
    Solomon Islands 19 September 1978
    Dominica 18 December 1978
    Saint Lucia 18 September 1979
    Zimbabwe 25 August 1980
    Saint Vincent and the Grenadines 16 September 1980
    Vanuatu 15 September 1981 Vanuatu and the United Nations
    Belize 25 September 1981
    Antigua and Barbuda 11 November 1981
    Saint Kitts and Nevis [note 20] 23 September 1983
    Brunei Darussalam 21 September 1984
    Namibia 23 April 1990
    Liechtenstein 18 September 1990
    Estonia 17 September 1991 Former members: Union of Soviet Socialist Republics
    Democratic People’s Republic of Korea 17 September 1991
    Republic of Korea 17 September 1991
    Latvia 17 September 1991 Former members: Union of Soviet Socialist Republics
    Lithuania 17 September 1991 Former members: Union of Soviet Socialist Republics
    Marshall Islands 17 September 1991 Marshall Islands and the United Nations
    Micronesia (Federated States of) 17 September 1991 Federated States of Micronesia and the United Nations
    Armenia 2 March 1992 Former members: Union of Soviet Socialist Republics
    Azerbaijan 2 March 1992 Former members: Union of Soviet Socialist Republics
    Kazakhstan [note 12] 2 March 1992 Former members: Union of Soviet Socialist Republics
    Kyrgyzstan 2 March 1992 Former members: Union of Soviet Socialist Republics
    Republic of Moldova [note 17] 2 March 1992 Former members: Union of Soviet Socialist Republics
    San Marino 2 March 1992
    Tajikistan 2 March 1992 Former members: Union of Soviet Socialist Republics
    Turkmenistan 2 March 1992 Former members: Union of Soviet Socialist Republics
    Uzbekistan 2 March 1992 Former members: Union of Soviet Socialist Republics
    Bosnia and Herzegovina 22 May 1992 Former members: Yugoslavia
    Croatia 22 May 1992 Former members: Yugoslavia
    Slovenia 22 May 1992 Former members: Yugoslavia
    Georgia 31 July 1992 Former members: Union of Soviet Socialist Republics
    Czech Republic 19 January 1993 Former members: Czechoslovakia
    Slovakia 19 January 1993 Former members: Czechoslovakia
    The former Yugoslav Republic of Macedonia 8 April 1993 Former members: Yugoslavia
    Eritrea 28 May 1993
    Monaco 28 May 1993
    Andorra 28 July 1993
    Palau 15 December 1994
    Kiribati 14 September 1999
    Nauru 14 September 1999
    Tonga 14 September 1999
    Tuvalu 5 September 2000 Tuvalu and the United Nations
    Serbia 1 November 2000 Former members: Yugoslavia
    Switzerland 10 September 2002
    Timor-Leste 27 September 2002
    Montenegro 28 June 2006 Former members: Yugoslavia
    South Sudan 14 July 2011

    É precisamente porque não é possível explicar tudo num pequeno texto que recomendo a leitura do livro.

  4. Nuno

    Ainda não conheço o livro mas em traços gerais concordo com a maioria do diagnóstico que é feito bem como com alguns dos factos mais polémicos que são citados.
    Discordo profundamente de algumas das medidas propostas. Quando se diz “que são precisas medidas de protecção de determinados sectores nacionais em competição no comércio internacional” oponho-me totalmente. Se um sector de actividade requer proteccionismo do Estado para concorrer com as empresas estrangeiras o que se está a fazer é espoliar o cidadão para beneficiar essas empresas. Esse benefício será evidente nesse sector de actividade mas virá à custa de outros sectores e outros contribuintes com prejuízo líquido para a economia nacional.
    Quando diz que “No campo monetário, advoga que é necessária uma desvalorização a curto prazo para restabelecer o investimento nacional” volto a discordar. O Euro fica com uma importante quota parte da responsabilidade da nossa situação (baixas taxas de juro e termos de troca irrealistas) e se se o pretender substituir por um sistema de sound-money com impossibilidade de as autoridades manipularem as taxas de juro e criarem dinheiro (a famosa impressora) e com previsível depreciação no mercado monetário, muito bem. Mas se se pretender impôr o escudo para tentarmos sair do buraco da dívida com mais incentivos ao consumo e mais endividamento pelas baixas taxas de juro, para financiar despesa pública pela emissão monetária presumivelmente para “incentivar” a economia com os respectivos custos em inflação ou para espoliar o cidadão relativamente ao estrangeiro desvalorizando a moeda mais vale mantermos o que temos.

  5. CN

    como se vê, ser conservador na defesa da sua (cada vez mais localizada) nação resulta na realidade objectiva da (maior) anarquia internacional

  6. jpm

    Já estava à espera dessa resposta. Por isso respondo a três tempos:
    1- Dos países que entraram em 1975 e estão à frente de Portugal em 2011 contam-se: União Europeia (que não entrava em 1975 e não é um país), a Suiça, a Eslovénia, a Eslováquia (ou a República Checa, como preferir), o Chipre, a Estónia e o Qatar (assim visto só por alto).
    2- Além de todos os problemas com o IDH, as fórmulas de cálculo mudaram desde 1975, o que torna a comparação relativamente espúria.
    3- Torna-se ainda mais espúria a comparação se tivermos em conta que em 2005, Portugal estava em 29º (mesmo com o aumento de países avaliados) e em 2009 em 34º, caindo apenas em 2010 para 40º. Parece-me que isto diz bastante mais sobre a crise financeira do que sobre uma comparação entre regimes (Estado Novo vs Democracia) Acresce que 1975 é o primeiro ano de cálculo sobre o IDH, com todos os problemas que isso acarreta.

    P.S. Não sou de todo um especialista em IDH, e possivelmente, vi agora, a não participação na ONU não implicava uma não participação no HDI ranking.Isto diz principalmente respeito ao caso da Suíça, mas penso que em relação ao resto não altera significativamente. Ainda assim parece-me que a conjugação dos três pontos é elucidativa do cuidado que se deve ter, e neste caso não se teve, ao tratar de rankings.

  7. “Por isso respondo a três tempos”

    Bem sei que em última instância se tenta sempre lançar dúvidas sobre a metodologia (neste caso sobre a do cálculo do IDH). Mas não é necessário ao autor fazer uma defesa dessa metodologia específica pois o resto do livro tem muitos mais dados para aferir a situação portuguesa que são tão ou mais relevantes que este. Tentou responder a bem menos de 1% dos argumentos apresentados na obra.

  8. AA

    « O foco de preferência altruísta do Ricardo não é o mundo, ou a Europa, mas sim os portugueses. »
    mais “precisamente” o Estado português — não obstante o livro estar interessante

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