falsifiability!

A ideia de que as poupanças são necessárias para financiar o investimento é afirmada frequentemente por jornalistas, economistas e políticos e, verdade seja dita, está de acordo com o que é ensinado em quase todos os cursos de economia do mundo e com o que está escrito em quase todos os livros do mesmo tema. No entanto é falsa. A causalidade em questão assenta numa interpretação errada da identidade em Contabilidade Nacional, que diz que o investimento é igual à poupança (…) Como cada activo financeiro é o passivo financeiro de outro agente, no agregado (numa economia fechada ou no mundo inteiro) a posição financeira líquida é nula e, portanto, a melhoria do balanço só pode ser feita pela acumulação de activos não financeiros. Ou seja, no agregado, só podemos poupar activos não financeiros o que significa que o que poupamos é igual ao que investimos, ou melhor, o que poupamos é o que investimos. Como se pode, ver isto não diz nada acerca do financiamento do investimento. Neste aspecto as despesas de investimento não diferem em nada das despesas de consumo.”, Pedro Pratas (economista) no Jornal Económico.

Dizia Karl Popper que a busca de novo conhecimento se faz pela refutação do velho conhecimento. Popper chamou-lhe “falsifiability”. No entanto, não creio que seja o caso do texto citado em cima. Para além de não se perceber o que lá está escrito – pelo remate final do artigo (“ao incentivarmos a poupança podemos obter o efeito contrário do pretendido”), posso apenas presumir que se trata de defender o estímulo ao consumo como motor da economia portuguesa -, o autor parece esquecer-se de um pequeno detalhe (chamemos-lhe um pormaior) nada irrelevante: esquece-se que Portugal exibe uma dívida externa líquida de 100% do PIB.

6 pensamentos sobre “falsifiability!

  1. mariofig

    Eu não tenho a pedalada que o Ricardo já acumulou, e portanto tenho mais dificuldade em desconstruir certa argumentária. A economia é para mim um hobby e não uma profissão ou um assunto de estudo aprofundado. Mas ainda assim vou arriscar:

    Parece-me que o caríssimo Pedro Pratas não está a falar de economia ou de qualquer assunto a ver com economia. O facto de ele usar termos normalmente usados por economistas sob uma capa argumentativa de pessoa sábia, serve apenas para dissimular o seu verdadeiro objetivo: O que Pedro Pratas está realmente a fazer é tapar os olhinhos à gente.

    Anda para aí uma estirpe de políticos e comentadores que estão a fazer o que podem para virar ao contrário ideias que temos como certas. Ao fazê-lo esperam aparentemente legitimar e até obter apoio para medidas governativas criticáveis do ponto de vista económico ou social. É por isso que ouvimos dizer que a dívida é ativo, ou que uma empresa pública não precisa de gerar lucros, e aqui ouvimos que poupança não é importante. Podemos esperar muitos mais exemplos no futuro próximo.

    Há medida que a governação vai virando cada vez mais à esquerda, são precisos estes “sábios” com as suas visões “pós-modernas” para incentivar a população à ideia que afinal esta governação é uma maravilha e está a derrubar as ideias erradas do passado. São todos heróis.

    … até ao próximo resgate, claro.

  2. Ora vamos lá pensar: se todas as pessoas retirassem qualquer dinheiro dos bancos e o guardassem debaixo do colchão sem gastar um cêntimo (admitamos que todos tinham uma horta na varanda com galinheiro e tudo), tínhamos poupanças e… um país falido.

  3. GIL : “Ora vamos lá pensar: se todas as pessoas retirassem qualquer dinheiro dos bancos e o guardassem debaixo do colchão sem gastar um cêntimo (…), tínhamos poupanças e… um país falido.”

    Tinhamos poupanças mas não teriamos investimento !…

    Mas já que se consideram cenários absurdos, imagine-se o que aconteceria se todas as pessoas retirassem as suas poupanças dos bancos e das empresas e as consumissem em bens e serviços … Teriamos num primeiro momento um consumismo imediato do que existisse já disponivel e pudesse ser produzido com a capacidade instalada e logo a seguir um colapso da produção por falta de investimento (empresas descapitalizadas e sem financiamento de terceiros) !…

    O que leva a um pais falido (sem condições para produzir) é a falta de investimento (a utilização de recursos na produção).
    Se consumirmos tudo (não pouparmos) ou se não consumirmos mas deixarmos os recursos inactivos (não aplicarmos as poupanças), o resultado é a falta de investimento e, por consequência, a queda na produção.

  4. Gil, as poupanças são investimento quando aqueles que poupam querem receber algo pelas suas poupanças (vulgo, por a render). Servem os bancos como intermediários financeiros que alocam poupanças a investidores, e remuneram aforradores considerando esse prémio de risco e o seu spread.

    O autor do artigo, o Pedro Pratas, confunde diversas coisas, mistura tudo mal misturado e conclui, sem nunca ter percebido como funciona um banco. Se por um lado é verdade que os bancos privados expandem a massa monetária, no sentido em que têm autonomia para emprestar dinheiro, expandindo o seu balanço, sem confirmarem que estão a cumprir rácios de capital, por outro lado esses mesmos bancos estão sujeitos a rácios de capital (Tier 1 CAR), que limitam essa mesma expansão. Ou seja, se não existirem poupanças suficientes, existe ou 1) um efeito de crowding-out, em que os bancos secam financiamento num sector para emprestar a outro; 2) necessidade de endividamento externo. Claro que a posição mundial é neutra, mas isso é irrelevante para um sistema bancário individual. Ora, só há uma forma de expandir a capacidade dos bancos financiarem a economia: poupanças.

  5. Nuno

    O artigo é uma repescagem do argumentário de Paul Krugman, que o autor menciona, e do qual o João Galamba também se serviu em sentido lato naquela célebre Comissão onde levou uma “corrida” do Carlos Costa, em que disse, ufano, que é o Crédito que gera Depósitos e não o oposto.

    O que o autor faz, ao invés de absolver a falta de capital financeiro bem conhecida de Portugal da falta de investimento e crescimento económico do país, como possivelmente pretenderia, é descrever a mais elementar desvantagem de um sistema bancário de reserva fraccionária que é precisamente o facto de poder haver investimento sem poupança, pelo menos até certo ponto e durante um certo tempo. Isto porque se levanta aqui o busilis da questão que é o da qualidade dos activos não financeiros. Inicialmente os melhores activos/sectores serão apoiados pela banca (lowest hanging fruit) mas, num contexto de constante expansão dos balanços, terão de ir progressivamente para sectores/activos de qualidade inferior. É assim que se geram os colapsos sistémicos bancários e/ou a devastação de sectores económicos inteiros (ex. construção civil, corridas aos depósitos, modelo económico chinês, etc.)

    Reconhecendo isto, os reguladores tentam meter, pelo menos parcialmente, o génio na garrafa impondo rácios mínimos de capital – razão pela qual os bancos fazem análises de risco ao potenciais clientes pois têm balanço limitado, ainda que alavancado, para alocar. Daí a tal “corrida” do Governador ao Economista-Deputado, porque em termos bancários a acumulação de depósitos permite libertar “balanço” para a concretização de novas operações de crédito. Ou, em termos não bancários, permite que a necessidade de capital alheio se reduza e aumente a autonomia para a realização de investimentos.

    Não conheço o autor mas parece-me pelo menos algo conhecedor do processo de transmissão da base monetária. Faz parte de uma velha-nova classe de idiotas úteis, que é a dos economistas-sábios, que fazem diagnósticos e prescrições imperscrutáveis ao senso comum, e portanto imbuídas de uma espécie de legitimidade científica, ideal para servir os interesses dos que defendem o intervencionismo económico em prol de um determinado bem comum por eles definido.

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