Não sei se nesta história das sanções tudo se explica por incompetência, ou há mais qualquer coisa muito grave

Imaginem que eu governava e era um defensor incondicional da pátria, olhava para 2015 e (imaginava que) dali vinha risco de sanções, e que tal risco não podia, terminantemente, desse lá por onde desse, porvir de outras circunstâncias quaisquer que não o resultado orçamental de 2015. O que fazia eu, o patriota?

Concentrava toda a minha atenção e esforço na recolha de argumentos possíveis para demonstrar que o facto de o meu país não ter ficado com o défice dentro do limite de 3% do PIB para encerrar o Procedimento por Défices Excessivos (PDE) na data determinada pelo Conselho Europeu, com competência para o fazer e sancionar um eventual incumprimento, se ficou a dever a factores perfeitamente atendíveis, que nada têm a ver com a evolução efectiva do saldo orçamental.

Felizmente, há fortíssimos argumentos, extraordinariamente fáceis de apresentar e comunicar, para facilitar a tarefa ao empenhado governante patriota. Há outros, complementares e não menos atendíveis, mas menos fáceis de articular, pelo menos em termos de comunicação com o público em geral, tão importante neste caso.

Vejamos. Desde 2009 que a notificação do Procedimento por Défices Excessivos, dos institutos estatísticos nacionais ao Eurostat, passou a integrar um quadro suplementar, que calcula o efeito integral das intervenções governamentais de apoio ao sistema financeiro, tendentes a empolar indevidamente os resultados do ano em que sucedem, por serem muito vultosas e de natureza obviamente extraordinária.

O Eurostat recolhe essa informação, valida a informação enviada pelo INE (ou não) e, depois, publica-a no seu site. E o que diz a informação enviada pelo INE e já publicada (em Abril) no site do Eurostat sobre o impacto orçamental das intervenções do governo português de apoio ao sistema financeiro para o ano de 2015? Diz, em síntese, isto:

PDE Quadro suplementar

Ou seja, que o  cômputo completo do impacto orçamental, essencialmente extraordinário, das intervenções do governo português de apoio ao sistema financeiro em 2015 ascendeu, em termos líquidos, a 2.823 milhões de euros, avultando aí a resolução do Banif (2.337 milhões) e os juros líquidos imputáveis a operações de financiamento análogas anteriores (480 milhões). Isto é, ascendeu a 1,6% do PIB, pelo que o défice recalculado sem aquele impacto foi de 2,8% do PIB.

O próprio Eurostat explica em nota de contextualização deste mapa e da informação que ele veicula que ela é crucial, por exemplo, para os países que estão em programas de ajustamento da UE-FMI, pois as metas que estes traçam descontam justamente o impacto das intervenções de apoio ao sistema financeiro, para que se possa definir e apreciar com algum rigor as dinâmicas orçamentais, sem o enviesamento e a distorção que intervenções envolvendo elevados montantes e de natureza não recorrente são susceptíveis de causar.

E assim que o INE produz o tal mapa e o envia, não me calo, insisto, insisto e volto a insistir que o défice de 2015 sem o Banif e custos associados a operações similares foi 2,8% do PIB, além, obviamente, de invocar o histórico de consolidação orçamental praticamente sem paralelo na Europa do meu país nos últimos anos.

Vão agora sancionar-me essencialmente por causa do Banif e de custos associados a apoios concedidos ao sistema financeiro, ainda por cima, no caso destes, em boa medida recuperáveis e com lucro, à medida que o sistema financeiro me devolver, também com elevados juros, os apoios concedidos? Era só o que faltava.

Uma coisa é certa: estando realmente preocupado com o que pode vir a suceder ao meu país não me ponho a cantar desde Janeiro, com a apresentação de um  Esboço de Orçamento, que o défice foi de 3,2% sem o Banif, dois meses antes de ser devida a notificação a Bruxelas, e não insisto, insisto, insisto em todas as ocasiões possíveis nesse valor, mesmo quando ele é recusado por outras avaliações competentes.

Mas isso sou eu, que até nem governo, nem nada.

8 pensamentos sobre “Não sei se nesta história das sanções tudo se explica por incompetência, ou há mais qualquer coisa muito grave

  1. JP-A

    Só para começar, se eu fosse esse tal “patriota”, começava por logo por lançar brasas na campanha eleitoral, com frases-insinuação sobre coisas que mais tarde se iriam saber, que era logo para abrir caminho à confiança e à desconfiança ao mesmo tempo e deixar a malta confusa, porque assim, se a coisa corresse mal, eu tinha desculpa em qualquer dos casos. E não haviam de faltar jornalistas a explicar de modo muito claro logo na abertura dos diretos que isto é mesmo sobre 2015 e apenas sobre esse ano. E se nada disso resultasse, desatava a mandar bitaites nas TVs nacionais dirigidos a essa Europa que só nos quer amamentar para depois nos cobrar, a ver se eles não nos lixavam logo como a gente quer. A mim ninguém me estragava a figura de ser eu o primeiro PM a liquidar os 3%. E mesmo que o meu partido estivesse falido, mandava fazer uns cartazes a dizer “não brinquem com os números”. As pernas desses gajos todos da oposição e da UE até tremiam, a ver se eles não consideravam o défice acima de 3%.

  2. JP-A

    Prova Indirecta,

    Vá ver os cartazes que eles agora andam a pôr por aí, pelo ensino público, com a mãozinha na roda vermelha no canto. Deve haver eleições e não reparei.

  3. JP-A

    Dois modos de dar a mesma notícia:

    -A administração da caixa de pandora demitiu-se no dia 21 e só agora sabemos (modo “Europa”)
    -A administração da caixa de pandora demitiu-se (modo “Venezuela”)

  4. Anti-esquerdalhada

    Para mim é muito fácil superar esse alegado dilema moral: o estado não é a mesma coisa que a Nação ou que a Pátria (atenção às maiúsculas e à minúscula); bem, a não ser, claro está, para um ignóbil esquerdalho para quem o estado é tudo e tudo é o estado.

    Recomendo a consulta: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-definicao-das-palavras-nacao-patria-pais-e-estado/29015 . Definições que podem sempre servir de arma contra a retórica da esquerdalhada.

    O estado mais não é do que o conjunto dos instrumentos de gestão do País. A sua existência é, pois, de facto imprescindível (também não alinho em anarquias), mas a sua importância resume-se ao plano do estritamente utilitário e, como tal, não lhe devo qualquer lealdade enquanto Português.

  5. jo

    Se fosse um patriota considerava as sanções negativas. Ora há para aí patriotas que só acham mal que as sanções sejam atribuídas por causa de 2015.
    Se conseguirem arranjar outra explicação já defendem que se instale o caos económico, desde que faça o atual governo resignar.

  6. JO : “Se fosse um patriota considerava as sanções negativas. Ora há para aí patriotas que só acham mal que as sanções sejam atribuídas por causa de 2015.”

    Não tem nada a ver com o “patriotismo” …
    Para mais sendo este balofo e inconsequente.
    É natural que a maior parte dos portugueses (mas também dos estrangeiros instalados ou com interêsses directos em Portugal) veja de forma negativa e não deseje que o nosso pais, com umas contas públicas tão frágeis, sofra sanções financeiras.
    Embora também existam alguns portugueses que consideram que é normal e até desejável que as regras do pacto europeu de estabilidade, para serem crediveis e eficazes, devam ser aplicadas à risca e os paises prevaricadores, em coerência sem excluir obviamente Portugal, devam ser penalizados e, deste modo, pressionados e incentivados a corrigir os erros e a adoptar os comportamentos adequados.
    Estes portugueses não são por isto menos patriotas. Quando muito têm uma ideia do interêsse nacional que é menos imediatista e circunscrita do que as de outros.
    E os estrangeiros que têm este ponto de vista não têm forçosamente por isso uma atitude hostil ao nosso pais.
    A verdade é que dizer agora que se é “contra” as sanções a Portugal não faz qualquer sentido e não serve de grande coisa.
    O importante é procurar apresentar argumentos válidos e crediveis para tentar convencer os nossos interocutores a não avançarem com sanções.
    Argumentos apoiados em factos e não em meras incantações moralistas.
    Argumentos estes que em primeiro lugar dizem naturalmente respeito a 2015.
    É verdade que em 2015 o déficit nominal ficou acima dos 3% do tratado mas também é verdade que o défict nominal que conta para a avaliação, sem o Banif e outras verbas ligadas à capitalização do sector bancário, ficou em 2,8%.
    É verdade que a redução no déficit estrutural ficou aquém das recomendações da Comissão mas também é verdade que entre 2010 e 2015 Portugal fez a maior redução acumulada do déficit estrutural na UE.
    Ou seja, não é dificil argumentar a favor da não aplicação de sanções tendo em conta o que se passou até ao final de 2015.
    Infelizmente, o governo actual tem vindo a dar tiros nos dois pés do pais ao desvalorizar e até memo ao negar estes factos e não utilizando os bons argumentos.
    Mas o mais dificil de justificar é mesmo o que se tem passado desde que o governo actual assumiu funções, perto do final do ano de 2015.
    Na verdade, o governo actual alterou as politicas que vinham sendo seguidas e que, desde logo para os observadores e no final para a própria Comissão europeia, que é o que mais conta, permitiram que os resultados até 2015, mesmo sendo ainda insuficientes, foram assinaláveis e, sobretudo, foram certamente melhores do que teriam sido com as politicas que o novo governo promove e tem vindo a aplicar.
    Não é por isso de admirar que, com a única excepção do governo português, a generalidade das previsões para 2016 apontem para resultados que ficam muito aquém das metas e objectivos recomendados pela Comissão.
    O que as autoridades europeias têm pedido ao governo português é que este dê sinais e provas concretas e rápidas de mudança naquelas politicas e, sobretudo no plano orçamental, da adopção de medidas adicionais que ainda permitam corrigir a situação.
    Infelizmente, o governo português não deu, e tudo indica que não vai dar, garantias suficientes e crediveis neste sentido.
    Este é o principal argumento avançado pelos defensores da aplicação de sanções a Portugal.
    E face a um argumento como este, baseado em factos objectivos, não há “patriotismo” nenhum que valha !!

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