É cada vez mais raro neste rectângulo, mas ainda vai havendo conservadores que pensam muito e bem. Um deles é o Filipe Faria. Discordando de muito o que aqui diz, vale a pena ler na íntegra a entrevista do Filipe Faria ao jornal Diabo. O Filipe é alguém que pensa o país para além da espuma dos dias e que vale sempre a pena ler. Um dia, quando tiver estudado o suficiente, responder-lhe-ei.
Quando se uniformizam concertos, as conclusões tornam-se complicadas. Nunca houve uma só “direita”, como nunca houve uma só “esquerda”. Muitas análises que por aqui se lêem padecem desse mal da uniformizaçāo. A partir do séc. XIX e sobretudo depois de Marx, a fronteira situou-se no papel da propriedade e do Estado. No entanto, a evoluçāo verificada quer nas sociedades, quer nas ideologias, levou a uma redefiniçāo de princípios e estratégias. Veja-se por exemplo, que as linhas programáticas dos partidos socialist as europeus, estão mais próximas dos partidos tradicionais da direita europeia do que dum Partido Comunista Português ou dum Syriza. O internacionalismo era uma bandeira marxista, mas, hoje, as principais denúncias da globalização surgem à esquerda dos partidos socialistas tradicionais. Se usarmos apenas o exemplo português, a preocupação pela defesa da individualidade e da diferença foi bandeira dum partido de esquerda (Bloco de Esquerda), mas nunca teve uma adesão entusiástica por parte do PC. As primeiras medidas regulamentadoras e restritivas to madras em defesa do ambiente foram da responsabilidade de um governo de direita (AD, através de Gonçalo Ribeiro Telles), mas são hoje criticadas por economistas dessa área e São uma bandeira da esquerda. Concluindo: o mundo vive mudanças que exigem respostas de todos os quadrantes políticos. De muitas direitas e de muitas esquerdas. Uniformizá-las é mais do mesmo: simples estratégias para alcançar o poder.
Mais uma vez constato que me identifico muito pouco com aquilo a que ele chama de “direita”.
também eu.
Caro Gil,
Está a por o problema ao contrário: a definição de esquerda e direita tinha tudo a ver com a dicotomia progresso / conservadorismo e nada a ver com estatismo / liberalismo económico. Algures aqui pelo meio – e muito por culpa da excessiva influência anglo-saxónica na definição de conceitos – começou-se a classificar as pessoas num espectro sócio-político de acordo com as suas convicções sobre teoria económica. O que é errado. Aliás, e só para lançar uma acha para a fogeira, historicamente o liberalismo económico (clássico) era uma política associada à Esquerda e não à Direita.
Carlos Duarte:
Em momento algum eu disse o contrário.
“Aliás, e só para lançar uma acha para a fogeira, historicamente o liberalismo económico (clássico) era uma política associada à Esquerda e não à Direita”
Precisamente porque o que os liberais defendiam era anti-estabilishment. Em termos originários o conceito direita/esquerda tem a ver com a defesa/oposição ao statuos quo. Nem é preciso ir buscar a revolução francesa que considero um exemplo muito infeliz. Basta pensar nas Corn Laws ou no estatuto da Irlanda.
Nao sei porque tenho sempre uma enorme desconfianca em doutorados que parecem verdadeiramente acreditar que sabem “o que o pais precisa”…
“Mais uma vez constato que me identifico muito pouco com aquilo a que ele chama de “direita”.”
Eu identifico-me muito pouco é com a dicotomia esquerda/direita.
Também.
Por isso é que a The Economist se identifica como sendo do “centro radical”, embora seja assumidamente liberal. Percebo a vontade do Filipe Faria de manter a dicotomia esquerda/direita tal como era nos Estados-Gerais, mas a filosofia política é algo tão dinâmico que é inevitável que os conceitos se actualizem. Hoje em dia, goste-se ou não, a dicotomia esquerda/direita separa estatismo de liberalismo económico, ficando a questão social numa segunda dimensão.
Mário Amorim Lopes:
Por essa ordem de ideias, onde “mete” os anarquistas, ou aqueles que defendem formas de democracia directa?
Gil, no quadrante libertário, que compõe a parte negativa do eixo das ordenadas. Os anarquistas da propriedade pública, no lado esquerdo. Os anarco-capitalistas, voluntaristas, no quadrante direito.
Veja aqui.
Eu não ligaria muito à forma como o Political Compass faz os eixos, já que o seu uso dos termos esquerda-direita é um pouco idiosincrático (eles próprios dizem que no modelo deles muitos movimentos normalmente classificados na “extrema-direita” ficam na esquerda). Em termos geometricos, algo parecido com o World Small Political Quizz (em que o quadro está inclinado, de forma que tanto o liberalismo económico como o autoritarismo social apontam para a direita) corresponde mais à forma como, ainda hoje em dia, os termos “esquerda” e “direita” são normalmente usados (mesmo se nos limitarmos aos partidos mainstream, veja-se que na Europa continental não é raro que os partidos “conservadores”/”democratas-cristãos” sejam mais economicamente intervencionistas que os partidos “liberais” e, mesmo assim, serem considerados à direita destes – veja-se a CDU e o FDP na Alemanha, ou os gaullistas e os Republicanos “giscardianos” em França, antes de se terem junto na UMP)