Imagine o leitor que de um ano para o outro acontecia o seguinte na economia portuguesa:
1. Os portugueses consumiam mais 200 milhões de euros de carros importados
2. A corticeira Amorim vendia mais 100 milhões de euros em cortiça
O que aconteceria ao PIB neste caso? Seguindo a fórmula mais conhecida do PIB (Consumo Privado (C) + Consumo Público (G) + Investimento (I) + Exportações (X) – Importações (I)), o PIB cresceria os 100 milhões de euros correspondentes ao aumento de exportações da corticeira Amorim. O aumento do consumo em 200 milhões era totalmente eliminado pela parcela importações, já que todos os produtos foram importados. Intuitivamente, não é complicado perceber que o consumo de 200 milhões em carros importados não tem nenhum efeito na riqueza produzida no país. Também não é difícil perceber que produzir mais 100 milhões de euros em cortiça, aumenta o tamanho da economia portuguesa.
Se o leitor, principalmente se não for economista, percebeu a explicação simples do parágrafo anterior, ficará surpreendido de saber que para o INE não é bem assim. Na análise à situação anterior, os relatórios do INE diriam que o crescimento de 100 milhões da economia ocorreu graças a um contributo positivo do consumo no valor de 200 milhões de euros e negativo da procura externa líquida no valor de 100 milhões de euros. Isto acontece porque o INE não desconta à procura interna o valor dessa procura que resultou em importações, fazendo com que todo o peso do aumento das exportações recais sobre a categoria “procura externa líquida”. Esta confusão metodológica tem efeitos relevantes na discussão política e dá azo a demagogia de todo o tipo. Pior que isso: faz com que, por natureza, a procura interna contribua sempre positivamente para o crescimento do PIB em alturas de crescimento, dando a ideia aos mais desatentos que a única forma de crescer é estimulando a procura interna.
Para corrigir esta situação, o Banco de Portugal alterou a sua metodologia de cálculo dos contributos para o PIB. Em vez de subtrair o valor das importações apenas ao contributo das exportações, aloca parte das importações ao consumo interno. No caso acima, como todo o aumento das importações se deveu ao consumo, as importações seriam subtraídas alocadas ao contributo do consumo fazendo com que fosse, acertadamente, zero. Uma grande diferença em relação ao que é reportado no INE.
A diferença entre usar uma metodologia acertada (a do Banco de Portugal) e uma completamente enganosa (a do INE) é gritante. Em 2014, por exemplo, o INE refere um contributo da procura interna para o crecimento do PIB de +2,0pp e o Banco de Portugal de apenas +0,3. Sete vezes menos! Da mesma forma, enquanto o INE reportou um contributo da procura externa líquida de -1,1pp, o Banco de Portugal fala num contributo positivo de +0,6 das exportações (o dobro da contribuição atribuída ao consumo interno).
Quando ouvirem um político dizer que o crescimento económico se deve ao consumo e ao crédito, lembrem-se desta explicação e dos três gráficos abaixo:
(Fonte: INE e Banco de Portugal. Primeiros dois gráficos roubados ao João Miranda)
*Para os mais puristas, é verdade que haverá sempre um aumento de produto via margens de retalho dos stands locais, mas deixemos isso de fora para o exemplo.
É verdade que um aumento das exportações, ao dar lugar à distribuição de rendimento adicional, tende a induzir algum aumento do consumo privado.
A diferença com o passado é que este aumento do consumo resulta de um aumento da produção presente e e não de aumentos de rendimento com base em créditos a serem reembolsados com uma antecipada e hipotética produção futura.
No caso presente temos um aumento do consumo sem aumento do crédito enquanto que no passado tinhamos mais consumo e mais crédito (ou seja, mais divida).
Ao falar do contributo do consumo e do crédito para o PIB, o autor parece estar a confundir identidades contabilisticas com causalidade. As três formas de desagregar o pib – despesa, rendimento e produção – são identidades.
Sob o ponto de vista contabilistico, na ótica da despesa, não vejo vantagem em distribuir as importações pelos três sectores tradicionais da procura interna.
Sobre a sua sugestão de que não existe causalidade entre o consumo e a produção, não ponderou o que isso implica em termos de propensão média ao consumo e à poupança? Talvez esteja na hora de ler ou reler um livro de introdução à economia!
Já escrevi mais ou menos o mesmo: https://desviocolossal.wordpress.com/2015/03/26/o-misterioso-contributo-da-procura-externa-liquida/
Eu penso que a questão dos contributos é importante para alguns propósitos analíticos, mas absolutamente irrelevante para a questão da sustentabilidade externa (SE). A SE depende da evolução da dívida externa, que por sua vez depende (de maneira tosca) do défice externo e outras operações menores. Como temos informação directa sobre o défice externo, podemos concentrar-nos neste indicador e ignorar os contributos – mesmo quando são bem calculados, como faz o BdP.
Há um elemento ainda pior: em vários relatórios do INE nas exportações consideram as vendas FOB e nas importações o valor CIF. Ou seja nas vendas consideram apenas o valor das mercadorias e as compras incorporam o valor do transporte das mesmas até Portugal. Isto enviesa todas as contas da balança comercial.
Há um pequeno pormenor ausente na análise:
Os 200 milhões de carros vendidos, são registados na conta do consumo com o valor que os consumidores pagam por eles, mas não são contabilizados nas importações a 200 milhões, mas sim pelo valor que os importadores pagam por eles.
Um exemplo prático, um BMW tem uma margem a rondar os 40% para o importador (neste caso a sucursal em Portugal da BMW). Um modelo vendido a um português por 60 mil euros num concessionário, vai ser importado por cerca de 36 mil euros (é o valor que a BMW Portugal vai pagar à BMW AG, e que irá contar com importação de bens duradouros).
Portanto, aritméticamente sim é possível teres um aumento no PIB devido a consumo de carros importados, como o INE está a contabilizar.
André Miguel,
Nós recebemos FOB e compramos CIF. Alguém paga o transporte. No caso das exportações são os consumidores de outros países. No caso de importações somos nós, consumidores portugueses. É essa a razão e faz muito sentido.
Perguntemo-nos agora porque é que:
– o dinheiro dos impostos sobre o consumo, constante na procura, é novamente gasto pelo Estado e não subtraído às despesas do Estado:
– o salário dos funcionários públicos, constante nas despesa do Estado, não é subtraído das despesas das famílias.
Atenção: não somos só nós, portugueses, a fazer isto. Todos o fazem.
Guilherme Diaz-Bérrio,
A margem no retalho de automóveis novos ronda os 6%, e pode assumir um pouco mais para o importador. Os números foram-me confirmados por quem tem um stand de automóveis há uns anos atrás.
Posso lhe garantir, Francisco, que a margem de “importador” no mercado automóvel é substancialmente superior à margem de retalho, que essa sim oscila entre os 1,5 e os 6%.
Guilherme, fiz uma nota para esse efeito. Se quiser, assuma que são carros comprados diretamente à Tesla pelo consumidor ou substitua carros por produtos comprados na Amazon.
“Um exemplo prático, um BMW tem uma margem a rondar os 40% para o importador (neste caso a sucursal em Portugal da BMW). Um modelo vendido a um português por 60 mil euros num concessionário, vai ser importado por cerca de 36 mil euros (é o valor que a BMW Portugal vai pagar à BMW AG, e que irá contar com importação de bens duradouros).”
Os impostos não contam?
Pedro, o meu post foi baseado, em parte, na leitura que fiz desse texto. Também concordo que há melhores indicadores para sustentabilidade externa. A discussão aqui é mais política e, se quiseres, teórica de saber o que é que está a contribuir para o crescimento ou recessão de cada momento. A metodologia do INE sobrestima sempre o efeito do consumo tanta numa fase como noutra. Isto é relevante para a discussão teórica do tema do crescimento económico e, como se tem visto, para análises políticas do mesmo tema.
Francisco,
Desculpe, mas não faz sentido.
Se consumimos CIF e os outros também, então vendemos CIF. Tem razão quando diz que “alguém paga o transporte”, mas o importante aqui não é “quem paga”, mas “onde paga”, e é aqui que contas são adulteradas e passo a explicar: mesmo quando vendemos FOB ou Ex-Works o transporte é pago a Portugal.
– Primeiro há muitas empresas a vender em termos CIF.
– Segundo porque os transportes são sempre devidos ao país de origem, pois mesmo nos casos em que é a pagar no destino (frete collect) o agente local deve pagar o mesmo à companhia (maritima ou aerea) no país de origem do frete. Por isso 90% dos conhecimento de embarque atestam “freight prepaid”.
Quanto às questões que coloca são totalmente pertinentes, pois tais práticas não são mais que martelar contas!
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