Taiwan, Trump e o início da terceira grande guerra

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A capacidade que Trump tem, involuntariamente, em proporcionar a exposição de profundas contradições de discurso à esquerda e à direita deverá, a seu tempo, servir de case study nos mais prestigiados cursos da área por este globo fora. Argumentar que o presidente-eleito da maior potência mundial não deveria conversar ao telefone com uma governante democraticamente eleita de forma a não ofender terceiros é próprio de uma geração de políticos e paineleiros cujos problemas de coluna me ofereceram uma pseudo-carreira como blogger.

Já no Brexit, à direita, pesavam os argumentos económicos, não fosse a soberania, esse artefacto que pouco diz à modernidade estabelecida, incomodar negociatas. Os tecnocratas de serviço, uma classe formada no economês das business schools desta vida, para quem a história e a cultura são luxos parasitários de rodas dentadas pouco produtivas e cuja profundida ideológica, por escrito, caberia numa nota de 5, querem convencer-nos que fazer o correcto de nada vale sem o lucro como amparo.

Confunde-se também o realismo nas relações internacionais – que me afasta de muitos camaradas liberais – com a submissão incondicional , ignorando que o próprio Kissinger – que a muitos politiqueiros soará como uma marca de electrodomésticos – defendeu, em tantos palcos, que os EUA deveriam continuar a apoiar militarmente a ilha – ainda que reconheça que, eventualmente, os americanos assumirão um papel de moderadores num processo de reaproximação que colocará Taiwan, oficialmente, sob o mando da China continental.

Se é verdade que a ingerência na esfera de influência de outras potências não é uma atitude recomendável, a manutenção de relações com países que se enquadram nas mesmas não pode, dependendo da forma como é efectuada, ser tratada como tal. Enquadrar-se-ão bem melhor nesse campo de acção as desastrosas tentativas de desestabilização do quintal da Rússia a que assistimos nas administrações Bush e Obama, sancionadas pela NATO e pela UE. Estas sim, colocam o equilíbrio de poderes em perigo e legitimam respostas da outra parte – como foi a entrada dos russos na Crimeia e na Síria. Que os mesmos que se queixavam da brandeza com que se tratava Putin, num contexto de décadas de humilhação da Rússia, se apoquentem por uma chamada entre chefes de estado democraticamente eleitos, pouco me espanta, conhecendo as peças.

Neste século XXI retornamos – e bem – à Era de Metternich e do Concerto, desfalecendo as organizações supra-nacionais e as alianças obsoletas que nos legaram as duas guerras, dando, de novo, lugar à hegemonia do Estado-nação e ao acréscimo de uma feliz diversidade no alto campo diplomático. Se os EUA, com Trump no comando, cumprirão a promessa do mesmo, reformando-se do policiamento desacompanhado do mundo, continua a ser uma incógnita – se bem que, para já, com boas indicações. Que os paineleiros de serviço continuarão sem perceber nada do que se passa à sua volta, isso manter-se-á uma certeza.

6 pensamentos sobre “Taiwan, Trump e o início da terceira grande guerra

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  3. Em relação à Rússia. É estranho que seja sempre vista como pobre coitada:

    “Enquadrar-se-ão bem melhor nesse campo de acção as desastrosas tentativas de desestabilização do quintal da Rússia a que assistimos nas administrações Bush e Obama, sancionadas pela NATO e pela UE. ”

    A Rússia tem um passado de expansão extremamente agressivo (ou pensa que a Rússia tem as dimensões que têm desde o início dos tempos ?) e no seu quintal tem um passado de violência contra quem tem o azar de lhe callhar como vizinhos.

    Mas OK, a Rússia é uma pobre coitada que o mundo ocidental anda a humilhar. Os países Bálticos, a Polónia e a Ucrânia são propriedade da Rússia e ai deles se questionarem o czar de serviço em em Moscovo….

  4. Do mesmo modo que lideres europeus criticaram Reagan qdo este pediu a Gorbachov para deitar abaixo o muro de Berlim. Para muitos a ditadura comunista que mantinha os países de leste numa cortina de ferro era para manter. Por eles, milhões de pessoas continuariam hoje a viver numa prisão. Cambada de hipócritas.

  5. mariofig

    “Neste século XXI retornamos – e bem – à Era de Metternich e do Concerto, desfalecendo as organizações supra-nacionais e as alianças obsoletas que nos legaram as duas guerras, dando, de novo, lugar à hegemonia do Estado-nação e ao acréscimo de uma feliz diversidade no alto campo diplomático”

    Não deixa de ser relevante, no entanto, que podemos também atribuir à diversidade do campo diplomático, como o Ricardo coloca, a possibilidade que foi dada à Rússia de se expandir e de ter tomado de assalto países vizinhos onde implementou formas de repressão violentas.

    Concordo no entanto que pouco se conseguiu com as alianças e instituições do pós-guerra. Mas surgiram exatamente porque os métodos anteriores também tinham falhado. E por outro lado, por muito que se possa criticar a política externa do partido Democrata Norte-Americano (e muito se pode criticar!), também não deixa de ser verdade que a Rússia agressiva de hoje é a Rússia agressiva de sempre. E não é apenas uma consequência da administração Obama.

    “Que os paineleiros de serviço continuarão sem perceber nada do que se passa à sua volta, isso manter-se-á uma certeza.”

    Devo ser um desses paneleiros…
    Que se critique a política internacional Norte Americana e Europeia. Estou lá. E que se critique a ONU e a NATO. Também lá estarei. Mas não me venhas com essa que é a coitadinha da Rússia que foi humilhada durante 20 anos. Mas era só o que faltava!

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