contabilidade pública

“De acordo com a execução orçamental até maio de 2016, as Administrações Públicas (AP) registaram um défice de 394,9 milhões de euros, inferior em 452,9 milhões de euros ao registado em igual período de 2015, contrariamente ao previsto em sede de OE 2016 (ver Caixa 1). Esta evolução resultou de um crescimento da receita (1,6%) superior ao da despesa (0,1%), tendo o saldo primário melhorado em 728 milhões de euros face ao período homólogo. De janeiro a maio de 2016 o défice em contabilidade pública representa 7,2% do previsto para o ano (em igual período homólogo representava 18,5% do défice anual.”, na síntese de execução orçamental da Direcção Geral do Orçamento de Maio de 2016 (p.8).

Há quem diga que a contabilidade é uma ciência exacta, uma ciência que dá exactamente os números que se pretendem. Pois é com essa ideia que fico depois de uma análise fina aos números ontem divulgados.

Porque se analisarmos as receitas e despesas dos vários subsectores da administração pública e da segurança social, distinguindo entre as correntes, as de capital e as efectivas, e comparando a execução acumulada até Maio com a variação implícita ao OE2016, observa-se o seguinte:

Subsector Estado (slide 54):

  • Receita corrente: +3,2% (execução acumulada entre Janeiro e Maio face ao mesmo período de 2015) vs +5,0% (variação implícita ao OE2016)
  • Receita de capital: -33,2% vs +14,2%
  • Receita efectiva: +1,0% vs +3,6%
  • Despesa corrente: +1,6% vs +4,9%
  • Despesa de capital (investimento público): -15,0% vs +9,7%
  • Despesa efectiva: +0,6% vs +5,2%

 

Subsector Serviços e Fundos Autónomos (slide 57):

  • Receita corrente: +0,3% vs +1,5%
  • Receita de capital: -32,4% vs +45,8%
  • Receita efectiva: -2,0% vs +3,9%
  • Despesa corrente: +1,1% vs +4,0%
  • Despesa de capital (investimento público): -12,3% vs +18,0%
  • Despesa efectiva: -0,4% vs +5,4%

 

Segurança Social (slide 60):

  • Receita corrente: +3,5% vs 6,7%
  • Receita de capital: +35,2% vs +4,8%
  • Receita efectiva: +3,5% vs +6,7%
  • Despesa corrente: +1,1% vs +6,6%
  • Despesa de capital (investimento público): -11,8% vs +46,9%
  • Despesa efectiva: +1,1% vs +6,7%

 

Ora, dos dados anteriores retiram-se algumas evidências, entre as quais eu destacaria:

1) As receitas efectivas da administração central estão claramente abaixo do esperado, sinalizando o abrandamento da economia, logo, atestando a inverosimilhança da taxa de crescimento (ainda!) prevista pelo Governo.

2) A despesa de capital (investimento) da administração central é a rubrica que mais contribui para a redução global da despesa efectiva, encontrando-se 200 milhões de euros aquém da de 2015 e 500 milhões aquém considerando-se um grau de execução admissível para esta altura do ano (atento o orçamento inscrito para esta rubrica).

3) As receitas efectivas dos Serviços e Fundos Autónomos, que resultam sobretudo de transferências da administração central, estão aquém do orçamentado, significando que as despesas efectivas da administração central estão artificialmente travadas.

4) A despesa corrente da Segurança Social, sendo relativamente rígida, vai acelerar com o decorrer do ano, em particular na rubrica das acções de formação profissional.

E, portanto, em face dos pontos anteriores, concluo:

5) Há gato escondido com rabo de fora, e;

6) Os pagamentos em atraso por parte do Estado, que estão a aumentar desde Dezembro passado, vão continuar a aumentar.

14 pensamentos sobre “contabilidade pública

  1. Até parece que estão a contar com eleições a curto prazo. Se elas não acontecerem em breve então o que está escondido ficará à mostra.

  2. Luis Teixeira

    Mais acrescentaria duas coisas. A primeira é o aumento dos impostos ISV (+37,7%) e Imposto sobre o Tabaco (+75%), aumentos que não entendo como aconteceram, pois os aumentos das taxas marginais de imposto não foram desta magnitude e o consumo não justifica isso, gerando um deficit menor em cerca de 634,6MM€ face a 2015. (Slide Receita de Estado página 56). A segunda coisa que salta à vista é claramente a aquisição de serviços, se virem na página 53 (Conta Consolidada da Administração Central e SS), observa-se uma queda de 2,9pp e uma execução baixa (34,3% quando devia estar próxima dos 40%), ou seja numa rubrica muito constante e que não houve tempo para renegociar acordos, parece evidente um adiar ou desorçamentar da rubrica. Luís Teixeira

  3. Luis Teixeira

    E neste último quadro basta comparar a taxa efectiva de variação (-2,9%) com a taxa prevista no orçamento (+3,1%). Ou vão deixar de pagar aos fornecedores ou então vai aumentar e bem esta rubrica nos próximos meses-

  4. JP-A

    O Público de hoje já explica: “A procura externa baralhou as contas de Centeno”. Claro que se fosse de direita era do género “Governo falha previsões da procura externa”. E pronto, começou a fase de externalização da culpa e do dolo, exatamente como havia previsto há poucas semanas. Estava-se mesmo a ver o filme venezuelano e ontem mesmo o Costa Concórdia já estava a ensaiar na Comissão. Não tarda e vai ser dos incêndios que este ano por milagre não aparecem para ativar a economia.

  5. antónio

    Conclusão: Estamos novamente sob a alçada de uma segunda versão do governo de Sócrates e do seu irresponsável ministro bancarroteiro Teixeira dos Santos. Os métodos e princípios do actual governo são rigorosamente idênticos aos do governo Sócrates de má memória. O que levará esta gente a pensar que conseguirá, recorrendo a um discurso merdilheiro, enganar a comissão Europeia ?? Por cá talvez seja possível enganar pois a maior faixa da população não é dotada de suficiente literacia financeira para perceber o que é gato escondido com o rabo de fora numa contabilidade mas enganar a comissão Europeia deste modo ?? O socialismo foi, é e voltará a ser a traição da minha geração.

  6. JP-A

    Está-se mesmo a ver que vão protelar para depois de todo e qualquer acontecimento que possam ter lugar nas próximas semanas e meses, para depois os poderem associar aos resultados agora camuflados e sacudir a água do capote. Bate tudo certinho, por coincidência:

    “Portugal só vai pagar um terço do previsto ao FMI em 2016. Apenas três meses separam as actuais previsões do IGCP das anteriores. Mas o Governo mudou e os objectivos também. Por isso, o instituto liderado por Cristina Casalinho reduziu os reembolsos ao FMI, passando de 10 mil milhões de euros para apenas 3,3 mil milhões.”

    A culpa para já é da Cristina, claro! 🙂

    Chega a ser delicioso, o país do pateta:

    “É que António Costa não pretende adiar os reembolsos à instituição internacional, mas adiantar menos do que o pretendido por Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque.”

  7. JP-A

    Outra: no gasóleo profissional já sacaram mais um mês de desconto dos 6 que restam até final do ano. Pormenores.

  8. JP-A

    Já gora, não seria melhor pedir ao senhor Centeno para atualizar todas as folhas de Excel daquela série que ele fez em que explicava à vírgula os números até 2020?

  9. JP-A

    O hiperativo da presidência está calado perante isto, ou vai continuar a comentar tudo mais as moscas?

  10. Deixei este comentário a propósito desta notícia do Negócios:

    http://www.jornaldenegocios.pt/economia/financas_publicas/orcamento_do_estado/detalhe/familias_poupam_menos_e_defice_do_estado_cai.html

    A minha análise, baseada no artigo do Negócios, pode ter incorrecções, e até graves. Quaisquer críticas são bem-vindas.

    «O défice orçamental – é bom notar que é deste que se trata – caiu por causa do imposto sobre veículos automóveis. Esta é a parte “boa”, que de boa não tem nada, como se verá. [Vejo agora pelos números de Ricardo Arroja que o determinante foi… a diminuição em despesa de capital!]

    Só que o PIB é que ficou à rasca. Pelo menos numa forma de cálculo do PIB (espero que seja a que os políticos usam) as importações entram para a conta. Com um sinal de menos antes de tal valor.

    Além do aspecto da perda de liquidez. No fim do terceiro trimestre, se não antes, já é provável que a menor disponibilidade de poupança (o dinheiro foi para automóveis…) se reflicta no menor investimento e em menos consumo interno (já de si, coisa pouca para estimular o crescimento do PIB, dada a grande parte de importação nos bens que consumimos).

    Isto de num trimestre o défice descer porque muita gente comprou automóveis é muito bonito: há dinheiro que entra para os cofres do Estado por via do imposto sobre estes bens. Resta saber:

    a) quando é que esses automóveis importados entraram na economia nacional (uma parte certamente entrou em 2015, quando já era certo que António Costa ia governar isto, ia dar dinheiro que o País não tem a muita gente, e ia aumentar, dali a meses, o imposto sobre veículos: isto criou uma corrida à compra de automóveis, que é a coisa mais infeliz que um político poderia possibilitar neste momento; mas a maior parte entrou já em 2016), porque é no momento em que entram que se tem em conta essa entrada para efeitos de cálculo do PIB;

    b) o impacto que a menor disponibilidade de liquidez, quer das famílias, quer dos bancos (dinheiro que lá estava e que foi tirado para entregar aos fabricantes estrangeiros de automóveis a troco de motor, chapas, e rodas) vai produzir na economia nacional.

    Dois trimestres, no máximo, é o tempo que a pancada demora a vir. Podem esperar, mas ela virá.
    Há mil e uma estratégias para descer acentuadamente o défice orçamental num trimestre.

    Mas para fazer subir o PIB só há uma: trabalhar mais, exportar mais, consumir mais de produtos nacionais e menos de produtos importados.

    E já agora convinha não nos endividarmos mais: numa economia que pouco produz, o endividamento para aumento de remunerações só serve para aumentar o preço das coisas, sem que haja efectivo aumento do poder de compra.»

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