para sempre ressentidos

“(…) não gostaria de estar na pele de António Costa. É preciso ter estofo para isto, é preciso não ter qualquer problema em arrogar-se o direito de, sozinho, interpretar como lhe convém o sentido de voto de cinco milhões de eleitores. Até pode acontecer que Cavaco lhe dê posse, que os parceiros não o atraiçoem na primeira curva, que as coisas lhe corram bem e que fique no lugar de primeiro-ministro, que não conquistou por direito próprio, um, dois, quatro anos. Mas dure esse tempo o que durar e corram as coisas como correrem, António Costa não poderá ignorar que, aos olhos da maioria dos portugueses, ele será um usurpador.”, Miguel Sousa Tavares, no Expresso (17/10/2015).

Ponto de ordem: tenho de António Costa a pior das impressões. Faz, aliás, agora um ano desde que eu próprio tive uma contenda com Costa – nas páginas do Diário Económico – e que cimentou essa má impressão. Tudo começou com um texto que eu escrevi a propósito de declarações manifestamente equivocadas que, uns dias antes, o secretário-geral do Partido Socialista havia proferido no programa “Quadratura do Círculo”. O texto fez soar os alarmes no Largo do Rato (ou melhor, na Praça do Município…) e a meio da manhã já me tinham informado da redacção do DE que o meu artigo seria objecto de um direito de resposta na edição do dia seguinte. Assim sucedeu. Infelizmente, o direito de resposta não foi mais do que uma desilusão; o candidato a primeiro-ministro insistia em reiterar os mesmos erros que eu lhe apontara de véspera, lançando-se em simultâneo num exercício de baralhar para voltar a dar, procurando confundir e intoxicar a opinião pública. Mais: nesse mesmo dia António Costa regressaria ao mesmíssimo tema, novamente na “Quadratura do Círculo”, e novamente de forma grosseira e equivocada, evidenciando uma inadmissível falta de humildade e uma inquietante desonestidade intelectual. Foi mau de mais. Naturalmente, na semana seguinte, voltei à carga, sendo que desta vez não houve direito de resposta.

Enfim, serve o episódio anterior para justificar a minha convicção quanto à falta de qualidade de António Costa para liderar um governo de Portugal. Incomoda-me a sua falta de preparação (de que as recentes gaffes na campanha eleitoral foram exemplo…), incomoda-me a sua sobranceria balofa, e cada vez mais incomoda-me a sua forma de fazer política. Tendo em conta a forma como apeou António José Seguro, plena de cinismo e de oportunismo, o normal seria que, depois de ter perdido umas eleições que se julgavam ganhas à partida, já tivesse anunciado a sua demissão. Mas não. Onde antes havia vitórias poucochinhas que mais pareciam derrotas, agora há evidentes derrotas que afinal passam por vitórias não se sabe bem porquê. Como está bom de ver, isto é tudo de uma enorme indignidade. Nestas circunstâncias, a noção de honradez, que certamente se espera de um líder, obrigaria António Costa a dar um passo atrás, demitindo-se da liderança do partido, mesmo que depois pudesse voltar a candidatar-se. A vida é assim mesmo; não se ganha sempre. E quando se perde, a perda implica a aceitação e a compreensão da contrariedade, e implica acima de tudo um acto de honra. Frequentemente implica também o sacrifício e o retrocesso pessoal. Mas há sempre um novo dia para viver. Os verdadeiros líderes sabem-no, e regressam naturalmente à liderança. Fazem-no de cabeça erguida, admirados pelos demais, refortalecidos. Já os outros, indignos, serão para sempre ressentidos.

16 pensamentos sobre “para sempre ressentidos

  1. JP-A

    Um par de aberrações seguidas, como costa e sócrates, não podem ser produzidas por um mesmo partido num tão curto espaço de tempo sem que esteja profundamente doente ou se tenha há já muito tempo transformado numa outra coisa qualquer.

  2. JS

    Exactamente. Em 40 anos criou-se uma classe política … assim.
    É o que permite a Lei Eleitoral -a forma de seleccionar a classe política- em vigor.

    Entretanto, e porque tocou aonde doí, na carteira, o eleitorado vai percebendo a quem, mal ou bem, entrega o seu destino.
    Uns, muitos, reagem virando-se de costas (no pun intended) ao processo eleitoral, por muito democrático que pareça.
    Outros saltam, em desespero de causa, para experiências mais ou menos folclóricas.
    Os habituais 2 + 2 + 0,4 milhões milhões, noblesse oblige, continuam a manter o insólito jogo.

    Exactamente. Em 40 anos criou-se uma classe política … assim, acantonada, melhor, entrincheirada nas suas torres de marfim. As consequências são conhecidas.

    PS. Não é só em Portugal. No seu politburo, na sede de esta dita União Europeia, veja-se uma funcionariasita “europeia” num exercício da cobardia burocrática (dos seus mandantes) a exigir um orçamento … apócrifo.

    Obs. “Apócrifo significa falso, suspeito. Expressão usada quando um fato ou uma obra não tem sua autenticidade provada, ou seja, ela tem sua origem suspeita ou duvidosa”. (em significados.com.br).
    Uma questão de roupagem, óbvia.

  3. tina

    “Exactamente. Em 40 anos criou-se uma classe política … assim.”

    Grande mentira, pois:

    1) Este fenómeno a que assistimos de baixo nível de políticos ocorre especialmente no Partido Socialista
    2) Não se criou, já vêm desde Abril, é a cultura corrupta de Mário Soares a propagar-se aos restantes membros, qual gema podre a contaminar as outras
    3) Muitos socialistas sabem que o PS precisa de renovação mas têm medo de enfrentar a fação estalinista formada pelo Bochechas, Costa, Sócrates, etc.

    Não queira comparar nem de perto com o que se passa no PSD, que através de PPC tem sido renovado com gente nova, impoluta, conhecedora e responsável.

  4. FB

    Não deixa de ser interessante MST “esperar” caráter do Costa, quando ele foi um dos que andaram com ele ao colo e agora é mais um dos que fingem que nunca o fizeram.

  5. Gil

    Ricardo Arroja:
    Partidos que se perpetuam no poder, tornam-se agências de emprego. Isso é verdade em Portugal, em Espanha, na Grécia… onde quer que seja. A partir do momento que esse perpetuar levou à chamada “alternância” entre apenas dois grupos, basta saber em qual deles se deve estar no momento certo (exemplos de “alternâncias” entre PS e PSD, são vários). O debate político, deixa de existir e a formação exigida para nele participar, também. Chega acertar na táctica e ter os amigos certos. Os “monstrinhos” suportados pelos aparelhos têm terreno fértil para se desenvolver. Em qualquer partido de poder ou, se quiserem, do “arco da governação”.

  6. Fernando S

    Gil,
    Muito pior do que os “partidos que se perpetuam no poder”, com todas as taras que tal implica, são os partidos radicais, como o BE e o PCP, que chegam ao poder com programas aventureiros e desastrosos para o pais.
    Na Grécia foi o Syriza e o pior das consequencias ainda está para vir !…

  7. Rogerio Alves

    A questão de serem apenas os partidos que se perpetuam no poder que norteam o seu sentido de vida à satisfação de clientelas não deve, infelizmente, ser verdade. Os outros partidos, mal lá cheguem, devem repetir os mesmos vícios, quiçá com mais sofreguidão. O Syriza assim o parece ter demonstrado. No entanto, nem todos padecem do mal em igual dimensão: o PS sempre esteve noutra divisão de nojice inultrapassável e, como disse a Tina, o Passos Coelho ainda limpou qualquer coisa no PSD (o que é notório face ao ódio que os barões lhe nutrem, de Pacheco Pereira a MRS).

  8. A. R

    Costa ganhou as eleições aos eleitores! Isto é um facto novo na democracia parlamentar e republicana. Prémio Nobel já e livro de records no Guiness logo de seguida.

  9. JS, não me parece inteiramente justa esta sua “acusação” à CE quando diz que “no seu politburo, na sede desta dita União Europeia, veja-se (como) uma funcionariazita “europeia” num exercício da cobardia burocrática (dos seus mandantes), a exigir um orçamento … apócrifo”.
    A mim parece-me é que Portugal, ao fixar, por lei, as eleições legislativas para o mês de Outubro é que deu origem a este imbróglio. Digo isto por que, com este calendário, nunca será possível, qualquer que seja o governo, ter o orçamento aprovado antes do final de ano, como deverá ser. Por que não foi estabelecida a 1ª quinzena de Junho como mês ideal para a realização de eleições legislativas? E esta é matéria que não depende de decisão de Bruxelas…

  10. CsA

    Cenário hipotético: PS com maioria relativa e se o PSD se coligasse com CDS estariam em maioria no parlamento.

    Será que haveria todo este chinfrim da CS? Alguém consegue imaginar o PSD a formar governo nestas condições?

  11. oscar maximo

    Pelo contrário, A. Costa tem as qualidades necessárias para governar, e meter cá a troica dentro de um ano.

  12. Inácio P.

    Bom post, bom artigo. Se acaso, pela vontade não de deuses mas de certos homens sem ponta de sensatez e de vergonha, Costa for por um bambúrrio a “premier”, será uma desonra ética e intelectual para Portugal, não falando já na desvergonha política inerente. Eu creio que a Nação não merecia esta farsa ignóbil. E reparem: no meu íntimo sincero eu creio que se os socialistas corressem com este Costa, duas coisas sucederiam: ficaria aberto diálogo democrático (sem os totalitários PC e BE) para VERDADEIRA estabilidade a construir e poupar-se-ia ao País andar com este sujeito às costas. É necessário, é imprescindível, que a honra real e de caracter seja de novo um valor a respeitar na política – fulcro de convivencia num mundo societário sem cinismos !

  13. Georgina Santos Monteiro

    @ Muito bem, muito bem, tina (Outubro 18, 2015 às 09:38).

    Para os (nossos) adversários.
    Quem não quer ou não sabe ser correcto no mais pequenino, nunca o será no maior.

  14. nuno granja

    Era preciso andar muito distraído e no caso dse ser lisboeta muitíssimo distraído para não ver que o AC é uma enorme fraude a todos os niveis. AC não erra conforme afirmou noutra ocasião o MST, ele é o erro.

  15. A. R

    “tem sido renovado com gente nova, impoluta, conhecedora e responsável” … sim! E os que vão ao charco e a justiça persegue não têm o apoio do aparelhismo com vivas quando regressam à AR, nem beneficiam de telefonemas irados para procuradores, nem de suspeitas de incríveis cabalas, nem de defesas inflamadas contra os juízes e procuradores, etc.

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