Bloconomics

Vale a pena ler este post de Pedro Sales, assessor de imprensa de Francisco Louçã, para entender a forma como os senhores do Bloco de Esquerda vêem a economia. A certa altura, diz o Pedro Sales: 

Vale a pena recordar que foi a persistência do Banco Central Europeu em manter as taxas de juro dois pontos acima das norte-americanas, durante mais de um ano, que se revelou uma das razões da actual crise europeia. Conduziu à transferência de capitais de um lado para o outro do atlântico, estrangulou a economia, dificultando o crédito às empresas e minando o orçamento das famílias.

Suponho que quando o Pedro Sales se refere à transferência de capitais de um lado para o outro do Atlântico se esteja a referir à transferência de capitais dos EUA para a Europa. Se as taxas de juro estão mais altas deste lado do Atlântico, esse será o sentido normal. Não vejo é como tal possa ter estrangulado a economia deste lado do Atlântico. Depois prossegue:

O Jornal de Negócios de ontem falava num aumento médio de 83 euros na prestação das casas pagas pelos portugueses desde o início do ano. Estamos a falar de uma verba que representa 10% do ordenado médio do país!

É evidente que o facto de nem todos os portugueses terem crédito à habitação ou o facto de normalmente existir mais do que 1 salário a contribuir para o pagamento do crédito importam pouco para as contas de Pedro Sales. E contará ainda menos o facto de o salário médio dos tomadores de crédito à habitação ser, obviamente, superior à média nacional. A mensagem é clara: 10% do salário dos trabalhadores (faltou o oprimidos, explorados,..) vai para o aumento da prestação com a casa. Mesmo que no universo paralelo do Bloco de Esquerda tal fosse verdade, há ainda uma profunda diferença entre o aumento da prestação da casa e a inflação. Enquanto a primeira atinge quem tomou uma decisão livre de incorrer num empréstimo para comprar casa consciente dos riscos que tal implicaria, a segunda afecta todos sem qualquer liberdade de escolha.

E andam estes senhores preocupados com taxas de inflação de 3%, que nem têm uma origem monetária, quando o crédito é o verdadeiro imposto escondido que conduziu à maior perda de compra desta década.

A outra novidade que Pedro Sales nos dá é que a inflação não tem origem monetária, e para o explicar linka um texto do João Rodrigues em que este diz que.. a inflação não tem origem monetária, passando a explicação para um outro texto do seu colega Nuno Teles que aprofunda a análise do seu colega de blog afirmando que a culpa é do mercado. Fica por explicar como é que tal acontece. Ficou a faltar também um exemplo. Eu proponho que da próxima vez utilize o  exemplo do Zimbabwe, essa reconhecida economia de mercado e especulação, e que nos explique os mecanismos que levaram à hiper-inflação naquele país.

Interessante ainda a maneira como o Pedro Sales desvaloriza a necessidade de manter baixa a inflação. Para o Bloco de Esquerda a inflação não importa muito desde que não faça subir o preço dos combustíveis, dos alimentos, das rendas,… Em resumo, para o Bloco de Esquerda, desde que os preços não subam, a inflação pode assumir qualquer valor.

21 pensamentos sobre “Bloconomics

  1. Caro Carlos Guimarães Pinto,

    1. Não ponho em causa a necessidade de controlar a inflação. Se reparar o que defendo é que o mandato do BCE se associe ao da FED, conjugando o controlo da inflação com o crescimento da economia e do emprego. Veja-se lá o radicalismo.

    2. Nem todos os portugueses têm crédito à habitação diz o Carlos Guimarães Pinto, o que é verdade, mas são 2 milhões de famílias. Metade do país, portanto. parece-lhe pouco? É difícil num conjunto tão alargado não reflectir a média do país, mas não vou estar para aqui a explicar-lhe estatística. Depois, diz que só falo no valor do salário, que é de uma pessoa. É verdade, mas também não digo que a prestação média do crédito à habitação anda pelos 400 ou 500 euros, um terço do rendimento da família média portuguesa. mais uma vez, parece-lhe pouco? Então como explica o aumento brutal do crédito malparado, que a edição de hoje do expresso estima em 4,6 milhões de euros por dia? Mais uma vez, parece-lhe pouco?

    3. sim a tranferência de capitais foi de lá para cá, com as consequências que se viu do lado de lá. A crise nos EUA tem origem na crescente desregulação de importantes sectores do mercado financeiros, como os CDS. Só a AIG perdeu 450 mil milhões com essa brincadeira. A crise do lado de cá tem outros factores, nomeadamente de crescimento, em parte estrangulado pelas taxas de juro sem justificação do BCE.Depois, claro, vem tudo por arrasto.

    4.Quanto à inflação não ter uma origem mometária, parece evidente que grande parte do seu crescimento se deve ao aumento dos preços da energia e dos alimentos, dois factores que o BCE não controla com as taxas de juro.

    5. Esta merda de ser um gajo do Bloco a repetir os argumentos da Economist ou do FT, num blogue onde passam a vida a citar obscuros think thanks de fundamentalistas liberais, tem o seu quê de piada.

  2. o ponto 3 do anterior comentário tem um erro. Os prejuízos da AIG com os CDS (curioso nome) foram de 45 mil milhões e não de 450 mil, como, por engano, referi. Ficando feita a correção, o problema de é o mesmo. Afundou a empresa.

  3. Interessante é que, tendo este post 2 comentários, aparece no blogue como não tendo nenhum comentário. Não tenho nenhuma teoria da perseguição, e tenho a certeza que não é de propósito, mas deve ser um qualquer erro de código que vocês têm que ver.

  4. lucklucky

    América e Bloco de Esquerda o inesperado Romance…esperam-se com ansiedade os próximos episódios…

    Suponho que estariam de acordo com isto:

    Zero Downpayment FHA Mortgage Bill Introduced February 5, 2004

    Legislation Worul Creates Greater Opportunities for First-time Homebuyers

    House Financial Services Committee member Rep. Pat Tiberi (OH) yesterday introduced H.R. 3755, bipartisan legislation that would eliminate the down-payment requirement for families and individuals who buy homes with FHA-insured mortgages.

    The Zero Down Payment Act of 2004 would be available for first-time homebuyers who meet FHA’s underwriting requirements and who could easily afford monthly mortgage payments. Original co-sponsors of the bill include House Financial Services Committee Chairman Michael G. Oxley (OH), Housing and Community Opportunity Subcommittee Chairman Robert W. Ney (OH), Rep. Peter King (NY), Rep. Rick Renzi (AZ), Rep. Mark Green (WI), Rep. Mike Turner (OH), Rep. Ken Lucas (KY), Rep. William Lacy Clay (MO), and Rep. David Scott (GA).

    “Offering FHA mortgages with no down payment will unlock the door to homeownership for hundreds of thousands of American families, particularly minorities,” said Rep. Tiberi. Those who can afford the monthly payment, but have been unable to save for a down payment, should not be deprived of homeownership.

    As part of the Bush Administration’s mission to remove obstacles to homeownership, the FHA mortgages would be provided to families who do not hold enough savings for down payments. According to projections by the Department of Housing and Urban Development, about 150,000 households would qualify for the new loan in the first year alone.

    During the enactment of the American Dream Downpayment Act last year, we learned that the biggest obstacle to homeownership for most families is the inability to come up with enough cash to meet down payment and closing costs,said Rep. Ney. Minority families in particular are burdened by high down payment requirements.

    Families that qualify for the zero down payment mortgages would be charged a modestly higher insurance premium on their home loans. For example, on a $100,000 mortgage, a zero-down-payment borrower would pay approximately $50 a month more than a regular FHA borrower. The slightly higher premium would completely cover the costs of the program, meaning there would be no cost to taxpayers.

    ?The housing market is experiencing record growth, and Rep. Tiberi’s initiative will put more Americans on the path to homeownership, keeping the market strong while allowing buyers to continue to take advantage of favorable financing conditions., said Chairman Oxley. ?This legislation will be a top priority for the Housing Subcommittee this year.

    Rep. Tiberi’s legislation complements the recently enacted American Dream Downpayment Act, which gives down-payment assistance to 40,000 Americans annually. The legislation was signed by President Bush on December 16, 2003.

    Source: House Financial Services Committee

    http://www.alta.org/washington/news.cfm?newsID=488

  5. lucklucky

    Mais resultados da regulação:

    1. An FDIC document on the risk weights of different bank assets. The higher the weight, the more capital the bank has to hold against that asset. As I read table 1 and table 3, if you originate a loan with a down payment of 20 to 40 percent, the risk weight is 35. But if you buy a AA-rated security, the risk weight is only 20. So if a junk mortgage originator can pool loans with down payments of less than 5 percent, carve them into tranches, and get a rating agency to rate some of the tranches as AA or higher, it can make those more attractive to a bank than originating a relatively safe loan. If you want to know why securitization dominated the mortgage market, this explains it. Regulatory arbitrage, pure and simple.

    http://econlog.econlib.org/archives/2008/10/some_useful_not.html

  6. “E contará ainda menos o facto de o salário médio dos tomadores de crédito á habitação ser, obviamente, superior à média nacional.”

    “Obviamente” por quê?

  7. Carlos Guimarães Pinto

    Porque a população com salário mais baixo terá mais dificuldades em aceder ao crédito à habitação. E nem o facto de a parte com salários mais elevados também não utilizar este instrumento, por opção, me parece que faça aproximar as médias.

  8. Carlos Guimarães Pinto ,

    Você agora fala dos que têm rendimentos mais baixos, mas esses ganham 400 euros e eu falei em 800. É a diferença entre os mais pobres e o salário médio – que foi o que eu referi e que o Miguel Madeira lhe perguntou. Você está a fugir aos seus próprios argumentos.

    Explique-me lá como é que um grupo que representa metade da população do país se afasta, mais do que marginalmente, da média do país? Sempre quero conhecer esse milagre estatístico. Para quem quer dar lições aos outros…

  9. “Interessante é que, tendo este post 2 comentários, aparece no blogue como não tendo nenhum comentário. Não tenho nenhuma teoria da perseguição, e tenho a certeza que não é de propósito, mas deve ser um qualquer erro de código que vocês têm que ver.”

    Os comentários tinham sido interceptados pelo filtro automático de spam (e estavam pendentes de aprovação), situação que já foi visivelmente corrigida.

  10. lucklucky

    “A crise do lado de cá tem outros factores, nomeadamente de crescimento, em parte estrangulado pelas taxas de juro sem justificação do BCE.”

    A crise do lado de cá tem que ver com o facto de não nascerem novas empresas em número suficiente que tenham crescido significativamente.

    “Explique-me lá como é que um grupo que representa metade da população do país se afasta, mais do que marginalmente, da média do país?”

    Pode acontecer.Por exemplo nos EUA 45% das pessoas não pagam imposto sobre o rendimento. Logo estes 45% apesar de serem metade do país afastam-se significativamente da média de impostos pagos. Não estou necessáriamente a dizer que ocorre neste caso.

  11. lucklucky

    E para dar um exemplo dos problemas práticos deste lado:

    “Equally, those who had been developing their inventions for some time all said the same thing: there was no way they could ever hope to manufacture in the UK. While we know that this sort of mass production is the preserve of South and East Asia these days, it’s a real shame that young innovators can’t see their projects through from start to finish without going overseas. And it reinforces a trend which we’ve seen for the past few years: the UK has to position itself as the innovative design house for specialist engineering, in a way which combines the service sector with manufacturing know-how.”

    http://www.theengineer.co.uk/Articles/308310/The+business+of+judging.htm

  12. Metade do país, portanto. parece-lhe pouco? É difícil num conjunto tão alargado não reflectir a média do país, mas não vou estar para aqui a explicar-lhe estatística.

    Explique-me lá como é que um grupo que representa metade da população do país se afasta, mais do que marginalmente, da média do país? Sempre quero conhecer esse milagre estatístico. Para quem quer dar lições aos outros…

    Caro Pedro Sales,

    A questão é tão simples que não deveria precisar de “lições” (algo que aparentemente é obcessivo para si). Afinal de contas, usando exemplos extremos, metade dos portugueses são homens, metade dos portugueses tem mais de trinta e picos anos, metade dos portugueses não paga IRS, etc.

    O seu tom sobranceiro a falar de milagres estatísticos era escusado. Não tinha feito a figura que fez, pois o erro neste caso foi seu.

  13. Carlos Guimarães Pinto

    “1. Não ponho em causa a necessidade de controlar a inflação. Se reparar o que defendo é que o mandato do BCE se associe ao da FED, conjugando o controlo da inflação com o crescimento da economia e do emprego. Veja-se lá o radicalismo.”

    É interessante que utilize o FED como exemplo a seguir, tendo sido exactamente o FED que esteve na origem desta crise.

    “2. Nem todos os portugueses têm crédito à habitação diz o Carlos Guimarães Pinto, o que é verdade, mas são 2 milhões de famílias. Metade do país, portanto. parece-lhe pouco? É difícil num conjunto tão alargado não reflectir a média do país, mas não vou estar para aqui a explicar-lhe estatística.”

    O Pedro Sales acha mesmo que a distribuição dos salários das pessoas que vêem o seu crédito aprovado pelo banco é a mesma que a distribuição total dos salários? Não acha que os bancos tenderão a garantir créditos a pessoas com salários mais elevados?

    “Depois, diz que só falo no valor do salário, que é de uma pessoa. É verdade, mas também não digo que a prestação média do crédito à habitação anda pelos 400 ou 500 euros, um terço do rendimento da família média portuguesa. mais uma vez, parece-lhe pouco? Então como explica o aumento brutal do crédito malparado, que a edição de hoje do expresso estima em 4,6 milhões de euros por dia? Mais uma vez, parece-lhe pouco?”

    Eu nunca disse que era pouco ou muito. Sendo a casa o principal activo de uma família média, é normal que boa parte do seu rendimento seja dispendido com a sua compra. O que o Pedro Sales quis dizer foi que o aumento da prestação do crédito à habitação correspondia a 10% dos rendimentos, o que já admitiu não ser verdade. Se corrigir as suas contas, considerando dois salários, e corrigindo o valor do salário médio, é capaz de chegar à conclusão que o aumento da prestação da casa corresponderá a qualquer coisa como 3%/4% do rendimento da família. Interessante, não é?
    Mesmo que assim não fosse, os contratos de crédito são contraídos de livre vontade. Quem contrata um crédito sabe à partida quanto irá pagar e que existe o risco de a mensalidade subir. A inflação, pelo contrário, não é contratada, é imposta.

    “Você agora fala dos que têm rendimentos mais baixos, mas esses ganham 400 euros e eu falei em 800. É a diferença entre os mais pobres e o salário médio – que foi o que eu referi e que o Miguel Madeira lhe perguntou. Você está a fugir aos seus próprios argumentos. ”

    Se retirarmos as pessoas que recebem 400/500 euros, a média salarial é bem superior a 800 euros. Por isso é que digo que a média salarial de quem tem empréstimos à habitação é superior à média nacional. Pensei que tal nem sequer merecesse explicação.

    Para acabar, deixo-lhe uma pergunta para não nos estendermos muito em discussões teórias. Não lhe parece que seria demasiado fácil se fosse possível de facto promover o crescimento económico através da impressão de dinheiro?

  14. Michael Seufert

    4.Quanto à inflação não ter uma origem mometária, parece evidente que grande parte do seu crescimento se deve ao aumento dos preços da energia e dos alimentos, dois factores que o BCE não controla com as taxas de juro.
    Poderia elaborar sobre como é possível o aumento dum bem, ou grupo de bens, fazer aumentar a taxa de infalção, sem aumento da massa monetária. Como aqui tentei elaborar, é impossível que o cabaz de compras suba de preços, se não houver aumento de massa monetária, porque os consumidores têm que ajustar os seus consumos perante os aumentos de preços, mantendo a taxa igual a zero.

  15. No fundo, aqui está se a misturar média com mediana (a tal metade do país).

    Mas será que a mediana (no fundo é disto que o Pedro Sales está a falar) não acaba por ser mais representativa do individuo típico do que a média?

  16. “Poderia elaborar sobre como é possível o aumento dum bem, ou grupo de bens, fazer aumentar a taxa de infalção, sem aumento da massa monetária. Como aqui tentei elaborar, é impossível que o cabaz de compras suba de preços, se não houver aumento de massa monetária,”

    É possível, pelo menos de de duas maneira:

    a) a quantidade de bens diminuir (p.ex., se a produção de petróleo começasse a descer e a massa monetária se mantivesse constante, de certeza que os preços iam subir)

    b) a velocidade de circulação da moeda pode, por qualquer razão, aumentar

    Note-se que não estou a dizer que isso tenha acontecido no presente caso.

  17. Já agora, sobre os empréstimos à habitação:

    Eu pago 20% do meu ordenado liquido para a prestação da casa. Se eu arranjasse uma mulher com o mesmo ordenado que eu, quer dizer que iríamos pagar 10% do nosso ordenado global.

    E o meu empréstimo foi de apenas 70% do valor da casa (penso que grande parte das famílias pedem a uma proporção maior emprestada)

  18. Carlos Guimarães Pinto

    “a) a quantidade de bens diminuir (p.ex., se a produção de petróleo começasse a descer e a massa monetária se mantivesse constante, de certeza que os preços iam subir)”

    Verdade. Para ser mais preciso aqui pode-se falar em aumento relativo de massa monetária.

  19. A. R

    Bom post…. O Pedro Sales não explicou ainda então o que se passa na miraculosa economia do Zimbawe ou se em Cuba, onde vivem três e quatro gerações debaixo do mesmo tecto, é que está tudo bem e correcto(não há prestação da casa a pagar). Quanto à injecção de dinheiro fácil na economia sabemos os resultados pela Venezuela: recebeu durante dez anos mais que o plano Paulsen (750 mil milhões) e é o que se vê.

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