Sobre a adopção por casais homossexuais

Sem mais a acrescentar ao que foi dito na altura, transcrevo a declaração de voto do Adolfo Mesquita Nunes ao Projeto de Lei 126/XII (Eliminação da impossibilidade legal de adopção por casais do mesmo sexo) votada a 24/02/2012

Não existe, no meu entendimento, qualquer direito a adotar uma criança. Ninguém, absolutamente ninguém, tem esse direito. O que existe, isso sim, é o direito, que penso assistir a qualquer pessoa, de apresentar uma candidatura e de se sujeitar ao processo de avaliação que precede qualquer adoção. E existe, claro — isso sim e sobretudo — o direito de uma criança a ter uma família que a ame e cuide. Esse é o superior interesse da criança e esse é, deve ser, o centro de qualquer regime jurídico de adoção.

O atual regime jurídico da adoção centra-se, precisamente — e bem — no superior interesse da criança. E, nesse sentido, estabelece, através da proibição legal de adoção por casais de pessoas do mesmo sexo, uma clara presunção que, à luz da lei, não pode ser afastada: a de que o superior interesse da criança nunca, absolutamente nunca, em qualquer circunstância, poderá ser satisfeito por um casal de pessoas do mesmo sexo.

Não se trata, note-se, de uma presunção ilidível, que pode ser afastada se o casal conseguir demonstrar, de alguma forma, a sua adequação ao superior interesse da criança. Não. Esses casais não podem sequer ser candidatos: a sua homossexualidade na condição de casal é quanto baste para que a sua candidatura seja excluída. Ou seja, aos olhos do atual regime jurídico, nenhuma das circunstâncias pessoais, sociais, psíquicas, familiares ou financeiras desses casais, por mais recomendáveis que sejam, pode ser atendida num processo de adoção uma vez que, presume a lei, tais circunstâncias nunca serão de modo a acomodar o superior interesse da criança.

No fundo, o atual regime jurídico categoriza pessoas e apetências e procede a uma rigorosa definição: casais heterossexuais têm capacidade de  adoção podendo candidatar-se a processos de adoção; pessoas homossexuais têm capacidade de adoção podendo candidatar-se a processos de adoção, desde que sejam solteiras; casais homossexuais têm incapacidade de adoção não podendo candidatar-se a processos de adoção.

Podemos, a propósito desta matéria, ter, enquanto cidadãos, diversas posições sobre modelos de família. E eu tenho seguramente as minhas. A esse respeito estou entre aqueles que claramente consideram que o modelo familiar pai/mãe, aquele em que cresci e me formei e o único pelo qual posso pronunciar-me, é um modelo adequado. Mas este é o único modelo em que cresci, e esta minha convicção está circunscrita ao meu caso pessoal.

Há quem, a propósito desta matéria, entenda que há assuntos mais importantes ou até que os casos em que a adoção por casais do mesmo sexo só em raros casos, ou em casos muito concretos, poderá identificar-se com o superior interesse da criança.

Mas a verdade é que, enquanto Deputado, não me é pedido que apresente o meu modelo de família, que substitua a votação por uma outra votação qualquer, que teorize sobre o número de casos que eventualmente justificarão uma alteração legislativa ou que apresente impressões ou sensações sobre o assunto.

Enquanto Deputado é-me pedido que vote um projeto de lei. E enquanto projeto de lei que é, é-me pedido

que me pronuncie sobre regras que devem ser aplicadas a todos e que devem ser aptas a reger todos os casos concretos.

E nesta responsabilidade, porque é uma responsabilidade — esta a de definir, através de lei, as regras que todos, mesmo os que não sentem ou pensam como eu, devem cumprir ou pelas quais se devem reger —, fui, então, confrontado com as seguintes questões na hora da votação do projeto de lei n.º 126/XII (1.ª): deve a presunção inilidível a que fiz referência manter-se na lei? Deve a lei categorizar pessoas e apetências através dessa presunção? Posso, enquanto Deputado, e a este respeito, cristalizar na lei uma presunção inilidível desligada de qualquer caso concreto? Posso, com o conhecimento que tenho, afirmar que o superior interesse da criança passa sempre, absolutamente sempre, em qualquer circunstância, pela proibição legal de adoção por casais entre pessoas do mesmo sexo?

Foram estas, e não outras, as perguntas que me fiz.

Ora, é minha profunda convicção, assente, aliás, no personalismo, que cada pessoa é o que é e vale pelo que é. Ninguém pode perder a sua individualidade, por muito que a  esquerda pretenda o contrário, através da sua coletivização em grupos. Cada um é o que é. E todos somos diferentes, não iguais, embora todos sejamos igualmente importantes.

Esta perspetiva comanda a minha apreciação do projeto de lei n.º 126/XII (1.ª). Parece-me que o atual regime jurídico da adoção, nesta proibição que o projeto de lei n.º 126/XII (1.ª) pretende eliminar, ignora a individualidade do casal e dos seus membros e ignora as suas circunstâncias e apetências. É-se impedido de adotar, não porque se não tenha condições — nem sequer porque se seja homossexual — mas porque, sendo-se homossexual, não se vive em celibato.

O que determina a proibição não é, assim, uma incapacidade verificada relativa ao indivíduo, já que não é ele, que pode ser homossexual, que é impedido de adotar. O que determina a proibição é um qualquer entendimento sobre o casal homossexual que o desqualifica. Desqualificação essa que não se centra no indivíduo já que qualquer um dos membros do casal é qualificado, à luz do regime jurídico, para, solteiro, poder adotar. E essa desqualificação, que não se centra no indivíduo, nem sequer se relaciona com a forma como o casal vive. É que o regime jurídico em causa não permite sequer que se avalie as condições pessoais, familiares, psíquicas, financeiras, afetivas ou sociais desse casal: esses casais são impedidos de apresentar uma candidatura.

Se assim é, e é, então a proibição de adoção por casais do mesmo sexo fere a minha forma de entender o direito e a lei, porque desloca a lei do indivíduo e do casal. Só assim não seria se eu considerasse que a homossexualidade é prova de incapacidade para a adoção. No entanto, não é esta a minha opinião, como, aliás, não é este o espírito da lei, que não proíbe homossexuais de se candidatarem a adoção, desde que solteiros (o que, aliás, nos traz a questão de saber como conciliar, na actual redacção, uma tão dual forma de encarar a homossexualidade, em celibato ou em casal).

Votei, por isso, favoravelmente o projecto apresentado pelo Bloco de Esquerda. Mas importa esclarecer. Porque não existe direito à adopção, o meu voto favorável não procurou conceder ou alargar esse direito, que não existe. Porque o superior interesse da criança tem de ser visto caso a caso, o meu voto favorável não mostra preferência pelo modelo familiar composto por um casal de pessoas do mesmo sexo. Porque o regime jurídico actual procede a presunções, o meu voto favorável procura centrar a lei no indivíduo e na família, impedindo presunções do legislador. Porque a lei não estabelece, nem pode, qual o superior interesse da criança, o meu voto favorável não presume que o superior interesse da criança passe pela adopção por um casal de pessoas do mesmo sexo.

Assim, como se infere do que acabo de escrever, o meu voto favorável ao projecto de lei n.º 126/XII (1.ª) afasta-se da exposição de motivos que acompanha o projecto em causa. Acontece, porém, que é o seu articulado que, em caso de aprovação, valerá como lei, e foi esse articulado que mereceu o meu voto favorável.

Entendo, por isso, em conclusão, que qualquer casal deve poder, sem se arrogar a qualquer direito à adopção, apresentar a sua candidatura a um processo de adopção, cabendo-lhe demonstrar a sua capacidade de corresponder ao superior interesse da criança.

O Deputado do CDS-PP, Adolfo Mesquita Nunes.

19 pensamentos sobre “Sobre a adopção por casais homossexuais

  1. José Silva

    Lamento mas por mais declarações que o sr. deputado apresente, o que ficará desta lei é o direito à adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Lamento também que este tipo de ingenuidade politicamente correcta só se verifica à direita. Não há um único deputado de esquerda que apresente convicções pessoais para votar contra a tendência dos seus partidos.

  2. Revoltado

    Sou contra. Não tenho nenhum motivo lógico, apenas o sou por convição pessoal. E irrita-me profundamente aqueles seres iluminados que, por terem uma opinião diferente da minha, me consideram um ignorante, um inculto acabado de sair da idade média. São pessoas deste tipo que, achando-se detentoras dum conhecimento superior aos restantes sobre o que é bom para a sociedade e tendo uma maioria no parlamento vão rapidamente aprovar leis que, sabem perfeitamente, nunca passariam num referendo. Grande democracia esta. Mais valia darem o direito de voto apenas aos intelectuais de lisboa. Poupava-se muito e o resultado seria o mesmo.

  3. “tendenciosa e não objectiva wikipedia”

    Atendendo a que qualquer um pode editar a wikipedia, esta só pode ser tendenciosa se concluirmos que um dos lados do espectro é mais preguiço (e/ou incompetente tecnicamente) que o outro (e por isso influencia menos as edições)

  4. Abrolhos

    Bem, se o que existe é o direito a um casal candidatar-se a adoptar, quer dizer que retiraram a impossibilidade dos casais mais velhos se candidatarem!? Ou temos aqui a geriatrofobia? Estamos lindos, estamos!

  5. Luís Pereira

    Eu considero este projecto-lei uma aberração jurídica. Desde logo porque vai contra o direito fundamental das crianças de terem um pai e uma mãe. Depois , o raciocínio do Sr. Deputado é capcioso: se não existe direito a adoptar uma criança, por que raio é que há-de haver direito a candidatar-se a adoptar uma criança? Isto é uma falácia. O decreto-lei não é sobre a “possibilidade de candidatar-se a adoptar” uma criança. É mesmo sobre o “direito” de adoptar. A mim espanta-em que, depois de tanto barulho por causa da golpada do PS e dos partidos da esquerda e da extrema-esquerda, um deputado do CDS, na primeira ocasião, vote com eles!!! Acho isto inacreditável! É por estas e por outras que a política está tão desacreditada como está!

  6. Miguel Noronha

    De facto o que existe não é o direito a adoptar mas sim a ser adoptado. O que esta se acabou foi com uma discriminação absurda na elegibilidade dos candidatos a adoptar. Que aliás está bem explicada no texto da declaração de voto.

    Quando ao deputado e ao voto deste, se se der ao trabalho de abrir o link (e de ler o que escrevi na introdução) verificará que se refere a 2012. O Adolfo já nem é deputado pelo facto de ser Sec Estado do Turismo.

  7. Simão

    Dê uma volta epela Direita Liberal ( repito: LIBERAL, pois ou é preciso fazer um desenho ou há gente que não perceebe que Liberalismo não se radica só na economia. Pelo contrário) europeia.
    Folgo em ver a “azia” dos reaccionário cujo “modus operandi” é a modos que …..”marxista-leninista”.
    Metam os “dogmas” (viva o camarada Lavrenti Beria) ondem muy bem lhes aprouver.

  8. Simão

    Parabéns a Adolfo Mesquita Nunes pelo post. Period,
    Lamento as linhas que perdi com……..enfim…..não vale a pena.

  9. Gabriel Órfão Gonçalves

    Não se esqueçam: legalizem a poligamia e permitam a essas famílias poligâmicas o direito de se candidatarem a adoptar uma criança. “Duas mães é bom, três ou quatro é melhor.” (Como em George Orwell – adaptado -, lembram-se?) Enquanto o Parlamento não o fizer viveremos num estado insuportável de atraso e de discriminação.

  10. Miguel Noronha

    A partir de agora serão apagados todos os comentários off topic. Quem fizer comentários ofensivos ou ad hominem será banido.
    É possível discordar civilizadamente, sabiam?

  11. HC

    Uma declaração essencialmente casuística, com uma base niilista.
    Elimina a necessidade de definir família e portanto elimina o conceito de família.
    -Família polígama? Há dezenas de sociedades que aceitam
    -Família (grupo sexual) não está contemplado? Será reaccionário o deputado?
    – ______________ (escreva aqui a sua hipótese de “família”)

    Aplicável a qualquer situação, onde convenha.

  12. “A partir de agora serão apagados todos os comentários off topic. Quem fizer comentários ofensivos ou ad hominem será banido.
    É possível discordar civilizadamente, sabiam?”

    Eu sei que talvez seja off-topic mas MUITO OBRIGADO pela medida…Estava a ficar um pouco desiludido pela forma como se estava a banalizar neste espaço a constância de faltas de respeito, educação e tolerância para com o próximo…

  13. Renato Souza

    Um argumento estúpido.
    Ele diz que a lei está certa em centrar-se no melhor interesse da criança. Depois diz que é errado discriminar “homossexuais que não forem celibatários”. Ao dizer isso, distorce a questão.
    Mais a frente diz: “Ora, é minha profunda convicção, assente, aliás, no personalismo, que cada pessoa é o que é e vale pelo que é. Ninguém pode perder a sua individualidade, por muito que a esquerda pretenda o contrário, através da sua coletivização em grupos. Cada um é o que é. E todos somos diferentes, não iguais, embora todos sejamos igualmente importantes.”

    É absurdo. Uma família é por natureza um ente coletivo. Se uma criança for adotada por um ente coletivo, é o coletivo que deve ser julgado.

  14. Gabriel Órfão Gonçalves

    Se não puderem ou não quiserem ver tudo (no entanto recomendo a visualização completa), vejam a partir do min. 47:00. Pergunto se a lei aprovada tem as características contra as quais o Prof. Doutor Menezes Cordeiro aqui se insurge, recomendando a tutela ou a adopção restrita, no máximo, e desaconselhando a adopção plena, pelas razões apontadas. (Isto, note-se, passou-se em 2013.)

  15. Pedro

    Para se acabar com a alegada discriminação de gays e lésbicas, criamos outra. Só que agora é das crianças que a partir do momento que terão dois pais ou duas mães ficarão para sempre sem poder ter um pai e uma mãe. Colocamos quotas em tudo. Defendemos que o masculino e do feminino de complementa, Colocamos quotas nas empresas, nas administrações e até no parlamento. So às crianças é que tiramos a quotas. E são elas que mais precisam. Sim porque maternidade e paternindade não se confudem e preenchem dimensões diferentes no desenvolvimento de uma criança.

  16. LIBERTAS

    «A partir de agora serão apagados todos os comentários off topic. Quem fizer comentários ofensivos ou ad hominem será banido.
    É possível discordar civilizadamente, sabiam?»
    – Os ranhosos não sabem, nem nunca saberão. Por que virão eles para aqui escrever? Eu não comento nos blogs deles.

  17. Fernand Personne

    “Para se acabar com a alegada discriminação de gays e lésbicas, criamos outra. Só que agora é das crianças que a partir do momento que terão dois pais ou duas mães ficarão para sempre sem poder ter um pai e uma mãe.”

    Para não falar na reprodução medicamente assistida para gays e lésbicas em que são utilizados dadores anónimos de espermatozóides e óvulos e as barrigas de aluguer. Ou seja, o direito de ser pai ou mãe fica vedado aos dadores e barrigas.
    Podem-me responder: “ah, mas só é dador e barriga quem quiser”. Pois, mas onde fica a ética de vender, comprar e alugar espermatozóides, óvulos e úteros? A ética de utilizar um procedimento inventado para tratar doenças de fertilidade? A ética da criança não conhecer o pai ou mãe biológicos? Enfim…

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.