O fanatismo de Ana Gomes

O que é particularmente grave nas palavras de Ana Gomes é a tentativa de aproveitamento político de um ato vil, perpetrado por terroristas fanáticos, sem rostro nem origem definida; diga-se, em abono da justiça, que este tipo de gente nem sequer é representativa da totalidade do Islão.

Adiante. A vaga de ataques terroristas em terreno ocidental tiveram o seu início nos EUA, nos anos 90*, com máxima expressão nos ataques bombistas de Oklahoma City e na destruição das Torres Gémeas. Em 2004 transitaram para a Europa, muito antes da “austeridade”, ou do aparecimento de sentimentos nacionalistas com a expressão que hoje os conhecemos. Basta recordar os atentados de Madrid de 2004 ou Londres de 2005 para se perceber que não há qualquer relação entre o terrorismo islâmico e as pretensas razões que a senhora MEP apresenta, com total leviandade.

O nível de idiotice do que aqui se escreve atinge o seu zénite se pensarmos que quem governa hoje a França é o messias socialista Hollande, que a Frente Nacional de Marine Le Pen cresce à custa dos partidos da esquerda e encontra nos emigrantes de segunda geração – muitos deles, de origem islâmica – uma parte significativa dos seus apoiantes. Longe de mim, porém, culpar Hollande ou a França por aquilo que ocorreu.

Porquê? Porque o terrorismo islâmico não é fruto das dinâmicas ou divergências existentes entre a esquerda e a direita, nem tem qualquer relação direta com o sucesso ou o insucesso das políticas sociais de integração. França e Reino Unido são os países que mais investem, a par da Alemanha, nas políticas de integração, e nem por isso têm estado menos expostos aos atos fanáticos dos terroristas islâmicos. Os esforços franceses no sentido da integração, nos últimos 20 anos, de governos de vários quadrantes políticos, são aliás louváveis e merecedores do nosso respeito. Recorde-se finalmente que boa parte dos terroristas islâmicos não são pessoas de baixa instrução ou “desintegradas”, mas gente educada e com estudos, muitos deles doutorados e com posições de relevo nos países de acolhimento. Basta recordar o perfil dos indivíduos que se imolaram contra as Torres Gémeas, ou que praticaram os ataques em Madrid ou Londres, para perceber que o simplismo com que Ana Gomes aborda este tema há muito deveria ter tido consequências políticas – não nos prestigia ter gente tão ignorante a representar-nos no PE, ou onde quer que seja, que não num Grupo Folclórico.

O que está em causa são questões civilizacionais mais profundas, de choque entre uma visão pluralista, cosmopolita e tolerante daquilo que é a laicidade e o papel da religião na sociedade, e outra perspectiva, teocrática e pre-moderna, que recusa a tolerância e a separação entre Leis Religiosas e Estado. Não deixa de ser chocante que Ana Gomes misture questões de política corrente com algo de tão estrutural, que resulta do facto evidente de uma parte do Islão viver hoje num estádio de desenvolvimento cultural semelhante ao que se encontrava a nossa Cristandade na época da Inquisição. Receio, aliás, que se vivesse na Idade Média, Ana Gomes seria um specimen exótico de Torquemada, de saia travada e mão na anca. Graças a Deus (ou ao acaso do Destino), Ana Gomes só veio ao mundo em pleno século XX, pelo que as únicas vítimas dos seus devaneios são os nossos olhos e ouvidos e, já agora, o nosso sentido de paciência e tolerância, regularmente postos à prova.

(*) Convém não misturar a vaga de ataques terroristas ligados a conflitos regionais do Médio Oriente, como os da OLP, ou do marxismo arabista, com este tipo de terrorismo, que tem apenas como inspiração a recusa do Ocidente enquanto tal.

13 pensamentos sobre “O fanatismo de Ana Gomes

  1. Vale a pena defender a tolerância acima de tudo(religiosa,política, ideias) o que faz a riqueza do espaço UE aos olhos de todo o mundo. Terrorismo tem que ser combatido e prevenido por forças bem preparadas e não se deve misturar as duas coisas. Para outra ocasião(não a propósito do massacre) ajudava a espalhar a tolerância por mais países se fosse debatida a iniciação nas religiões só a partir duma idade de entendimento e escolha(16 anos?). Algum fanatismo floresce melhor quando se pega num inocente de tenra idade(6 anos) e se inculca uma religião como dogma sagrado.
    Não falar de religião quando o aconteceu foi terrorismo também ajuda. Assim como quando Bush invadiu o Iraque, também foi terrorismo.

  2. lucklucky

    “A vaga de ataques terroristas em terreno ocidental tiveram o seu início nos EUA, nos anos 90”

    Esqueceu-se dos atentados “Pró Marxismo Árabista” nos anos 80 em França. Carlos o Jacal.

    E os de 1990’s que rumores dizem acabaram com a França a pagar aos Islamistas Argelinos para a deixarem em paz na Guerra Civil Argelina.

    Nem vamos falar das aventuras do Coronel Kaddafhi na Europa, ou da OLP nos anos 80…

  3. Lucklucky, não esqueci, mas convém não misturar a vaga de ataques terroristas ligados a conflitos regionais do Médio Oriente, como os da OLP, ou do marxismo arabista, com este tipo de terrorismo, que tem apenas como inspiração a recusa do Ocidente enquanto tal.

  4. Os ataques de Oklahoma, embora perpetrados por ocidentais, foram praticados por um grupo fanático que recusa o ocidente enquanto tal, assumindo características próximas, no plano da organização, dos radicais islâmicos. Aliás, há quem considere que o modus operandi e e eficácia do bombardeamento de Oklahoma serviu de motivação e inspiração para os radicais islâmicos, que perceberam ser possível praticar atos de violência em grande escala, e com impacto mediático, sem grande esforço. Daí a inclusão.

  5. lucklucky

    Tem de se informar sobre o ataque terrorista de Oklahoma e as suas razões.

    Aliás tem de se informar melhor sobre a história do terrorismo para não dizer isto: “Oklahoma serviu de motivação e inspiração para os radicais islâmicos, que perceberam ser possível praticar atos de violência em grande escala, e com impacto mediático, sem grande esforço.”

  6. “este tipo de gente nem sequer é representativa da totalidade do Islão.”

    Não obstante, representam o Islão militante, o Islão seguidor dos ensinamentos do profeta, o Islão verdadeiro. Não representam certamente a imensa multidão de seres humanos agrilhoados pela submissão sem saída possível… O sonho de qualquer muçulmano é emigrar para um país não islâmico…

  7. Rafael Ortega

    ” a iniciação nas religiões só a partir duma idade de entendimento e escolha(16 anos?). ”

    Isto é ridículo.
    Nenhum pai ou mãe, crente em qualquer religião, acreditando que uma pessoa só irá para o paraíso se seguir a sua religião, esperará até ao filho ter 16 anos para o iniciar.
    Nem que seja pelo facto de a criança poder morrer antes dos 16 anos…

  8. A referência a Oklahoma é completamente secundária no post, mas em qualquer caso, talvez seja o senhor lucklucky quem tem de se informar melhor sobre o tema; aliás, não me viu nunca escrever aqui sobre nenhum tema que não conheça informadamente. Há várias referências académicas que colocam estes dois atos terroristas a par e passo, pelas suas similitudes: 1) ambas defendem causas difusas, de base cultural, e não pretensões de Estados, Nações, ou grupos com origem definida; 2) pelo seu carácter letal; 3) pela sua capacidade de projectar o medo, com base na destruição maciça de alvos indiscriminados. Difere-os o tipo de protagonistas e a aparência das suas motivações? Sim. Mas aproxima-os uma série de características, que levou a que tenham sido vistos em comum pela CIA; acresce que há inícios fortes que terá havido contactos entre McVeigh e Bin Laden, no período entre o primeiro ataque ao WTC, em 1993, e o ataque de Oklahoma, em 1995. Enfim…

  9. o fantasma.

    E se mandassem esta senhora….que me desculpem as verdadeiras senhoras,dizia eu,se a mandassem lá para o berço da liberdade,estado Islamico,ou lá o que seja,talvêz lhe fizesse bem.Deixariamos de a ouvir,e talvês lhe service de consolação ver como essa gente trata as mulheres-

  10. Fernanda Bettencourt

    Terei sido a única a reparar na forma como esta aberração foi olimpicamente ignorada pelos media e seus opinion makers (boa parte deles, pertencentes à mesma comandita de Ana Gomes)? Se Ana Gomes representasse outro partido que não o PS (principalmente se fosse de “direita”), teria isto passado em branco?

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