A outra criança

  Nesta história da criança de 12 anos grávida de 5 meses do padastro, há várias observações óbvias. Primeiro a de que o padastro deve ser punido exemplarmente por violar durante dois anos uma criança ao seu cuidado. Em segundo lugar, que a criança deve ter acesso ao melhor apoio psiquiátrico possível de forma a minorar o impacto desta situação no seu bem-estar futuro. Isto é evidente para todos.

O que choca nesta história é o aparente consenso no destino a dar à outra criança envolvida (a mais pequena, no útero). Uma criança que está a 2/3 meses de sobreviver fora do útero, e que não teve culpa nenhuma na forma como foi concebida, merece ser abortada porquê? Que raio de opinião pública aceita isto sem pestanejar?

92 pensamentos sobre “A outra criança

  1. oscar maximo

    Opiniões há muitas, a minha é esta: se tem actividade cerebral, já é ser humano e deve ser preservado com as técnicas possiveis; se não, e respeitando uma margem de segurança, o aborto é sempre possivel, quase sempre a custas próprias, neste caso do padrasto.

  2. Luís Lavoura

    Uma criança […] merece ser abortada porquê?

    Ao fazer esta pergunta o Carlos está a humanizar o feto. O Carlos faria a mesma pergunta em relação a um gatinho recém-nascido que o dono da gata-mãe se apresta a matar, atirando-o a um poço? Não faria, porque o Carlos considera que o gato não é um ser humano.
    A maior parte das pessoas considera que um feto não é um ser humano.

  3. Luís Lavoura, você é inexcedível na sua capacidade de se exceder a si próprio. Se o feto tem actividade cerebral, um coração que bate, e os orgãos em constituição — se, em boa verdade, é apenas uma questão de tempo —, que relevância tem outros considerarem que ele não é um ser humano? Leiamos escritos do séc XVIII e encontraremos também quem jure que negros não eram seres humanos. Relevante? Não me parece.

  4. Sérgio

    “Que raio de opinião pública aceita isto sem pestanejar?”

    Resposta: É a mesma que aceitou ser ******** durante anos pela esquerda e que irá voltar novamente a votar nela.

  5. FB

    Como se o aborto em si não fosse também traumatizante. Ainda mais quando o feto já tem o tamanho que tem.

  6. Catarina

    O chocante é isso, o facto de nem se (tentar) perceber a vontade da criança e da mãe, e o facto da decisão dessa “comissão” estar praticamente determinada.
    Não tenho grandes dúvidas que uma comissão de ” obstetras, pediatras e pedopsiquiatras” vai decidir que o melhor é abortar, tal como olham de lado e pressionam casais estáveis que queiram levar avante gravidezes de filhos com deficiências. Os médicos acham sempre que sabem o que é melhor, e infelizmente a objecção à consciência tem sido bastante bem reprimida em Portugal.
    Pobre criança, depois de anos de violação fazerem-lhe isto é um reforço da máxima “a tua vida e a de cada crinaça não vale nada, nós os adultos fazemos com ela o que quisermos – matamos, abusamos, dispomos”.

  7. SMP

    Carlos:

    Não presumo que estas coisas tenham uma resposta fácil, mas este teu post parece-me um bocado demagógico.
    Acho que a coisa não se põe em termos de «merece ser abortada». É evidente que uma criança não nascida ainda não teve tempo de ter agência de nenhuma espécie e por isso não tem culpa do que quer que seja. Mas o objectivo de permitir o aborto à mãe violada também não é punir a criança, e é nisso que estás a distorcer as coisas. É não voltar a violentar a mãe que engravidou sem ter tido nisso qualquer contributo, obrigando-a a levar a gravidez a termo (com tudo o que isso implica fisicamente), a passar por um parto E… a ser mãe.
    É que, mesmo que o problema de obrigar alguém a transportar no seu corpo um filho que não deseja e que não gerou por vontade própria (nem sequer em termos de negligência) fosse ultrapassado – o que, parece-me, só em cenários de ficção científica se concebe – e o Estado pegasse na criança logo após o nascimento e se encarregasse dela – o que, infelizmente, implica um não menor esforço da imaginação – , psicologicamente não é de todo indiferente saber que existe um filho nosso no mundo, e duvido muito que uma mulher possa continuar os seus dias como se nada tivesse acontecido.
    Até admito que o direito da criança (a mais pequena) pudesse prevalecer sobre este direito da mulher a não ter no mundo filhos não desejados, mas não acho admissível que prevaleça sobre o seu direito ao seu corpo. Obrigar uma mulher a ter um filho que não desejou, não deseja e, mais importante que tudo, para cuja geração não contribuiu com a sua vontade, parece-me uma coisa de distopia, pouco aquém de uma forma de escravatura. E para perceber isto basta pensares nas implicações práticas dessa tua ideia: e se a gravidez for de alto risco, vais obrigar a rapariga a ficar numa cama os três meses que faltam? E se a rapariga praticar desportos de alto impacto, tem de deixar essa actividade? Se precisar de tratamentos médicos que a possam prejudicar em prol da saúde do bébé, vais dar-lhos à força?
    Não nego que haja direitos/interesses a ser ponderados também do ponto de vista da criança por nascer, e podes evidentemente discordar da ponderação a que eu chego; mas parece-me que omitir de todo da discussão que os direitos dela vão forçosamente conflituar com os da mãe, como fazes no post (ainda para mais acrescentando a eco3D fofinha) não contribui em nada para a clareza do debate. Também não compreendi perfeitamente do teu post se a tua opinião se prende com o estado mais avançado da gravidez, e se seria diferente se o feto tivesse dez semanas. Em que é que isso afecta a ponderação? E onde é que se estabelece o limite?

  8. Manuel Coquim ( Psicólogo )

    Carlos você coloca o acento tónico nas quatro questões essenciais: 1. A punição exemplar do padrasto. 2 O apoio a dar à menina de 12 anos.3. A preservação da vida feto.4. As tolices da opinião pública. Sobre o primeiro ponto é consensual que o padrasto deve ser severamente punido. Os apoios a dar à menina/mãe devem abarcar vários domínios, sejam eles de natureza psicológica, familiar, social ou mesmo material. Quanto à preservação da vida do feto também não pode haver dúvidas. Apesar de um feto não ter direitos de personalidade, já é sujeito de direitos, sendo o direito à vida o primeiro de todos os direitos. A simples hipótese de um aborto de um feto viável é chocante sob qualquer perspectiva. Já quanto às tolices da opinião pública o melhor é não lhes dar publicidade. Mas isso não não significa que nós os liberais as não devamos combater por todos os meios.

  9. Adenda, para tornar a coisa ainda mais clara: nada do que escrevi em cima justifica, para mim, que a criança violada possa ser obrigada a abortar, se não for essa a sua vontade. Mas as considerações do teu post também não pareciam particularmente orientadas para o debate da vontade dela.

  10. Ana

    “A prole no útero nunca muda de espécie; que é humana em todas as fases da sua existência; que o seu estatuto humano não pode depender do tamanho nem do peso e que a criança é sem dúvida inocente de qualquer crime.

    O essencial é que a criança é um ser humano inocente e que a localização geográfica é totalmente irrelevante no que toca à licitude de se matar um ser humano inocente. “

  11. Se ela o der para adoção, pelo menos 1) não mata ninguém, 2) não passará por suores frios e pesadelos um dia por haver matado o filho, 3) um casal que tem dificuldades em conceber ficará feliz.

    A única justificação que conheço viável para o aborto é a do Francisco Louçã. Se a mãe dele o tivesse realizado…

  12. Luís Mano

    A grande ironia é que foi esta gravidez que parece ter alertado e impedido a continuação de uma situação de abuso por parte do padrasto. Ou seja, a criança, a sua concepção, permitiu finalmente afastar o abusador. Mas parece que esse não será factor atenuante no veredicto que se aproxima: morte por extracção.

  13. Rodolfo

    SMP, e se a criança já tivesse nascido, também seria legítimo matar a criança porque a menina de 12 anos não tem condições de a sustentar?

    E ainda outra coisa… o aborto não se pode fazer depois das 10 semanas exclusivamente por causa do feto, não tem nada a ver com a mãe.

  14. Luís Lavoura

    Mário Amorim Lopes,
    eu não disse que o feto não é um ser humano. Disse que a maior parte das pessoas não o considera como tal e que portanto, para elas, matá-lo não constitui um homicídio.
    Temos que distinguir entre a Verdade – se o feto é ou não é um ser humano – e as opiniões das pessoas. (Também podemos debater se podemos chegar a saber a Verdade, ou se ela existe de todo, mas essa é uma questão filosófica pela qual não quero aqui entrar.)
    O que eu fiz notar é que o Carlos pôs uma questão que pressupõe já à partida um ponto de vista (que o feto é um ser humano, provido de direitos), com o qual todavia muita gente não concorda. Pelo que, na opinião de muita gente, a pergunta que o Carlos pôs nem sequer faz sentido.
    É verdade que no século 18 havia muita gente que considerava que os negros não eram seres humanos. (George Washington disse que os índios eram “lobos vestidos com peles de homens”.) Para essa gente, matar um negro não constituía um homicídio. Porreiro, e depois? Isso era a opinião dessas pessoas. Eu tenho o direito a ter uma opinião distinta.

  15. Se a criança já tivesse nascido (note-se que não acho irrelevante o PORQUÊ do ter chegado a nascer neste exercício de especulação, mas vamos dar isso de barato), não se poria (já) o problema principal dos que levantei – usar o corpo da mãe como meio e não como fim. Pelo que a criança nascida teria um direito à vida mais que consolidado. Mas realmente não acho que a mãe tivesse qualquer obrigação de a sustentar, visto que em nada contribuiu para a sua vinda ao mundo. E menos ainda, evidentemente, se lhe querem tirar o direito de durante a gravidez decidir que não quer ter aquele filho.

  16. Alexandre Carvalho da Silveira

    Pobre menina; depois de ser selváticamente violada pelo padrasto, está muito provávelmente prestes a ser novamente violada, desta vez pelo preconceito e pelo politicamente correcto. Para o bem e para o mal, aquela menina já é Mãe e fazê-la abortar o seu filho é uma verdadeira atrocidade tão grande como a que sofreu às mãos do padrasto. A não ser que razões clínicas muito fortes o aconselhem, como a má-formação do feto ou coisa parecida.

  17. Luís Mano

    Sandra M. Pinto. E chamar criança a uma jovem com capacidade biológica de procriar não é também um quanto maniqueísta?

  18. Nuno

    Disclaimer: sou completamente contra a IVG, votei contra no referendo e não mudei de opinião entretanto.

    “Que raio de opinião pública aceita isto sem pestanejar?”

    Nesta fase da gravidez a questão é médica. Não é para ser debatida pela opinião pública. É para ser decidida por uma equipa de médicos bem informados sobre o caso. Os riscos para a mãe de ambas as opções devem ser sopesados e a melhor opção para a mãe deve ser escolhida.

    Quer gostemos quer não, pelo menos até ao nascimento, a vida da mãe é mais viável que a do bebé. Por isso, salvo opção informada por parte da própria (o que não se assegura possível, visto ter 12 anos, e pais que não foram capazes de a proteger), medicamente a prioridade é a saúde física e mental da mãe. É lamentável se por isso não for possível salvar o bebé, mas a saúde da mãe não pode ser arriscada. Isto devia ser consensual, independentemente da violação.

  19. Sandra Martins Pinto,

    Uso também liberalmente os termos escarralhada, calhaus, acéfalos, lorpas, alapados, chupialistas, bolobos e ignaros. Uso ainda esporadicamente termos suficientes para mostrar aumentar o léxico a alapados, chuchialistas, bolobos e ignaros, pois a minha experiência ensinou-me a repetir ideias, mas não palavras.

  20. Luís Mano: uma rapariga de doze anos não é uma criança? Para mim, é, mas admito que possa não ser transparente.

    A pessoa mais nova que alguma vez teve um filho (peruana) tinha 5 anos. A capacidade biológica de procriar (evidente, porque este filho nasceu) implica que devo considerar que esta menina de cinco anos não era uma criança?

    De qualquer forma, para simplificar o debate, posso acrescentar que para o meu argumento e opinião não releva sobremaneira o facto de a mulher violada ser, ou não, uma criança.

  21. Francisco Miguel Colaço:

    Constato a sua capacidade de utilização criativa da língua portuguesa, mas a questão não se centrava nela, mas na tendência para eliminar o debate alienando quem tem ideias diferentes das nossas. No mais, divirta-se!

  22. Sandra Martins Pinto,

    Não se preocupe, pois bem mais normal é o insulto vago de «neoliberal». Eu, procurando justificar o primus inter pares e ser romano em Roma, alargo o léxico na resposta, mesmo sabendo que o que uso hoje é apenas um subconjunto de um muito mais variado e escarninho, que usava há uns anos atrás.

    Quanto ao dito debate, se a rapariga levar a gravidez a termo terá pelo menos evitado a possibilidade bem real de um dia ter de se haver consigo mesma por haver matado a criança. Ninguém diz que ela tem de a criar. Há muitos casais inférteis que não se importariam.

    Sangue inocente derramado não pode ser recuperado. Sangue inocente que vive pode ser reabilitado. Há muito pouco tempo havia 100.000 casais à espera de adopção. Caramba! Em cem mil tenho a certeza de que pelo menos cinquenta mil serão excelentes pais e os restantes medianos!

  23. Carlos Guimarães Pinto

    Sandra,

    A violência de engravidar tão cedo e ser mãe já foi imposta pelo violador. E ele merece ser punido por isso. Mas só ele. Abortar a criança não inverterá essa violência que é facto adquirido. Abortar a criança apenas adicionará mais uma vítima à tragédia.
    Mesmo a possível dor psicológica da criança grávida não se compara ao direito à vida da criança por nascer. (Já nem falo em saber dos efeitos físicos e psicológicos na criança grávida de abortar aos 5 meses de gravidez por comparação a dar à luz).

  24. Luís Mano

    Pois, Sandra Pinto, mas o facto é que a humanidade sempre procriou desde que teve capacidade biológica para o fazer. Evoluiu assim. O normal, biologicamente (e, presumo, também noutras dimensões) é procriar cedo e não tarde. E embora não seja comum uma mulher ser sexualmente matura aos 12, o facto de o ser não faz dela uma aberração (ao contrário do caso de cinco anos que referiu). Como não são aberrações as mães adolescentes nas comunidade árabes, ciganas e africanas, etc., etc.. Ou são? Ao estarmos a tratar esta jovem como criança estamos obviamente a condicionar o juízo que possamos fazer sobre a capacidade e os danos em que ela pode incorrer se levar a gravidez até ao fim. Isso é maniqueísta.

  25. Não sei se se percebe isto: a mãe pode querer abortar ou não. E pode manifestá-lo, mesmo tendo apenas doze anos. E deve ser ouvida, diga a escarralhada e os bons do costume o que disserem.

    Já alguém perguntou à criança se ela quer nascer ou não?

    Se alguém acha que uma criança está a mais no Mundo, provavelmente esse estará a mais no Mundo. Pode começar por dar o exemplo, e mostrar um pouco de responsabilidade, exemplo esse que desde já digo que não seguirei.

  26. Nuno

    Já considerou a hipótese de que levar a gravidez a termo pode por em risco a vida da mãe?

    Se fosse sua filha de 12 anos e se uma comissão de médicos lhe disse que a vida da sua filha estava em risco, que a melhor forma de proteger a sua filha era abortar o seu futuro neto, opor-se-ia?

    Esta questão é para ser decidida nestes termos e é nesses termos que a equipa de médicos (obstetras, pediatras e pedopsiquiatras) estão a analisar a questão. Produzida que esteja a decisão, os fundamentos dessa decisão podem e devem ser discutidos pela sociedade, para se gerar o consenso possível sobre como agir de futuro.

    Agora andar a debater o assunto em jornais, blogues e redes sociais, sem qualquer conhecimento de causa, antes sequer da decisão ser conhecida, com base em vagas indignações morais, não faz qualquer sentido.

  27. tina

    E é também muito importante perceber até que ponto os serviços de assistência social tiveram culpa disto, pois a criança já antes tinha sido retirada do lar.

  28. Carlos Guimarães Pinto

    Nuno, é evidente que houvesse perigo de vida para a criança-mãe, o aborto se justificaria. Não é esse o caso que se saiba.

  29. Luís Lavoura

    Mário Amorim Lopes,

    o facto de outros considerarem um feto ser uma vida humana, ou não, não interessa para o caso

    Em minha opinião, interessa totalmente.

    A lei da sociedade é feita de acordo com os sentimentos dessa sociedade. Pelo que, a forma como as pessoas na sociedade encaram os fetos é que determina a lei sobre o aborto.

  30. Sandra Martins Pinto

    Sandra,

    A violência de engravidar tão cedo e ser mãe já foi imposta pelo violador. E ele merece ser punido por isso. Mas só ele. Abortar a criança não inverterá essa violência que é facto adquirido. Abortar a criança apenas adicionará mais uma vítima à tragédia.

    Carlos,

    Objectivamente, a primeira frase não é verdadeira. A violência de engravidar já foi de facto imposta, a de ser mãe (no sentido físico e psicológico do termo) ainda não. Da tua perspectiva, abortar é adicionar uma vítima à tragédia; da minha, não abortar (se a rapariga quiser abortar, evidentemente) é acrescentar à tragédia da vítima original, e à violência sobre ela perpetrada, obrigando-a a levar a gravidez a termo, a ter um parto e a ter um filho não desejado.
    De qualquer forma, obrigar a rapariga a ter o filho – se contra a sua vontade – é sempre tornar um ser humano meio e não fim, e não vejo como é que isso possa ser liberal. Neste caso, não se pode dizer que a própria pessoa em causa tenha contribuído para a situação e por isso não há nada que «atenue» ou justifique essa instrumentificação.
    Além isso, não deste resposta às questões práticas que a tua solução para o caso pode levantar, e que eu tinha deixado.

    Se a gravidez for de alto risco, vais obrigar a rapariga a ficar numa cama os três meses que faltam? E se a rapariga praticar desportos de alto impacto, tem de deixar essa actividade? Se precisar de tratamentos médicos que a possam prejudicar em prol da saúde do bébé, vais dar-lhos à força?

    A alguns comentadores que parecem ter interpretado mal o que eu disse, a despeito do disclaimer precoce: é evidente que se a menina quiser ter o filho, depois de esclarecida sobre as opções que se lhe deparam, deve poder tê-lo, sem que comissões ou quejandos se metam nisso.

  31. Luís Lavoura,

    «A lei da sociedade é feita de acordo com os sentimentos dessa sociedade. Pelo que, a forma como as pessoas na sociedade encaram os fetos é que determina a lei sobre o aborto.»

    Portanto, sendo que 80% eram brancos e 20% eram negros no Sul dos Estados Unidos, viva Jim Crow?

    Portanto, como 90% são negros no Zimbabué e 10% de outras etnias (nas quais menos de 1% de brancos), é aceitável que se façam leis para matar brancos?

    Como 98% das pessoas deste país não são ciganos, e mais de 50% os detesta visceralmente, podemos expulsá-los, de acordo com os «sentimentos da nossa sociedade»? É lícito, segundo a sua argumentação. Bora lá, já que não há direitos absolutos!

    O camarada lobo sabe quem vai comer.

  32. Luís Lavoura,

    Eu compreendo o que diz, tenho de dizê-lo, mas de todo rejeito que não hajam direitos negativos absolutos detidos por cada pessoa deste planeta: direito à vida, à propriedade, à associação, ao pensamento e à expressão do pensamento. Estes direitos, para mim, são dados por Deus a cada um que nasce. Para outros, serão direitos naturais. Para outros ainda, expressão de uma sociedade civilizada.

    O Estado deve moderar esses direitos apenas quando interferirem em direitos alheios (por exemplo, eu não posso mentir sobre si à laia de direito de expressão meu).

  33. “A lei da sociedade é feita de acordo com os sentimentos dessa sociedade.”

    A “lei da sociedade” em vigor determinou que a legalidade do aborto sustentado em razões de “crime contra a liberdade e autodeterminação sexual” da mulher terminou às 16 semanas de gestação. Aparentemente essa sociedade, a aceitar-se o paradigma Luís Lavoura, parece achar que o que está em gestação já não é um gatinho, e que os seus direitos, nomeadamente o à integridade física, prevalecem neste caso sobre a vontade da mãe.

  34. Luís Lavoura

    como 90% são negros no Zimbabué e 10% de outras etnias (nas quais menos de 1% de brancos), é aceitável que se façam leis para matar brancos?

    É aceitável, sim, para quem faz essas leis, ou seja, para os cidadãos do Zimbabué.

    Para mim e para o Francisco Miguel Colaço não é aceitável, mas como não somos cidadãos do Zimbabué, não temos voto na matéria.

    Temos que respeitar as leis que a maioria da sociedade considera justas.

    Ou então emigramos.

  35. Luís Lavoura

    rejeito que não hajam direitos negativos absolutos detidos por cada pessoa deste planeta

    Todos estamos de acordo com isso, o problema é saber quem é que é pessoa.

  36. Luís Lavoura

    João Luís Pinto,

    A “lei da sociedade” em vigor determinou que a legalidade do aborto sustentado em razões de “crime contra a liberdade e autodeterminação sexual” da mulher terminou às 16 semanas de gestação. Aparentemente essa sociedade, a aceitar-se o paradigma Luís Lavoura, parece achar que o que está em gestação já não é um gatinho, e que os seus direitos, nomeadamente o à integridade física, prevalecem neste caso sobre a vontade da mãe.

    Sim. Nem eu disse o contrário.

  37. Luís Mano

    Sandra,
    Pergunta:
    “Se a gravidez for de alto risco, vais obrigar a rapariga a ficar numa cama os três meses que faltam? E se a rapariga praticar desportos de alto impacto, tem de deixar essa actividade? Se precisar de tratamentos médicos que a possam prejudicar em prol da saúde do bébé, vais dar-lhos à força?”
    Claro que sim. Será obrigada a preservar um bem maior, a vida de um ser humano, em detrimento de outro menor, seja ele tão comezinho como o de perder três meses de treinos num desporto de alto impacto ou mais sério como o de a obrigar a três meses de cama. Em qualquer dos casos sacrifica-se um bem menor por outro maior. E a vida humana em absoluto é sempre o maior. Só deve ser questionado, a meu ver, se a própria vida da mãe se encontrar em risco.

    É uma injustiça para a mãe? Claro que é. Será o perpetuar do castigo original obrigar o prosseguimento da gravidez, certamente que sim (se bem que todos nós sabemos que muito se pode mudar posteriormente, a ponto de serem raras as mulheres vitimas de gravidezes não desejadas que rejeitem os filhos depois de nados), mas estas coisas são e devem ser vistas sempre na perspectiva de se defender o bem maior. E uma vida humana é sempre o maior dos bens a preservar. Os “treinos de alto impacto” podem sempre ficar em segundo plano.

  38. Nuno

    O DL 16/2007 determina que se justifica o aborto sem limite de prazo se esse for “o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida.” É isto que cabe aos médicos decidir. Não a jornais, nem a blogues ou redes sociais.

    Sem sequer conhecer a decisão médica, e muito menos os seus fundamentos, aos jornais e blogues, cabe sobretudo discutir alterações que cada um considera adequadas à lei. Por isso se querem ter esta discussão, então digam claramente o que alteravam na frase acima e porquê.

    Pela minha parte, votei e votaria novamente contra a IVG, mas não mudava nada na frase acima.
    Pela minha parte também, acho perfeitamente plausível que numa menina de 12 anos levar uma gravidez até ao fim possa causar graves e irreversíveis lesões no seu corpo, na sua saúde física e psíquica.

    Acho sobretudo que não sou ninguém para discutir a avaliação da comissão de obstetras, pediatras e pedopsiquiatras do maior hospital de Lisboa, sobretudo sem sequer conhecer os seus fundamentos. Mas há por aqui quem se tenha em muito maior conta e seja capaz de decidir com base na sua inamovível moral e meia dúzia de artigos de jornal.

  39. mh2

    Então… podemos obrigar o Luís Mano a doar um rim à força a quem o necessite numa situação de falta de dadores?

  40. mh2

    Duvido que aqui aconteça. Mas que acham da situação legal de alguns estados dos EUA, onde o violador pode exigir direitos parentais, caso a gravidez não seja interrompida?

  41. Luís Lavoura

    Nuno,

    aos jornais e blogues cabe sobretudo discutir alterações que cada um considera adequadas à lei

    Exatamente. Muito bem.

    Eu considero que a lei atual é (suficientemente) boa. (Só não acho aceitável que o aborto “a pedido” seja pago pelo Estado, mas neste caso não é esse tipo de aborto que está em causa.)

  42. Luís Mano:
    Pois bem, fico esclarecida quanto à sua posição. O meu objectivo, com as questões, era mesmo apartar águas.
    É que eu não acho que isso de sacrificar um bem menor por um bem maior seja assim tão linear e legítimo em todos os casos. Muitos terrores já aconteceram neste mundo com base nessa ponderação, e as consequências últimas dessa posição não são lá muito auspiciosas.
    Imagine que era o único portador de um gene qualquer que permitia fabricar um medicamento para combater uma doença grave, fatal em muitos casos, e bastante disseminada em todo o mundo. Infelizmente, o fabrico do medicamento implicava mantê-lo nas instalações farmacêuticas 20 horas a cada dia, até ao fim dos seus dias (ou, para aproximar da situação, um determinado período de tempo). Imagino que tenha coisas melhores para fazer com a sua vida, por isso recusava-se.
    A consequência lógica do que diz é que seria legítimo obrigarem-no a cooperar para o fabrico do medicamento, e coagirem-no fisicamente a isso.
    Ora, da minha maneira de ver as coisas, uma tal coacção é inadmissível; não vejo em que é que o indivíduo deve o que quer que seja ao colectivo (ou, por um argumento de força maior, a outro indivíduo singular, nascido ou por nascer) para ter de disponibilizar o seu corpo para assegurar a vida alheia.

  43. Em tempo: não me interessa particularmente se a minha posição qualifica ou não como liberal segundo qualquer espécie de cartilha; de uma forma ou de outra, é a minha.
    Não obstante, vejo aqui um certo paradoxo teórico. Suponho que a ideia de que o indivíduo, ab initio, nada deve ao colectivo (ou a outro concreto indivíduo nascido ou por nascer) é partilhada por grande parte dos que aqui comentam, e talvez até também pelo Carlos, autor do post (admito que não o seja pelo Luís Mano, e por isso mesmo é que quis colocar as questões – este comentário, portanto, não se dirige a ele).
    Ora, neste caso, a menina grávida em nada contribuiu, com a sua acção e/ou vontade, para a mudança da situação e a geração do novo ser. Assim sendo, por que mecanismo teórico é que na sua esfera se criou um dever em relação a este bebé, dever esse que antes não existia?

  44. Luís Mano

    Não havendo alternativas mh2 (e não havendo risco sério de vida), claro que sim. Salvar e conceber vidas tem algo de mágico. Não tem preço. Enche-nos de humanidade. Espero que já tenha passado por isso.

  45. Luís Lavoura

    Sandra Martins Pinto
    vejo aqui um certo paradoxo teórico
    E vê muitíssimo bem.
    A teoria liberal é uma teoria muito bonita, para se aplicar a homens (eventualmente a mulheres também) adultos, bem de saúde e, portanto, tendencialmente independentes.
    Essa teoria encontra, porém, dificuldades quando a tentamos aplicar a fenómenos como a procriação, a interajuda familiar, a velhice, a doença, etc.
    No caso do aborto, temos um choque entre dois direitos: o direito ao corpo (da mãe) e o direito à vida (do feto). São dois direitos negativos, pelo que, nem a melhor teoria liberal clássica nos consegue ajudar!
    Questões destas (e muitas outras) não se resolvem com teorias, resolvem-se com pragmatismo. E com consideração pelo sentimento da sociedade.

  46. Perdoar-me-á, Luís Lavoura, mas se o seu pragmatismo resulta na legitimidade de uma lei pela qual uma maioria torna legal o homicídio dos membros de uma minoria (como lá acima julgo ter compreendido que disse) também não me serve. Ainda me serve de menos do que um liberalismo que contém algumas contradições, se calhar sanáveis.
    E estou-me pouco lixando para o «sentimento da sociedade», o que quer que isso seja…

  47. Luís Mano

    Sandra Pinto,
    Imagino que tinha tido um azar de todo o tamanho. Maior que o de uma gravidez indesejada. A sequência logica parece-me correta. Mas com uma pequena diferença. Os seres humanos que a minha proteína iria salvar, mesmo que recusada, teriam tido, ao menos, a hipótese de nascer e ver a luz do sol. E mesmo que eu recusasse fazê-lo, haveria pelo menos a esperança de que outra hipótese de cura entretanto surgisse. Com o nascituro, depois de extraído, é que não há já nada a fazer.
    Mas não precisa de arranjar exemplos tão rebuscados. Basta mencionar o que aconteceu a milhões e milhões de homens que combateram as duas grandes guerras e que nelas perderam a vida ou se mutilaram para o resto de suas vidas. Terão sido todas elas vidas desperdiçadas ingloriamente? Eles não gostariam de pensar que sim.

    Assim como eu não gostaria de pensar que todos nós, pelo respeito que nos merecemos uns aos outros como seres humanos, não sejamos capazes de nos sacrificar pelo outro quando esse sacrifício tem como consequência salvarmos vida humanas, inocentes, únicas e irrepetíveis, a troco de sacrifício, sim, que é imposto, também, mas que não só é muito menos drástico que o sacrifício imposto ao nascituro como, mais importante que isso até, pode ser revertido (como o é muitas vezes). Já a morte do nascituro nunca pode ser revertida. Nunca pode ser reparada.

  48. Lá está: não convém confundir os sacrifícios que voluntariamente fazemos com os que nos impõem (de resto, os segundos tiram valor aos primeiros). Eu não estou a chamar lorpa a quem é capaz de sacrificar pelo próximo, estou é a recusar que me recrutem para ser voluntária á força.
    Quanto à guerra, de resto, a minha posição é idêntica: não acho legítimo que um Estado envie alguém para uma guerra contra a sua vontade. O que não tem nada a ver com a valia de quem vai, ou do seu sacrifício. Aliás, estou convencida que para uma grande parte das guerras não deixaria de haver voluntários.

  49. mh2

    “Não havendo alternativas mh2 (e não havendo risco sério de vida), claro que sim. Salvar e conceber vidas tem algo de mágico. Não tem preço. Enche-nos de humanidade. Espero que já tenha passado por isso.”

    Remoção OBRIGATÓRIA de órgãos? É favor disso?

  50. Luís Mano

    Mh2.
    Nunca seria obrigatório. Comigo não seria necessário. Precisava apenas de ser “bem levado”. De todo o modo eu não concordo que se obrigue uma mãe a carregar uma gravidez até ao fim. De todo. Mas discordo ainda mais que não obrigando que uma gravidez vá até ao fim, tenha como custo a morte de um ser humano. Ponderando as duas coisas, como devo ficar?

    Sandra,
    No caso do aborto impõem-se sacrifícios a ambas as partes. A Sandra defende quem, dos dois, é menos sacrificado. É essa a diferença.
    Quanto à guerra não acha legitimo que um estado mande alguém para a guerra, mas aposto que deve achar legitimo que o estado a deva defender.

  51. Catarina

    Sandra, antes de mais deixe-me dizer-lhe que gosto da forma como expõe os seus argumentos. Já me fez pensar muito hoje. Contudo, não consigo concordar de todo consigo. 🙂

    “Assim sendo, por que mecanismo teórico é que na sua esfera se criou um dever em relação a este bebé, dever esse que antes não existia?”
    Há uma falácia na pergunta – o mecanismo não é teórico, é prático. A criança tem uma criança dentro dela. Não devia ser possível, não era desejável, não teria acontecido não fosse aquele monstro, mas a realidade não olha a “devias”, ela impõe-se. Ela é.

    Para responder ao facto da realidade gerar – ou não – um dever face a esse bébe, já temos de entrar na esfera da legalidade e ética. Mas visto que lhe chamou “bébe” e não feto, penso que é seguro concluir que ali habita uma pessoa como a Susana e eu já fomos – pequenina e indefesa. Portanto, o dever vem de ali estar uma pessoa. Usando um argumento que a Sandra usou acima, da última vez que alguém achou que havia pessoas de 1ª e pessoas de 2ª, e que umas teriam ascendência sobre as outras pela força (física e moral), a coisa não acabou lá muito bem…

  52. Carlos Guimarães Pinto

    Sandra,

    A criança-mãe já é mãe de uma criança por nascer. Pode optar por deixar de ser mãe, terminando a vida dessa criança. Mesmo que continuar a ser mãe adicione tragédia à vítima, tal continua a não se sobrepôr ao direito à vida da criança no útero.

    A criança grávida passou a ter uma obrigação de cuidado. É verdade que essa obrigação foi-lhe imposta, e quem a impôs (principalmente, tendo-a imposto a uma criança) merece ser punido severamente. Mas a verdade é que existe. Da mesma forma que se fores a passar numa estrada e te atirarem um bebé pela janela do carro, tens aobrigação de garantir a sua sobrevivência. Não podes moralmente vir dizer que não assumiste a obrigação livremente e, por isso, tinhas o direito deixar a criança a morrer abandonada.

  53. Catarina

    E só acrescentando um argumento que apesar de importante tende a ser ignorado:
    Tipicamente, um aborto é psicologicamente mais violento que uma gravidez indesejada, especialmente no longo prazo. Penso não haver muito suporte científico, sei-o pelo terreno, pelas mulheres que já o fizeram e as que deixam de o fazer. Vale o que vale… Mas a tentação de controlar tudo o que nos acontece pode parecer mais fácil porque estamos a exercer a nossa liberdade, mas essa liberdade também nos permite fazer coisas das quais nos venhamos a arrepender, especialmente em situações extremas como estas.

  54. lucklucky

    -A rapariga foi violada logo a gravidez não é da sua responsabilidade.

    -Abortar é matar a criança.

    ——–
    A rapariga deve ter liberdade de decidir mesmo com a sua idade, se não sofrer de nenhuma deficiência ou atraso.

  55. Rodolfo

    Luís Lavoura – “É aceitável, sim, para quem faz essas leis, ou seja, para os cidadãos do Zimbabué.”

    Só tenho a dizer que quem fez este comentário é um idiota de todo o tamanho e que não sabe que a constituição está lá, precisamente para limitar o poder democrático. É por isso que determinados referendos são inconstitucionais, simplesmente não se podem fazer.
    Ora agora se alguém se lembrasse de mandar um referendo a perguntar se o Passos Coelho devia ir preso, o povo era capaz de aceitar, mas onde é que isso é justo?.. Não é, e não é decidido democraticamente.

  56. Rodolfo

    Luís Lavoura, em relação a outro comentário seu: claro que há um clash entre dois direitos negativos, e deveria se aplicar o mesmo que um árbitro no futebol o faz: tem dúvidas sobre se há punição, não pune. Portanto, deve dar-se uma abertura moral para as pessoas tomarem a sua decisão.
    Mas isso não explica o facto de nuns casos o aborto se poder fazer até às 10 semanas e noutros se poder fazer até à nascença por causa da ilegitimidade do acto. Deve haver uma uniformização como é óbvio. Os direitos dos intervenientes não mudaram só porque houve uma violação. O feto na barriga desta mãe-criança tem tantos direitos como qualquer outro feto.

  57. Rodolfo

    Sandra – “Assim sendo, por que mecanismo teórico é que na sua esfera se criou um dever em relação a este bebé, dever esse que antes não existia?”

    Então suponhamos que alguém naufraga e vem ter à costa de uma determinada localidade. Está desidratado e cheio de fome e portanto entra na primeira quinta que encontra e começa a bombear água do poço e a colher maças ou laranjas para comer. Por que mecanismo teórico é que na sua esfera se criou um dever (sustentar) em relação a este naufrago? A avaliar pelos direitos de cada um, o proprietário vê que está a ser roubado e portanto começa aos tiros, já que a entrada na propriedade não é consentida por este, é legítimo matar o naufrago.

  58. Sandra Martins Pinto

    Bom, então por partes:

    Luís Mano:

    Quanto à guerra não acha legitimo que um estado mande alguém para a guerra, mas aposto que deve achar legitimo que o estado a deva defender.

    Engana-se. Não acho que o Estado tenha qualquer obrigação de me defender SE não me cobrar impostos para isso e se não me impedir de me defender pelos meus próprios meios (tendo armas, contratando mercenários, whatever). O que, já se vê, não é a situação actual.

    Catarina:

    Obrigada. Eu própria também já pensei muito hoje, e acho que este tipo de discussão – sem insultos, nem esganiçamentos, e entre gente de bem em cujas boas intenções confio – faz bem a todos os envolvidos.
    Eu estava a falar de como justificar, no plano teórico, uma questão que é, obviamente, e em última instância, prática. Ora, se alguém aceitar a minha premissa – de que nascemos, cada um de nós, sem obrigações para com ninguém – não me parece que possa razoavelmente justificar o «salto» para uma situação em que devemos alguma coisa a alguém com a mera força dos factos. Admito que, noutros casos que não estes, esse salto possa ser justificado com a acção negligente da mulher que se permite engravidar, mas esse factor não existe por aqui. Tem de haver uma fonte para a obrigação que surge na esfera dela, e eu gostava que me explicassem qual é.
    Nem me parece que baste dizer que a realidade se impõe, porque a realidade de que a mulher grávida, se quiser, se atira abaixo de uma escada e provoca um aborto também se impõe. Estamos a falar de decidir, com efeitos coactivos, algo da vida dos outros; portanto, estamos a falar de uma realidade normativa – e como tal teórica –, e não fáctica.
    Quanto a chamar-lhe bébé, uso essa palavra porque, para mim, é um bébé. Mas essa é a minha perspectiva, que não sinto legitimidade para impor a ninguém.
    Finalmente, não me custa admitir que um aborto seja mais violento do que uma gravidez indesejada, mas em última análise as consequências disso serão para quem tomar a decisão – a mulher -, pelo que isso não deve justificar tomar a decisão por ela.

  59. Carlos,

    A criança grávida passou a ter uma obrigação de cuidado. É verdade que essa obrigação foi-lhe imposta, e quem a impôs (principalmente, tendo-a imposto a uma criança) merece ser punido severamente. Mas a verdade é que existe. Da mesma forma que se fores a passar numa estrada e te atirarem um bebé pela janela do carro, tens a obrigação de garantir a sua sobrevivência. Não podes moralmente vir dizer que não assumiste a obrigação livremente e, por isso, tinhas o direito deixar a criança a morrer abandonada.

    A chave aqui, acho, é o «não podes dizer moralmente». Concordo que não posso o dizer moralmente. Mas a lei não deve tornar obrigatório tudo o que é moral. E não acho que a lei devesse tornar obrigatório, nessa situação que descreves, eu garantir a sobrevivência da criança que me atiraram pela janela do carro (de resto, e salvo melhor opinião, não torna, embora isso prove o que prova, que é bem pouco).

    Rodolfo:
    Então suponhamos que alguém naufraga e vem ter à costa de uma determinada localidade. Está desidratado e cheio de fome e portanto entra na primeira quinta que encontra e começa a bombear água do poço e a colher maças ou laranjas para comer. Por que mecanismo teórico é que na sua esfera se criou um dever (sustentar) em relação a este naufrago? A avaliar pelos direitos de cada um, o proprietário vê que está a ser roubado e portanto começa aos tiros, já que a entrada na propriedade não é consentida por este, é legítimo matar o naufrago.

    Por nenhum mecanismo teórico. Esse dever – de sustentar o náufrago – não existe. Não acho que o náufrago esteja, em sentido rigoroso, a infringir o direito de alguém (porque está num estado de necessidade, figura que não me custa admitir), mas isso não implica que tenha sido criado um dever na esfera do proprietário, nem que ele tenha de tolerar esse estado de coisas. Mas, neste caso, há toda uma série de outras formas de afastar a violação da sua propriedade, além de atirar a matar.
    No caso da rapariga violada, 1) Não há forma de evitar a infracção ao seu direito ao seu corpo sem matar o bébé; 2) O direito que estará a ser violado se a forçarem a prosseguir a gravidez – esse tal direito ao seu corpo – é (ainda) mais importante e mais directamente ligado à sua pessoa do que o direito de propriedade.

  60. A. R

    Impressionante como a hipótese de haver uma baixa humana excita alguns amontoados de células esquerdistas

  61. Inconformado

    Bom artigo, parabéns. Em algumas respostas, nota-se a acção da cassete socialista/abortista que foi enfiada pelos defensores de atitudes como as praticadas pelos socialistas alemães, russos, chineses, coreanos, etc…, um enorme desprezo pelo Ser Humano. E o egoismo é grande.

  62. 1. Um feto não é uma criança. Convém sermos precisos.
    2. A decisão só pode ter sido fundamentada nos riscos para a saúde da mãe e para a viabilidade do feto (única situação aceite pela Lei nestas circunstâncias).

  63. Rodolfo

    Sandra, o direito ao seu corpo é um direito de propriedade. O senhor dono da quinta deve ter de encaminhar o naufrago até fora da sua propriedade (além de que tem de o auxiliar). Não pode começar, como bem disse, aos tiros ou às agressões enquanto este estiver dentro do seu terreno. Com a mãe é igual, tem de encaminhar o filho até este nascer até que esteja fora da sua propriedade, pois este não tem culpa nenhuma de ter sido concebido. Depois pode dizer que não tem de o sustentar.

  64. Rodolfo

    Pedro Morgado, se um feto não é uma criança, porque razão não se pode abortar depois das 10 semanas? O que é que o filho desta menina tem a menos que os filhos das outras mães que não podem abortar? Vamos lá uniformizar as coisas. É que quando se fala em direito ao aborto, invoca-se sempre o direito do feto, mas quando este é concebido através de uma violação, este já não tem direitos nenhuns. Afinal, qual é a diferença entre os fetos? Será que o direito à vida deles depende do que andou a fazer a mãe?

  65. Luís Lavoura,

    Não sei se nota que é irreconciliável concordar que existem direitos absolutos com a concordância da relatividade moral.

    Em duas submissões consecutivas afirma-se e nega-se, como se não tivesse dito nada.

    Desconfio que está a usar o computador aí pelos lados de Évora.

  66. Anonimo Icognito

    Ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém ! Se matar a criança que ainda está por nascer, está a assassinar essa pessoa. Essa infeliz criança, que pelos vistos, ninguém acha que tem o direito a viver, está a ser considerada a baixo de cão. Por incrivel que pareça, essas mesmas pessoas, acreditam que um cão não deve ser mal tratado. Então, porque raio é que a criança que está no ultero da mãe, não deve ser também bem tratada ? Não tem o direito de viver ? E por consequencia, nascer, crescer e brincar como qualquer criança ? Será que por não ter um documento de identicação, cometeu um crime e por isso deve morrer ? Que mundo injusto, que aceita matar um inocente, por dá cá aquela palha. A mãe, irá amargar até ao resto dos seus dias, ter assassinado o seu proprio filho. Chamem-lhe o que quizer, desde aborto a assassinato. O certo é que alguém inocente morre às mãos do carrasco. Ainda nem sequer teve oportunidade de violar nenhuma Lei, mas o veredito é já a de culpado e com pena de morte. Quanto a mim, devemos apoiar a gravida e não a obrigar a abortar.

  67. Catarina

    Bom dia Sandra,

    Não estou certa de concordar com a sua permissa, de que não devemos nada a niguém, porque acho que nascemos com uma profunda dependência (gratidão?) pela mãe que nos trouxe, tal como as mães (tipicamente) sentem a “obrigação” de nos dar de comer e de nos consolar. Qual é o mecanismo teórico por detrás disto? Não sei, mas sem haver nada que legisle (e ainda bem) este processo repete-se há milhares de anos. Ou seja, não há uma lei que diga explicitamente que sou obrigada a tomar conta do meu filho, mas a natureza biológica e psicológica dos homens está de alguma maneira pré-condicionada a isto (há casos em que tal não se verifica, podemos falar sobre eles, mas para simplificação penso que podemos concordar que este cenário abrange a maioria dos casos).
    Este é o meu racícionio para rebater que talvez devamos alguma coisa a alguém, não legalmente, mas afectivamente.Somos seres sociais, relacionais, poucos são capazes de ver um moribundo e não se importar mínimamente, uma criança a pedir e não se comover, etc. Esta “obrigação” está mais enraizada do que o quereria admitir, mas obviamente concordo que não pode ser imposta. Felizmente, o normal é não precisar, e assim vivemos em sociedades +- civilizadas (imagine se fosse cada um por si!).

    Agora imagine que eu vou na rua e acidentalmente risco o carro de outra pessoa. É um facto que risquei, é um facto que a outra pessoa não tem culpa, e é uma lei que me diz que eu devo a reparação dos bens ao outro – pela mera força dos factos. Os factos criam condições para que haja novos deveres e outras pessoas envolvidas – e quando isso acontece, não devemos fugir.

    Quando me diz que os “outros” casos de mulheres negligentes já comportam um dever, aí fico confusa… Porque percebo que sejam casos mais chocantes, mas a génese é a mesma – porque é que nesse caso essas mulheres terão um dever que outra mulher não tem, quando a sua condição de grávida é a mesma e a sua vontade também? Pela leviandade do acto (comparado com um crime imposto)? Isso entra no campo da subjectividade e tratamento de coisas iguais como diferentes, na minha opinião… Quase parece um castigo: “ah andaste a brincar com o fogo? Toma lá um bébé com que tens de ficar para veres o que é bom!”

    O meu ponto é que as pessoas com mais informação e melhor acompanhamento (todas: as negligentes, as violadas, as pobres, as azarentas, as egoístas) podem perceber a magnitude do que lhes acontece e saber que há quem as apoie (IPSS no limite) e ajude a encaixar o facto ocorrido numa vida que estava planeada sem ele – mas que nunca mais vai poder prosseguir sem o bébé, mesmo que se aborte. Aquela ocorrência não é eliminada – pode ser transferida (adopção), corrigida (aborto) ou aceite como a nova realidade (ter o filho).

    Qualquer realidade se impõe a qualquer teoria. Seja a económica que não responde aos modelos, seja uma alteração de planos de vida por circunstâncias externas. A miúda pode abortar de várias formas, o que nunca altera o facto de estar a matar o seu filho e – nesta fase da gestação muito provável – de o dar à luz morto. É esta violência capaz de atenuar a dor de uma criança violada? Eu não a conheço nem conheço o caso, mas tenho uma forte convicção de que não. Em primeira instância, o dever dela é para com ela mesma, de reconhecer o que lhe aconteceu, o que carrega e o impacto que isso tem na sua vida. Claro que percebendo que aquele feto (?) pode ter um nome e uma vida, dúvido que uma rapariga de 12 anos que ainda brinca com Nenucos se queira desfazer dele.

    O que o Carlos apontou é que precisamente por ninguém da opinião pública ter reagido negativamente a esta possibilidade, o mesmo é esperado dos médicos (como se viu e como comentei logo). Não gostaria que lhe fossem impostas demasiadas restrições, mas gostaria que alguém (mãe, médicos, televisões) lhe tivesse explicado a situação em que está – que pode ter vindo de uma realidade dolorosa, mas que há vários desfechos possíveis. Apenas depois disso se poderia avaliar os impactos psicologicos reais e deixar a mãe (de 12 anos, mas ainda assim) decidir que deveres quer ter para com o seu bébé.

  68. Sandra Martins Pinto

    Bom dia, Catarina.

    Não tenho qualquer dúvida de que afectivamente e moralmente devemos muita coisa a muita gente. Tento não me esquecer dessas dívidas no meu quotidiano, mas sei que há algumas que nunca poderei pagar, mãe e pai incluídos. Mas no caso concreto estávamos todos a falar de regular a vida de alguém, e como também disse ao Carlos algures lá em cima, não me parece que a todas as obrigações morais correspondam obrigações, à falta de melhor palavra, naturais (no sentido de normativas, mas não forçosamente da lei estadual efectivamente vigente).

    Percebo pelo seu comentário que não concorda, mas sim, eu acho que a partir do momento em que uma mulher – e também um homem – decidem, na plenitude da sua vontade, ter um relacionamento sexual, essa decisão é fonte bastante da obrigação (natural) que têm para com o filho que eventualmente venha a ser gerado. É desproporcional à leviandade do acto? É. Mas eles sabiam, quando se meteram nisso, que podiam ter essa consequência, eventualmente muito superior ao benefício que retiraram do momento. A decisão foi livre e esclarecida. A obrigação natural existe; ainda assim, não acho que uma obrigação legal (ou de direito positivo) deva acompanhá-la (por várias razões que talvez não caibam agora aqui), e por isso estive sempre do lado da descriminalização do aborto.

    No caso, todavia, essa decisão não existiu do lado da menina. Diz que a génese é a mesma, mas eu não acho de todo. Como mulher mas essencialmente como pessoa, equiparar as duas situações parece-me aberrante; uma não tem nada a ver com a outra. Pelo que, da minha perspectiva, aqui nem obrigação natural existe.

    Finalmente, eu também gostaria que a menina fosse esclarecida – esclarecida sem parcialismos, e na maior pedida compatível com a sua capacidade de entendimento – e fosse sua a decisão última. se fosse a de ter o filho, acho que toda a gente devia correr a apoiá-la. Mas, se não for, acho que será sempre uma violência impor-lho.

  69. Luís Mano

    Não deixa de causar-me algum incomodo saber que a Sandra não considera sequer haver obrigação natural da mãe para o filho que traz no vente, se este for resultado de uma relação não consentida e não desejado, a ponto de, então, ser até aceitável que uma mãe mate o filho à nascença (e não são muito raros os casos assim). Eu sei que esta imagem é grotesca, e perdoe-me a provocação, mas é fácil chegar a ela com as suas palavras.

  70. Luís Mano:

    Esse seu raciocínio é um non sequitur assim um bocadinho para o descarado, não?

    Eu acho realmente que a mãe violada não tem uma obrigação natural para com o filho que traz no ventre, mas daí só pode concluir que eu não acho que ela seja obrigada a mantê-lo vivo enquanto estiver no interior do seu próprio corpo (mesmo aí, admitia que me objectassem – ninguém aqui ainda o fez – que a obrigação se gera a partir de um determinado período de gestação, pela inacção de não ter feito a interrupção da gravidez antes, caso tenha tido essa possibilidade). Só enquanto a criança ainda não nasceu é que há um conflito entre os seus direitos e os direitos da mãe.
    Isso não tem nada a ver com matar uma criança já nascida. Em que é que a existência da criança já nascida está a conflituar com o direito ao corpo da mãe? O que eu acho relativamente a isso – e já o disse lá em cima – é que a mulher também não tem uma obrigação natural de sustentar esse filho.
    Com as palavras de outra pessoa pode-se chegar ao lado que se pretenda; ao Richelieu bastavam seis para condenar um inocente. E também convém reiterar que uma coisa é o que eu penso que se deve fazer, outra é o que me acho legitimada a impor ao próximo.

  71. Luís Mano

    Sandra Pinto,

    Mas um filho de uma mãe violada conflitua com um conjunto alargado de direitos da mãe, não só o do seu direito ao corpo. E estes não se extinguem com o nascimento da criança. Pelo contrário. Assim que a criança nasce, novos desafios e novos conflitos surgem pois o dever de sustento coarcta a autonomia e as opções da mãe e no limite, ao contrário do que diz, pode até continuar conflituar com o seu direito ao corpo, pois dar de mamar para sustento da criança ainda é uma inevitabilidade em alguns meios onde não existe leite de substituição e a própria saúde física continuará a ser desafiada pelo simples facto de que o dever de protecção e sustento exige uma dedicação física que não seria necessária se a criança fosse eliminada. Assim, elevando o princípio do direito da mulher violada ao seu corpo (e à sua vida em geral, nas suas diversas dimensões) acima do direito da criança a ser protegida e sustentada, permitindo julgar que ela não tem o dever natural de sustentar o filho, pode legitimar (ou pensar que o devia ser) o seu assassínio (ou assassínio negligente, se preferir), independentemente dele ter ou não nascido. Pois, mesmo que no caso de ter nascido se considere que a criança ganha novos direitos, restará saber a quem e com que fundamento se encontrarão melhores alternativas para a eles se impor o dever de protecção e de sustento da criança. Estado incluído.

    Por fim devo dizer-lhe que nunca poderia argumentar que uma mãe violada poderia ter o dever de antecipar tanto quanto possível o aborto, para limitar danos. Para mim o dano é sempre o mesmo. Tenha ele um, três ou cinco meses, é igual. Os seus direitos são os mesmos, sobrepõem-se ao da mãe e são independentes dela, da sua historia e das acções que levaram à sua gravidez.

  72. Luís:

    Bom, quanto à primeira parte do seu texto, o paradoxo não está na minha posição. Eu disse desde logo que achava que a mãe nessa situação não tinha obrigação de ficar com o filho nascido nem de prover ao seu sustento (por amamentação, ou outro meio). O facto de isso deixar «vago» o lugar de tutor/caretaker da criança não é suficiente para mudar isto; haver um problema não quer dizer que haja uma solução, muito menos que uma determinada pessoa possa ser obrigada a ser solução. Pode é levantar um conjunto de outras questões – nomeadamente, sobre como preencher esse lugar de tutor – que, francamente, são capazes de já ser um bocadinho off topic aqui.

    Falar de assassínio negligente implica, evidentemente, que haja um dever de cuidado, que é precisamente o que estávamos a discutir aqui. O seu argumento sofre pois de uma petição de princípio. Isto em termos teóricos; em termos práticos, tenho muitas dúvidas que durante os 9 meses de gravidez de uma mulher ninguém fosse a tempo de se aperceber do nascimento eminente e colocar-se em posição de receber a criança tão logo ela nascesse – afinal, os comentadores aqui pareciam não ter dúvidas que esses bons samaritanos surgiriam de debaixo das pedras, caso a criança decidisse não abortar (se essa crença é realista ou não, são outros quinhentos…).
    Assim, nem sequer seria preciso discutir se a mãe (admitindo que não tem um dever de ficar com a criança ou sustentá-la) teria ao menos obrigação de o pôr a salvo, entregando-o ao cuidado de outrem [e eu estaria até disposta a admitir que sim, mas não parece se necessário chegar aí].

  73. Catarina

    Sandra,

    Quando diz ” a partir do momento em (…) decidem, na plenitude da sua vontade, ter um relacionamento sexual, essa decisão é fonte bastante da obrigação (natural) que têm para com o filho que eventualmente venha a ser gerado” estou totalmente de acordo. Adultos (ou cada vez mais quase-adultos) que tenham determinados comportamentos estão sujeitos a ter de arcar com as consequências que possam vir do mesmo, não por castigo, mas como única hipótese de lidar com a realidade a que se sujeitaram.

    Onde eu estou em desacordo (mas parece-me que estamos a convergir, que neste seu comentário já nem sou divergente em muitos pontos) é que a forma e consciência de geração dessa vida uterina tenha alguma coisa que ver com o tratamento à mesma.
    Ou seja, a menina, apesar de não ter passado por nada do descrito no 1º parágrafo, está grávida. Foi violada, maltratada, a sua vontade não foi ouvida, mas está na mesma situação de uma hipotética jovem de 25 anos que teve um one night stand desprotegido: grávida. A vida dentro da mãe de 12 ano é igualzinha à de 25. Igual. Podiam vir a ser melhores amigos na escola.

    O único argumento válido, mas legalmente tão subjectivo que dói, é de que levar a gravidez adiante causará graves danos psicológicos à mãe. Ainda que isto seja concebível, não consigo conceber que um aborto aos 5 meses cause MENOS danos psicológicos que levar a gravidez a termo. Em termos relativos, e tendo a menina na sua posse as informações e APOIOS em QUALQUER um dos casos, abortar é muito mais violento que ter o filho. Mas nunca saberemos se ela foi informada, apoiada, ajudada a tomar a decisão certa (aliás, sendo a mãe que toma a decisão, nem sabemos até que ponto a mãe não quer lavar-se da culpa de ser conivente, ou ter levado o violador para casa, ou não querer ter ela nada que a relembre… Como separar o interesse da filha, do interesse da mãe?)

    Acho que estamos mais próximas de concordar do que de discordar. Custar-me-ia ter de impingir o que quer que fosse a esta menina a quem tanto já foi impingido, mas penso que há pessoas com tantas palavras e actos de apoio para lhe dar que seria uma pena caírem em saco roto e não serem ouvidas. Mas é como diz – ela se quisesse atirava-se das escadas e causava um aborto. Só me custa ver tanta gente solidária para com a menina sem sequer considerar se é mesmo o melhor para ela não ter o filho, para não mencionar o bébé que ela carrega e que nunca será ouvido nem defendido por estas mesmas pessoas. Onde podia ter havido uma tragédia, vão haver duas; mas uma delas podia ter sido facilmente evitável.

    (Estico-me sempre a escrever, tenho de trabalhar nisso)

  74. Luís Mano

    Vou ficar por aqui e deixar de a aborrecer. Essa da “petição de principio” desarmou-me.

  75. Catarina:

    Temos de concordar em discordar, pelo menos no plano teórico. De qualquer forma, também me parece que, no plano prático, não estamos assim tão distantes quanto ao que gostaríamos que acontecesse, já que não se pode apagar o que de mau já aconteceu na vida daquela menina.

    Luís:

    Ora essa, não era a ideia. Nem discussões educadas me aborrecem ;). Mas provavelmente já esgotámos, todos, tudo o que tínhamos para dizer, e também não quero «alugar» mais o espaço dos nossos anfitriões, que já tiveram paciência que chegue; por isso, também me calo por agora.

  76. Pingback: Pena de morte por via administrativa | O Insurgente

  77. “Sobre a tragédia da menina e do seu bebé quero e prefiro acreditar que aquele conselho de sábios, de especialistas em ciência e ética, decidiram bem. Decidiram por uma vida por estar em causa outra vida. E não decidiram por uma vida por estar em causa um trauma (que jamais deixará de existir). Numa sociedade madura, confia–se que os seus sábios são mesmo pessoas de bem e que os seus juízos não se movem pela mesma emoção, nem têm a fragilidade moral que agita a rua. Pela saúde e pela vida das duas crianças só posso acreditar que foi assim que foi formulado o juízo e ditada a decisão. É esta a única opinião que se pode ter sobre este caso trágico de maldade e miséria humana. Pois se há tema que não pode nem deve ser objecto de julgamento popular, este é um deles.” http://ionline.pt/artigo/389349/as-duas-tragedias-?seccao=Opiniao_i

  78. Pingback: O diabo não está nos outros: está em nós | O Insurgente

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