Não tenho culpa da escravatura. E não pago.

O meu texto de hoje no Observador.

‘Bom, por Portugal pastoreia-se agora um tema tão pertinente quanto os anteriores. Tome conhecimento o leitor que precisa de dedicar amplo tempo do seu dia à problemática da escravatura. Escravatura? – pergunta o leitor espantado. E cogita com os seus botões que nunca viu um escravo, nunca possuiu um escravo, indigna-se quando lê reportagens denunciando escravatura no século XXI em zonas de África ou da Ásia ou ligada ao tráfico sexual aqui na Europa. Que diabo esperam mais do leitor desprevenido?!

Aparentemente é nossa urgente obrigação – mais de dois séculos depois da abolição da escravatura em território português e de um século depois da abolição em todo o império português – debater as culpas de Portugal na história da escravatura e do comércio de escravos. Na verdade, lendo certos textos, desconfio que se espera de nós que qualquer boa mãe e bom pai de família se entreguem à penitência, batendo com contrição no peito enquanto envergamos uma canga, por, há vários séculos, um ou outro dos nossos antepassados possuírem ou comercializaram escravos. Mais: há até quem questione se nós – contribuintes que nunca escravizámos ninguém – deveríamos pagar indemnizações aos descendentes dos escravos. (Este debate é tanto mais importante quanto não há uma vítima viva do comércio de escravos português.)’

O texto completo está aqui.

9 pensamentos sobre “Não tenho culpa da escravatura. E não pago.

  1. É muito simples: os europeus brancos não escravizaram ninguém; compravam “prisioneiros de guerra” (já escravizados) resultantes de guerras tribais entre diferentes etnias africanas.
    Certo, os europeus brancos não deveriam ter contribuido nem uma milésima para o negócio atlantico dos escravos, mas culparem os europeus disso é estúpido. Não fomos os primeiros a utilizar escravos (Äfrica e Äsia tiveram esse privilégio), e, pelo contrário, fomos os primeiros a abolir a escravatura, numa altura em que ainda era prática corrente.

  2. Nunca compreendi qual seria a posição de alguém que seja descendente de escravos e de donos de escravos ao mesmo tempo.

    Se o um dos meus tetravós maternos possuiu escravos e outro dos meus tetravós foi escravo, devo pedir desculpa ou aceitar a desculpa?

    Ou deve a minha perna esquerda pedir desculpa ao braço direito?

    Há nesta história toda um racismo, nunca citado, em que as pessoas não admitem que o género humano se mistura constantemente. Para eles os descendentes dos escravos não podem ser os descendentes dos senhores porque escravos e senhores serão sempre classes separadas.

  3. «É muito simples: os europeus brancos não escravizaram ninguém; compravam “prisioneiros de guerra” (já escravizados) resultantes de guerras tribais entre diferentes etnias africanas.»

    O aumento da procura gera aumento da oferta – haver portugueses (e ingleses, e árabes, etc., etc.) a comprar escravos e apagar bem por eles aumentava o incentivo para fazer raids à tribo vizinha para capturar escravos (ou para vender a própria população, como no caso do rei do Daomé)

  4. Agora a respeito do post da Maria João Marques – ela tem razão: nem ela nem eu temos qualquer culpa da escravatura (tal como não temos nenhum mérito nos Descobrimentos, e eu pelo menos não tenho nenhum nos golos do Cristiano Ronaldo).

    Mas não se pode querer sol na eira e chuva no nabal – atendendo que para as coisa positivas se costuma praticar o coletivismo intergeracional, reclamando com orgulho coisas que alguns portugueses fizeram há 700 anos, a coerência implica que também o pratiquemos para as coisas negativas (atenção que eu não estou a dizer que a Maria João Marques pratique esse “coletivismo intergeracional”, mas quase todos os politicos e comentadores praticam-no: aliás, lembram-se como esta história toda começou, não se lembram? Com o Marcelo Rebelo de Sousa a falar com orgulho de Portugal ter sido dos primeiros países a abolir o tráfico de escravos; na altura não vim ninguém a contra-argumentar “eu não aboli tráfico de escravos nenhum”)

  5. O ponto é que só um grunho tece considerações morais retrospectivas (e/ou jurídicas prospectivas) sobre uma instituição que existiu durante a quase totalidade da história da civilização e que deixou de existir muito por força do excedente de mão-de-obra barata que as revoluções agrícola e industrial geraram. PS: e sim, em Portugal, onde pelo menos 400 mil escravos africanos se diluíram na população em geral (que na altura rondava os 2 milhões), quem vai pedir desculpas a quem?

  6. Assim como há quem tenha pesadelos com a escravatura e ache que se deve pedir desculpa à História, também há paranóicas que acham que os homens procuram deliberadamente submeter e discriminar as mulheres. Essas, sim podiam pedir desculpa.

  7. mariofig

    Caro @MiguelMadeira, o seu argumento é interessante, não fosse um pequeno problema: O orgulho de uma nação nas suas figuras ou história não implica qualquer responsabilidade nas suas práticas. Essas responsabilidades já foram atribuídas aos dois lados de um conflito, entre quem perpetrou tais actos e quem lutou pela sua abolição. Hoje não existem mais responsabilidades a atribuir.

    Por outro lado, parece-me desejável, saudável e salutar a prática de um sentimento de apropriação colectiva das coisas positivas na nossa história sem que isso revele qualquer contradição com as coisas que desejemos não nos apropriar. Não existe nenhum imperativo moral para tal. Da mesma forma me é permitido a declaração de orgulho pelo meu avô Figueiredo, comandante da marinha na 1ª Grande Guerra, ao mesmo tempo que recuso qualquer ligação ao meu bisavô materno, condenado por ter morto a minha bisavô à paulada porque ela matou o coelho errado para o jantar.

  8. A escravatura anda aí, por cá, em todo o seu máximo expoente em algumas empresas ditas de referência e em muitas áreas de actividade.
    Em que colaboradores estão submetidos a prepotência, abuso, coação psicológica, incongruência de métodos e violência verbal por parte de quem manda a gritar.
    Grande parte das pessoas consentem e calam com medo dos açoites sem chicote, da prisão sem correntes, do adesivo na fala e do arremesso pela borda fora sem boia.
    Quem ousa remar contra a maré com dignidade é remetido para a frigideira em lume brando ou para a fornalha de queima rápida.
    Sem aliados, o receio que amordaça e paralisa determina que muita gente prefira padecer nas garras insaciáveis dos vilões.
    E depois, talvez menos vezes do que devia ser tem lugar a grandeza da revolta.

  9. MIGUEL

    Excelente post. Temos uma seita a dividir, transtornar, atrapalhar, a manipular para governar. Os Marxistas locais trabalham a inventar problemas para entreter a malta mas não falam claro da verdadeira situação em que estamos graças a sua existência no meio de nós, aqui vai artigo do século XXI:

    ESFARRAPADOS E ESFOMEADOS
    “Os trabalhadores portugueses escravizados estão bem e não precisam de tratamento hospitalar”, confirmou ao CM fonte do gabinete de comunicação da Guardia Civil. Concluída a ‘Operação Fado’, os 43 emigrantes foram colocados em liberdade.
    Segundo informou a mesma fonte, não serão trazidos para Portugal, pois como cidadãos europeus têm total liberdade de circulação em Espanha. Quanto aos dez detidos, após terem sido ouvidos e conhecido o domicílio, foram postos em liberdade com a obrigatoriedade de todas as semanas se apresentarem na Guardia Civil.
    Entretanto, procede a investigação administrativa a fim de apurar a extensão desta rede de tráfico de homens, nomeadamente nas ligações entre o bando e o tecido empresarial da região.
    A Guardia Civil sublinhou que muitos dos mendigos portugueses apresentavam um estado de grande degradação: “Estão mal alimentados e usavam a mesma roupa há várias semanas. Sem sanitários nos locais onde viviam faziam as necessidades na via pública.”
    NÚMEROS DA ESCRAVATURA PORTUGUESA LÁ FORA
    2 EUROS – O mínimo que os portugueses recebiam por semana em Navarra
    10 EUROS – O máximo que os portugueses recebiam por semana em Navarra
    18 HORAS – Número de horas que chegavam a trabalhar por dia
    6 DIAS – Só ao sábado estes trabalhadores descansavam
    1 HORA – O tempo destinado para almoçar. Muitas vezes comida fria
    30% – Máximo que os escravizados recebem daquilo a que têm direito
    40 MIL – Número estimado de portugueses explorados nas obras na UE
    25 – Detidos na operação contra tráfico humano para Espanha em 2005

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