Costa desmente Galamba? — Do estranho caso do Dr Jekyll e Mr Hyde

João Galamba pró-TSU, sem a gola alta.
João Galamba pró redução da TSU, sem a gola alta.

A Maria João faz na sua coluna do Observador um interessante remoque àqueles que a acusam, a ela e a todos que ousem pensar diferente da fábula do estatismo, de ser ideológica. O interessante é a bula prescrita pelos acusadores para curar a maleita: o pragmatismo. O pragmatismo é, no dia-a-dia, uma ferramenta de inegável utilidade. Permite-nos seguir com a vida quando o Magnum Double está esgotado, consolando-nos com o second best Corneto. No entanto, no contexto da política, e em particular da política socialista, não é um remédio, é uma patologia.

Senão vejamos. Se a ideologia sugere um dogma, sugere também estabilidade e previsibilidade no pensamento, o que é especialmente importante em pessoas com poder para tomar decisões que irão onerar ad eternum o pobre do cidadão, e em especial o cidadão pobre. Por outro lado, o pragmatismo sugere o seu oposto — o pragmatismo é a prerrogativa para que tudo o que seja dito possa ser alterado, ignorado e até negado. Estaline era um pragmático — o comunismo internacionalista não está a funcionar? Experimente-se uma versão doméstica, confinada à União Soviética. Mas exemplos menos radicais e até nacionais existem. Por exemplo, o de João Galamba.

O João — permitam-me o à vontade, em tudo igual ao à vontade com que gastam o meu dinheiro —, em 2011, criticava a redução da TSU, afirmando que tem um efeito neutro no volume de emprego, e, como tal, apenas um efeito redistributivo. Pioneira teoria económica: num país em que mais de 70% do valor acrescentado bruto é em serviços, por natureza mão-de-obra intensiva, a redução dos custos de trabalho teria efeitos neutros no volume de emprego. Alguém acredita nisto? António Costa, como veremos à frente, não.

Quatro anos volvidos e a descida da TSU afinal é um instrumento incrível do capítulo de combate à precariedade, constando também na subsecção de estímulos à procura interna do cenário macroeconómico. A convicção é tanta que até dá tempo para fazer troça do Bloco, que outrora defendeu medida semelhante, mas agora criticava o idílico cenário macroeconómico do PS. O que não faz uma boa dose de pragmatismo.

Mas esta oscilação entre Dr Jekyll e Mr Hyde, Galamba anti-TSU e Galamba pró-TSU, tem justificação, segundo o próprio — os pragmáticos não deixam de tentar racionalizar as gincanas, por muito pragmáticos que sejam —, que é o pacote de medidas em que está inserida. Entendam: como a redução da TSU está no subcapítulo de medidas de estímulo à procura agregada, aumentando o rendimento disponível, a redução da TSU já é positiva. Analogamente, como a lobotomia foi feita juntamente com a cirurgia ao apêndice, a lobotomia é incrível e recomenda-se.

O que é particularmente curioso nesta intrincada história é que António Costa, em declarações do próprio e através de Mário Centeno, veio mesmo afirmar que o efeito agregado da redução da TSU, trabalhadores e empresas, é uma das alavancas para criar 45 mil postos de trabalho. Alguém acabou de ser contrariado.

Ora, parece que os restantes economistas do PS terão percebido que a redução dos CUTs, não sendo uma solução de médio ou longo-prazo desejável, é a solução pragmática num país que produz bens homogéneos de reduzida diferenciação e grau tecnológico baixo, e que só agora começa a aumentar o seu nível tecnológico e a acrescentar valor diferenciado, momento a partir do qual os custos do trabalho terão um impacto bem mais reduzido na competitividade externa. Já a redução da TSU dos trabalhadores, que aumenta efectivamente o rendimento disponível, padece de vários males. Ignoremos que existirão enormes leakages com importações, com poupança e com liquidação de crédito. O verdadeiro problema é que o nível de emprego de há 6 anos atrás estava assente em elevado endividamento para lá do rendimento disponível, que não se repetirá. Não se repetirá porque os bancos consolidaram e reduziram o crédito, porque as políticas fiscais expansionistas acabaram, e porque as pessoas antecipam que a dívida do passado implicará impostos no futuro. Ou seja, o efectivo aumento do volume de emprego será garantido, não à custa da procura interna, mas da procura externa. E, para isto, a redução da TSU das empresas é crítica.

Demoraram, mas os pragmáticos chegaram lá.

8 pensamentos sobre “Costa desmente Galamba? — Do estranho caso do Dr Jekyll e Mr Hyde

  1. maria

    Haja alguém que esclareça com verdade a muitos mentirosos. Passos Coelho nunca disse para emigrarem.Numa viagem a Angola, num círculo restrito, comentou-se que Angola tinha falta de professores e como estavam manifestações em Portugal de milhares de professores não colocados, uma jornalista perguntou-lhe; Qual a solução para os professores? Passos respondeu-lhe; Angola pode ser uma saída. Foi esta a frase.

  2. O Especialista em Economia

    João Galamba em 16.05.2011

    “Para além de tudo isto, importa acrescentar que não é preciso que um partido escreva que quer privatizar a segurança social para que tal venha a acontecer. Ainda que não seja um objectivo declarado, a privatização pode ser um resultado inevitável de determinadas políticas. Tendo em conta que o PSD propõe a redução da TSU em 4pp e, simultaneamente, o plafonamento da segurança social, a redução de receitas é tão significativa que, na prática, o PSD está a propôr a falência financeira do sistema. Isto é típico da direita: pega-se num sistema justo e financeiramente viável, que, depois de privado de receitas, se torna, de facto, insustentável.”

  3. Maria

    O senhor Mário Amorim tem razão mas falhou numa coisa
    … no tempo…
    Esqueceu-se que umas coisas foram ditas antes de almoço
    e outras logo a seguir ao almoço
    … o que não é bem, bem a mesma coisa …
    Daí a diferença
    … O verdadeiro problema também não está na amarguinha
    mas sim no tempo da toma
    … tomada antes de almoço ou tomado post-almoço

    Fiz.me entender?
    NÂO
    Atão o problema é da gamba

  4. Carlos Conde

    Este moço Galamba, por sinal com o mesmo nome de um maluco que percorre as ruas da minha terra, goza de uma notoriedade imerecida.
    Deu o golpe do baú, tal como o mentor grego Varfuskas, mas não passa de um tótó arrojado que não tem consciência das asneiras que recita e que o jornalixo gosta de ouvir.
    Imita razoavelmente o 44 embora sem o brilho e a retórica deste último.
    Chamemos-lhe por ora 22 curto.

  5. tina

    Desculpe, vou pôr aqui um excerto de uma discussão no Telegraph sobre a Grécia…e Portugal

    “The number one disagreement is whether pensions should be funded by the employee’s contributions or from general taxation. The Greeks want full pensions funded by general taxations. The Europeans want al least the additional pension (epikouriko) should be based on the contributions paid by the employee.

    “Greek pensions are a joke and pay out way beyond what can be afforded.

    I was told a week or so ago that the State Pension in Madeira/Portugal is two thirds of FINAL year’s employment.

    Boy would we like that! So it is obvious these countries are run by nutters because such payments just cannot be afforded, let alone justified.”

    “never mind, those ‘wealthy countries up north can subsidise it’.”

  6. tina

    Lagarde:

    It’s very unlikely that we will reach a comprehensive solution in the next few days”, Ms Lagarde told Germany’s Frankfurter Allgemeine Zeitung during a summit of G7 leaders in Dresden on Thursday.

    “A Greek exit is a possibility.”

    The end

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