A falsa “responsabilidade” de Maria Luís Albuquerque

maria-luis-albuquerque-cc5bMaria Luís Albuquerque, uma candidata a líder do PSD que nas horas vagas se dedica ao ofício anteriormente conhecido como o do Ministério da Fazenda, tem nestes últimos dias estado nas bocas do mundo, ou pelo menos do estreito e sufocante mundo da intelligentsia lusa. Tudo porque, segundo consta, se mostrou pouco interessada em dar o seu aval às exigências do novo governo grego, ficando assim do lado dos países que impuseram o acordo concluído na passada sexta. Infelizmente, haveria razões bem melhores para criticar Maria Luís, mas a que a indignação pátria fecha os olhos por preguiça ou fraca compreensão.

Numa entrevista que deu ontem à TVI, com o propósito de explicar a sua posição na reunião do “Eurogrupo” e acima de tudo promover a sua campanha para a sucessão de Passos Coelho, a Ministra das Finanças afirmou ser “uma pessoa muito prudente”, uma louvável característica pessoal que a leva a não admitir uma descida de impostos nos próximos tempos, dado que o défice orçamental ainda não “deixou de existir” e um alívio da carga fiscal iria pôr em causa o objectivo de contenção da dívida pública portuguesa. É uma afirmação que encaixa bem na “mensagem” eleitoral que o PSD (com a sempre oportunista colaboração do CDS/PP) tem vindo a ensaiar, e que a próprio Maria Luís tinha já proferido anteriormente: um partido “responsável” como o PSD não vai ceder à tentação eleitoral de baixar impostos nas vésperas dos portugueses irem colocar a sua respectiva cruzinha no boletim de voto (ou ignorar em massa as festividades), colocando as necessidades do país à frente das do próprio partido.

Mas é também – e acima de tudo – uma mensagem que, como qualquer pessoa com dois dedos de testa facilmente compreende, esconde não só o seu próprio eleitoralismo (“nós”, PSD, não somos como “eles”, “os políticos” que só querem “tachos” e “poleiro”) como também o falhanço do governo ao longo destes anos em que teve o mérito de evitar a bancarrota mas a incapacidade de conseguir o que quer que fosse para além disso: ao dizer que é “prematuro” falar de descidas de impostos por estas implicarem uma subida do défice, a Ministra das Finanças reconhece (sem querer reconhecer) que o governo por cuja política orçamental ela é directamente responsável foi incapaz de reduzir a despesa pública na medida necessária a aliviar um pouco da carga fiscal que sufoca os portugueses. Pois se uma descida de impostos provocaria uma subida do défice, é porque essa despesa é ainda demasiado elevada para que aquilo que o Estado extrai dos bolsos dos contribuintes seja suficiente para cobrir as verbas que saem do Ministério de Maria Luís. E se assim é, é porque o governo assim fez com que fosse. É à Ministra das Finanças que cabe a definição do que o Estado gasta ou não gasta. Se acha que é necessário baixar impostos mas a despesa pública é demasiado elevada para que se possa dispensar receita, basta-lhe cortar essa despesa. Ao contrário do que se poderia imaginar pelo eco das suas palavras de ontem, a elevada despesa pública do Estado português não é uma fatalidade, algo que é imposto a Maria Luís pelo Além ou uns deuses já não do Olimpo mas de Frankfurt. É algo que resulta da vontade política da própria Ministra e do seu chefe de Governo e parceiro de orientação Pedro Passos Coelho.

Maria Luís Albuquerque é, como já o havia sido o seu antecessor Vítor Gaspar, e como continuam a ser Paulo Macedo e Nuno Crato, um exemplo paradigmático do “falso reformismo” do Governo PSD/CDS: sob o manto retórico das “reformas”, a coligação manteve intacto o estatismo que herdou, apenas com menos dinheiro. Numa outra sua declaração infeliz, a Ministra das Finanças disse há meses que que como “não há muitos ricos em Portugal” e se “procura sempre proteger quem tem menos recursos”, a “classe média acaba por ser a grande sacrificada” pelas medidas orçamentais que têm de ser implementadas. Sendo verdade que há “poucos ricos” em Portugal e por conseguinte a Grande Redistribuição fiscal que alimenta os sonhos dos nossos bem-pensantes não poderá nunca passar dos minutos de REM do seu soninho, também é verdade que o que essa declaração de Maria Luís propositadamente ignorou é que a escassez de abastados de que ela se queixa é acompanhada por uma vasta abundância de “boys” e “girls” que dependem do que o orçamento vai tendo para oferecer, e de quem, por sua vez, as lideranças partidárias – dos partidos do Governo, claro, mas também do PS – estão também bastante dependentes, e que é em virtude dessa abundância que Maria Luís Albuquerque deliberadamente preferiu aumentar a carga fiscal à tal “classe média” em detrimento de deixarem cair aqueles que os seguram ou irão segurar no futuro.

Para tornar as coisas mais graves, essa opção, emparelhada com a retórica que a mascara, consegue apenas juntar o pior de dois mundos: atrai o descontentamento que o reformismo sempre provoca, sem trazer consigo nenhuma das vantagens que resultariam das reformas que na prática não foram feitas. O que não só afecta a popularidade do Governo, um mal que honestamente não me tira descanso, como diminui a predisposição dos eleitores para aceitarem verdadeiras reformas no futuro, quanto mais não seja porque duvidam da palavra e das intenções de quem as venha prometer. Se tivessem juízo, seria com isto que se indignariam todos aqueles que nos últimos dias protestavam contra Maria Luís Albuquerque. E se tiverem juízo, será por isto que os militantes do PSD não a escolherão para sua futura líder.

13 pensamentos sobre “A falsa “responsabilidade” de Maria Luís Albuquerque

  1. Francisco

    ou que tem opinião e vontade própria. Se se mantivesse calada era submissa. Como teve opinião é submissa. Vá la entender isto.
    Votos para que seja a futura Thatcher portuguesa

  2. Francisco, eu não escrevi nada sobre o ter vontade própria ou ser submissa em relação à Alemanha. Mais, escrevi que há coisas bem mais importantes. Nomeadamente, uma opinião e vontade própria que mostra coo está longe de poder ser a Thatcher portuguesa

  3. ricardo

    Depois de demonstrar que não ameaça os comensais, e que respeita quem lhe põe a mão por baixo, pode ter ambições políticas.
    Se tivesse convicções não fazia carreira, nem o partido do Estado (facção PSD) a queria por perto.
    Não basta usar saia para se ser Margaret Thatcher.

  4. jo

    A despesa pública foi reduzida. Pelo menos a que os mentores desta solução defendiam. Cortou-se na saúde, na educação, na defesa, na cultura, no número de funcionário públicos, na segurança social, excepto no desemprego.
    Quando o remédio não produz efeitos, podemos aumentar a dose ou reconhecer que não presta.
    Claro que se conseguirmos descer os salários privados a zero e fecharmos o Estado (afinal de contas para governo já temos o alemão) de certeza que as vossas folhas de Excel ficam positivas, não nos serve é de grande coisa.
    Já sei com os excelentes capitalistas privados que temos damos a volta a isto num instante. Já começámos aliás, ele é a PT, ele é o GES…

  5. Fernanda

    Caro Bruno Alves,

    Os seus textos são uma lufada de ar fresco no meio de tanto post fraquinho. e sempre tão “biased”

  6. lucklucky

    Muito bem o autor. Toca na mouche.
    Tivemos o Socialismo quase responsável do PSD+CDS pois ainda sobra 4% de défice. Ou seja aumentamos a dívida.

    “Quando o remédio não produz efeitos”
    Não houve remédio algum só houve cortes e aumentos de impostos para aproximar o país à sua verdade em vez da ilusão do crédito.
    É bom lembrar no auge do Governo Sócrates chegou a pedir-se emprestado 25% dos gastos do Estado (em relação ao orçamento = 12% de défice em relação ao PIB) ou mais de 4 meses de ordenados da função publica.

    “Se tivesse convicções não fazia carreira, nem o partido do Estado (facção PSD) a queria por perto.”
    Ora bem, partido do Estado.

  7. Rogerio Alves

    É verdade, Bruno Alves, mas infelizmente as alternativas são mais negras. E, em defesa da Ministra e do anterior ministro, o TC não deixou praticamente nunca qualquer corte da despesa que fosse tentado. A partir de certa altura, acho que deixou de valer a pena tentar. Mas isso não invalida que – seja por causa deste governo ou seja por causa do TC, da CRP, dos media, dos sindicatos ou o que fosse – muito do que deveria ser feito não o foi…

  8. Miguel

    Mas se reconhecemos que o TC não deixou praticamente nenhum corte de despesa então, para sermos intelectualmente honestos, não podemos propriamente culpar a Ministra. E se todos nos lembrarmos, chegou-se a uma altura em que o TC vivia em guerrilha com o governo. É que não há propriamente maneira de quem quer que seja ir contra o TC. Só mudando a Constituição. Alguém está a ver o PS – principalmente o PS actual – a alinhar nisso? Resta fazer o melhor possível com o que é permitido.

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  10. Tiago

    A ministra propositadamente ignorou o quê? O autor propositadamente ignorou os 500 chumbos do Tribunal Constitucional?

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