Sobre A Governação Da Geringonça

Aproveitando a subida de rating da dívida portuguesa por parte da Standard & Poor’s – o que não deixa de ser uma boa notícia, serve este post para avaliar o desempenho do governo da geringonça liderado por António Costa não do ponto de vista político (que  para todos os efeitos é um sucesso muito à custa da habilidade política e ao abandono de princípios e coerência por parte dos elementos da geringonça em troca de poder), mas do do ponto de vista económico (que aparenta ser um sucesso). A avaliação justa e correcta de qualquer governo deve sempre passar pela análise de dois pontos fundamentais:

  1. A base de comparação. Quando se elogia o desempenho do governo é por comparação a quê? Por comparação a uma base zero (por exemplo sem qualquer governo, como aconteceu em Espanha que cresceu 3% durante 15 meses sem qualquer governo)? Por comparação com um desempenho de um governo alternativo do PSD-CDS? Alguém duvida que um governo PSD-CDS nesta conjuntura (ver ponto a seguir e o resto deste post) não teria tido um desempenho melhor? Infelizmente não é possível criar um universo paralelo em que se possam criar grupos de controlo para fazer uma comparação factual.
  2. A conjuntura. Não se pode comparar a governação durante um período de recessão ou de execução de um programa de ajustamento (no caso do governo anterior, existia a obrigação de cumprir um programa de ajustamento negociado e acordado pelo partido socialista liderado então por José Sócrates). Alguém acredita que se o partido socialista tivesse vencido as eleições em 2011 a política “austeritária” conduzida teria sido muito diferente? Um país falido e endividado até aos limites tem sempre poucas opções. O governo da geringonça quando tomou posse, Portugal já tinha saído do programa de ajustamento (uma saída “limpa”), reformas importantes (mas insuficientes no meu entender) já tinham sido realizadas, e já se observava uma tendência clara de recuperação económica, quer por via do crescimento económico, quer por via da recuperação de emprego. O governo da geringonça beneficiou ainda de condições favoráveis excepcionais das quais destaco:
    1. o crescimento generalizado das economias europeias, americanas e asiáticas (algo que por si só favorece as exportações e o investimento estrangeiro).
    2. taxas de juro extraordinariamente baixas, devido essencialmente ao programa de quantiative easing do Banco Central Europeu.
    3. o crescimento do turismo, não só pelo aumento da quantidade e qualidade da oferta (para que muito contribuiram as companhias aéreas low cost), mas também pelo aumento da procura resultante do facto de outros destinos tradicionais se terem tornado muito pouco atractivos por motivos de segurança.
    4. a queda do preço do barril de petróleo que reduz o défice da balança comercial e liberta recursos financeiros para serem aplicados em outras actividades económicas.

De salientar que, dada a conjuntura favorável, este seria o momento ideal para realizar todo o género de reformas estruturais. Ao invés de aproveitar esta oportunidade, o governo optou por reverter algumas das reformas do governo anterior e manter o status quo o mais possível, privilegiando sempre uma política de curto prazo (num concurso de popularidade e de compra de votos com o objectivo de se manter no poder) em detrimento do longo prazo, como explicarei neste post. Ao mesmo tempo, a dívida pública este ano atingiu valores recorde em termos absolutos e em proporção do PIB.

Devo notar também que a popularidade da geringonça também se deve ao facto de termos um presidente da república mais interessado na sua popularidade e em evitar conflitos do que em desempenhar a sua função; e a uma comunicação social que de forma muito geral, é acrítica e aceita passivamente todo o tipo de vacuidades produzidas pelo governo; e que objectivamente privilegia e favorece a esquerda. Sobre a parcialidade da comunicação social, basta fazer um exercício mental para imaginar como é que os casos das 65 mortes nos incêndios de Pedrógão Grande; o recorde da àrea ardida pelos incêndios em 2017 ; ou o roubo de Tancos seriam tratados caso estivessemos perante um governo de liderado por Passos Coelho.

No quadro abaixo, tentei resumir o conjunto de medidas relevantes da geringonça, avaliando as de acordo com a sua motivação e o seu impacto que contém uma dimensão temporal. Agradeço aos leitores que me chamem a atenção se faltar qualquer medida relevante ou se discordam da minha avaliação.

Do quadro acima e fazendo um balanço geral, o que posso concluir é que os resultados económicos positivos que se têm observado são mais conjunturais e obtidos “apesar do governo” e não “por causa do governo” cujas preocupações são a popularidade, manutenção do status quo e do poder, como refere este artigo do Financial Times. Mais, estou convicto que se Portugal em vez de ser governado pela geringonça, fosse governado por uma coligação PSD-CDS (pela qual não morro de amores), os resultados económicos seriam melhores, assim como as perspectivas de longo prazo. Finalmente, devo lamentar a perda de uma oportunidade por ventura única, de efectuarmos reformas estruturais nos nossos termos – quando estas forem impostas, serão sempre mais dolorosas. Ainda sobre as reformas estruturais que o país tanto precisa, vale a pena saber o que pensa o primeiro-ministro António Costa: “A expressão ‘reformas estruturais’ arrepia-me. Qualquer cidadão normal fica logo alérgico.” (fonte).

Deixo então a questão aos leitores: está Portugal melhor preparado para enfrentar os desafios e os choques do futuro hoje do que estava antes do governo de António Costa tomar posse no final de 2015?

19 pensamentos sobre “Sobre A Governação Da Geringonça

  1. Manuel Assis Teixeira

    Muito bom! Totalmente verdade! É uma autêntico manifesto que deveria ser subscrito e utilizado pela oposição! Há que dizer que ” O Rei vai Nu”! Está aqui tudo dito! Pena apenas que a oposição esteja ocupada com jogos florais e não em fazer marcação cerrada ao embuste que é a governaçao! Aproveitem! Está aqui tudo…

  2. Luís Lavoura

    um presidente da república mais interessado na sua popularidade e em evitar conflitos do que em desempenhar a sua função

    Ele não desempenhado a sua função? Que função é que ele se tem abstido de desempenhar?

  3. PMBB

    Embora também seja adepto de baixos impostos parece-me que nalguns pontos está patente uma análise demasiado simplista de baixa de impostos é bom e subida é mau. A descida de impostos sem medidas de carácter permanente de descida de despesa são um logro, então em Portugal significam obrigatoriamente um aumento de impostos no futuro.
    De resto, um excelente resumo e análise aos resultados económicos deste governo (que me lembre o melhor que li até à data).

  4. Luís Lavoura,
    Logo o desempenho da primeira função – “O Presidente da República é (…) “garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas” e é o Comandante Supremo das Forças Armadas.” – é muito questionável

  5. Miguel Galaz

    Meu caro, “serei sempre [contra]…” Falta o contra. O que tem acima é “serei sempre o aumento…”

  6. JP-A

    Dizia ontem o Santos Silva com cara de quem estava a falar para o gado manso, que os juros eram os mais baixos desde…o início do ano. Os jornalistas, agarradinhos à teta e ao medo, mamaram e transmitiram, como se fosse perigoso perguntar-lhe logo porque é que tanto se compara o século de 17 anos como logo a seguir se usam 8 meses e meio como referência.

    Quanto aos impostos, por muito que a Pordata escreva que as receitas de impostos do Estado em % do PIB foram as maiores de sempre, o mamanço é constante, total e silencioso.

    A intoxicação é já total, descarada e igual à da Venezuela.

  7. Obrigado pelo seu comentário, PMBB. De facto a análise já é de si bastante longa. Concordo em absoluta com a sua opinião de que a descida de impostos deve ser acompanhada de medidas de carácter permanente de redução da despesa. Cumprimentos!

  8. Portugal cresce apesar do(s) governo(s). Essa é a verdade. Se houvesse por cá a eficiência nórdica isto era uma Suíça à beira-mar.
    Por azar, Portugal está cheio de portugueses. Já um dos governadores do império romano escrevia a César que “os indígenas nem se governam nem se deixam governar”. Em quase dois milénios nada mudou. Os governantes governam-se e pronto.

  9. Faltou falar das progressões a partir de 2018, que é mau, pois vai abrir de novo a porta a um descontrolo da despesa pública. Também importante é o Capitalizar, o programa que se parece com a oferta da Metadona, isto é, um programa que em vez de se aumentar o lucro da empresa, dá-lhes mais daquilo que elas são viciadas, Crédito fácil. Outra medida a realçar é as “novas oportunidade”, bem com o descentralizar para os municípios, mas sem passar a massa. Ou o novo código de Contratos Públicos, que quer acabar com os ajustes diretos, mas que só vai aumentar a criatividade dos serviços. De referir que há 2 medidas no sentido certo, mas que sendo isoladas, não vão dar em nada, a liberdade de escolher o Hospital e/ou Centro de Saúde no SNS e a liberdade curricular nas Escolas.

  10. Faltou referir uma medida puramente ideológica e sem qualquer benefício (excepto para a FENPRO e o bigodes) que foi o cancelamento unilateral da muitos contratos de associação

  11. Exactamente, é o que tenho dito desde o início desta governação, que é algo que as pessoas não percebem: o maior problema não vai ser o curto-prazo, porque felizmente estamos na boa fase do ciclo económico, mas sim o longo-prazo. Todas estas medidas vão limitar investimento, criação de emprego e aumento de produtividade, e condenar-nos a ser o país mais pobre da Europa (mais uns aninhos e até os países de Leste, que têm gerido a economia racionalmente, já nos ultrapassaram em PIB/capita). Isto está encaminhado para ir tudo de vela na próxima recessão.

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