A direita e os liberais dos depósitos a prazo

Nuno Garoupa no facebook:

‘Conclusão: entre os 30 mil pequenos accionistas que assumiram um risco tendo em conta a informação que lhes foi prestada de forma continuada e insistente pelos reguladores (e auditores) durante meses e os reguladores (BdP e CMVM) que mais uma vez falharam o dever de supervisão e transparência de informação no mercado, a direita dita neoliberal e com profunda admiração pelo mundo anglo-saxónico, a direita dita do capitalismo popular (pelo menos aquela que se publica) decidiu glorificar os reguladores (“foram enganados”) e culpabilizar os pequenos accionistas. Porreiro pá!’

Até nestas coisas somos pequenos e provincianos. Há por aí gente muito contente porque, finalmente, deixámos falir um banco e os acionistas perderam tudo. Já somos um país capitalista à séria, olé! O pormenor do banco não ter falido – mas, sim, o estado ter saqueado os tais ativos bons (pelos quais os acionistas eram tão responsáveis como os ativos maus) -, do regulador e até a ministra das finanças terem andado nas últimas semanas a mentir aos credores, depositantes e acionistas sobre a situação do BES, e de ter sido o regulador a permitir que os autores do que sabia ser um ‘esquema fraudulento’ continuassem a gerir o BES mesmo depois de estarem avisados de que seriam afastados, levando a que esses autores pudessem praticar os atos que irremediavelmente ditaram a nacionalização – tudo isto não conta nada. Estamos tão contentes por já sermos um país a sério que deixa acionistas perderem o valor das suas ações (como se isto fosse algo inédito, mesmo por cá) que até temos quem anda a elogiar e a desculpar o BdP e a CMVM.

E estas maravilhosa reações não vêm da extrema esquerda, vêm da suposta direita. Já sabemos que para a ‘direita’ portuguesa, oh tão amiga do mercado, os acionistas devem investir aceitando o risco de terem o estado a mentir-lhes e, depois, a expropriá-los. Se não gostam, azarucho, é por o dinheiro debaixo do colchão. Ou bem que aceitam todo e qualquer risco, mesmo o de serem saqueados, ou bem que não brincam aos investidores. E vão esperar, certamente, que comportamentos destes sejam benéficos para os investidores. Por cá já sabemos que a regulação/supervisão é uma nódoa e que o estado, para coroar a nódoa, expropria. Vão vir charters de investidores para os bancos portugueses, oh se não vão.

Eu até posso perceber que se defenda o que foi feito como um mal necessário, como uma contenção de danos. Mas quem louva a medida que aceite o que defende: uma total arbitrariedade do estado e um total desrespeito pelos direitos de propriedade. Não finjam, por favor, que são diferentes de Louçã quando defendia a sua reestruturação da dívida que implicava também uma enorme expropriação da propriedade. O conceito é o mesmo: toda a riqueza produzida e todos os ativos são do estado, que decide depois a quem benevolentemente deixa que continue a detê-los (por mais um bocadinho).

E, vá lá, tenham algum pudor: parem de aconselhar aumentos de poupança das famílias, porque quando o estado trata assim os investimentos, que resultam das aplicações de poupanças, pode estar a fazer muita coisa mas não está a incentivar a poupança. Ou então devem fazer como certamente esta direita amiga do mercado faz: investe, nos seus momentos mais aventurosos, em depósitos a prazo. Que é àquilo que querem reduzir os produtos financeiros, porque que quando há quebra de confiança e má-fé no nível em que houve (do regulador e do estado), produtos mais sofisticados não florescem. Enfim, não é do mesmo material desta direita amiga do mercado que são feitos os empresários schumpeterianos. Ou, como diz o Helder no twitter: ‘Fazem questão de parecer burros ou é mesmo feitio?’ (E, já agora, mais este: ‘Esta solução p o BES é institucionalizar o roubo. Há sempre qm roube (ver Salgado) mas ser o estado a roubar descaradamente é outro assunto’).

sarongMas, por mim, tenho algo a agradecer ao governo. Eu poderia ser tentada a engolir um sapo de um tamanho de um elefante e ir votar num dos partidos do governo ou numa eventual coligação, mesmo que isso me deixasse um sabor amargo a cicuta ou arsénico durante dias. Depois disto, será tão provável votar nesta gente como votar na reencarnação de Vasco Gonçalves. Decidam lá quando vão ser as eleições sff, para eu ir programando as minhas férias para o ano. No cenário ideal, estarei, sei lá, na Ásia do Sueste a reabastecer-me de sarongs enquanto por cá se vota.

26 pensamentos sobre “A direita e os liberais dos depósitos a prazo

  1. 7anaz

    Depois de ter visto o que vimos por estes dias, a minha vida daqui para a frente pautar-se-á pela expressão “chapa ganha, chapa gasta”.

  2. Pingback: Mensagem aos accionistas do BES | O Insurgente

  3. Pingback: Choradinho dos accionistas | BLASFÉMIAS

  4. 7anaz,

    Se quer gastar bem, compre uma pequena propriedade longe da cidade. Com pelo menos um casebre, 150 m² de terra arável, água em poço ou furo e a pelo menos dois quilómetros de estradas principais. Em poucos anos vai necessitar dela.

  5. Daniel Marques

    Expresso, 11 de Junho de 2014:

    “Apesar dos alertas exigidos pela CMVM, no prospeto do aumento de capital do BES quanto à descoberta de eventuais “irregularidades materialmente relevantes” na Espirito Santo International – e que colocam a holding que detém as participações financeira e não financeiras do Grupo Espirito Santo numa “situação financeira grave” -, a procura não se retraiu.

    Também as notícias que surgiram na semana passada sobre a abertura de um inquérito a três holdings do grupo no Luxemburgo – a Espirito Santo Control, a ES International e a ESFG – por causa do não registo de 1,2 mil milhões de euros da ESI nas suas contas, não afrouxaram a corrida aos direitos de subscrição do BES que terminaram na sexta-feira. Aliás, os analistas, davam já na sexta feira como certo o aumento de capital do BES, apesar dos seus principais acionistas terem reduzido participações”

    É certo que os reguladores estiveram mal mas a historia dos accionistas que nao sabiam de nada é muito mal contada.

  6. VHS

    Mas ainda tinha a ilusão que se respeitam direitos de propriedade?!
    Somos meros arrendatários das nossas casas ao estado, pelas quais pagamos o IMI. É só experimentar deixar de o pagar, que não devem demorar tanto a tirar-nos a casa como um proprietário demoraria a expulsar quem não lhe pagasse a renda há alguns meses.

  7. HO

    Se “foram enganados” é glorificar, será certamente a mais tímida glorificação em toda a história dos louvores. Para mais sendo dirigida a reguladores.

    A meu ver, será mais uma constatação: a supervisão e regulação, por maiores e mais sofisticadas que sejam – e nenhum sector é mais regulado que o bancário-, são altamente falíveis. Quem pensa o contrário e tem por hábito colocar esperanças utópicas na regulação estatal é a esquerda, não a direita. Os reguladores terão sido enganados e provavelmente deveriam assumir responsabilidades – essencialmente por terem decidido deixar a raposa a tomar conta do galinheiro – mas isso não evitará a ocorrência de novos falhanços regulatórios no futuro. O problema é sistémico, não pessoal – e muito menos delimitado geograficamente.

    Quanto à decisão do governo, excedeu as expectativas. É desagradável para os accionistas do BES, em especial os que realizaram investimentos recentemente, mas entre eles e os contribuintes, é fácil escolher em cuja cerviz deverá cair a gadanha. E mesmo para os accionistas é um cenário menos negativo que uma falência descontrolada ou qualquer outro cenário plausível que não envolvesse um saque massivo aos bolsos dos contribuintes. Nem todas as expropriações nascem iguais.

    A sugestão de que a intervenção do estado irá afastar investidores estrangeiros roça o bizarro. Esta solução, com mais ou menos variações, já foi aplicada um pouco por todo o mundo sem que daí decorresse qualquer retracção de investimento privado, nacional ou estrangeiro.

    O efeito didáctico de ensinar a pequenos investidores que o investimento directo em acções acarreta sérios riscos de verem o capital esfumar-se e que a existência de reguladores não é sinónimo de ausência de administrações trapaceiras e incompetentes é um simpático bónus.

  8. JPT

    O seu último parágrafo deixou-me muito mais confortável quanto à minha opção de, nas próximas eleições, votar no PSD ou numa eventual coligação PSD/”irrevogável”. Bem haja e boa viagem!

  9. Cfe

    Maria João,

    Muito provavelmente o BES atingisse a falência nos próximos dias, caso nada fosse feito, portanto a solução foi boa.

  10. Maria João Marques

    Daniel Marques, tem noção de que a ESI, onde se declararam irregularidades aquando do aumento de capital, não era o BES, ou não? E se havia sinais de irregularidade, a que propósito o BdP permitiu o aumento de capital? E porque não suspendeu logo a administração? E porque, depois de avisar que Salgado seria substituído, o deixou continuar na administração? Afinal confiava em que montou um ‘esquema fraudulento’?

    HO, a sua ignorância, ao considerar que só agora os investidores em ações se aperceberam que o valor das ações se pode esfumar, como se isso nunca lhes tivesse sucedido, é avassaladora. Vá ler sobre o que aconteceu em 1987, em 2001 e em 2008, sff.

    Eheheh, o Luís Naves, por mais que tente, não consegue resistir.

  11. Andre

    Discordo.

    Em 1º lugar se sou accionista porque A, B ou C diz que uma empresa é boa ou má, mais vale mesmo por o dinheiro debaixo de um colchão!!

    O BES a ruir o cavaco esse doente diz que está tudo bem e eu vou o quê? Aumentar a posição porque ele o diz???? Porque o Carlos Costa diz??? OS ACCIONISTAS QUE VEJAM AS CONTAS DAS EMPRESAS E TIREM CONCLUSÕES! Sim as contas foram aldrabadas, paciência! Foram enganados pela administração, problema deles! Ou é problema dos contribuintes? Eu afastei-me do BES em Janeiro de 2014! Começou logo a cheirar mal quando foi o único a não querer a linha da troika. Mas estamos a brincar? Não achava estranho?

    Tenho pena dos accionistas que foram enganados, eu também fui até Janeiro!

    Mas têm de estar mais atentos!

    Acreditar no que as personalidades dizem, se é assim que decidem os investimentos então está bem!!!

  12. Daniel Marques

    Maria Joäo, a minha intrepretacao é que o BdP e a CMVM estiveram mal por incompetencia e nao por conivencia. Sendo assim assumo que dispunham da mesma informacao que obrigaram o BES a meter no folheto informativo. Escolheram acreditar no Salgado. O que eu digo é que quem meteu dinheiro no aumento de Capital também sabia das mescambelhices do Salgado nos outros negocios, dos problemas com o fisco, etc, etc. Mesmo assim decidiram ir ao aumento do capital, ou seja, decidiram acreditar no Salgado.

    Qualquer um tem todo o direito de se fazer socio do zé do café da esquina apesar de saber que quem o gere é um trapaceiro – mas que tem fama de ganhar dinheiro. Essa situacao normalmente tem consequencias, assim que há que saber viver com elas.

  13. Joaquim Amado Lopes

    Curiosa interpretação de “direito de propriedade”.

    Para o Nuno Garoupa, o dinheiro que o BES pediu emprestado a depositantes e obrigacionistas não é destes, é dos accionistas (donos) do BES, e os activos que o BES (ainda) tenha devem ser usados em primeiro lugar para garantir que quem é dono do BES não perde dinheiro. Só depois e se ainda restar algum se começam a pagar as dívidas.
    Só que o “direito de propriedade” não funciona assim e, pelo menos desta vez, parece que o Governo e o Banco de Portugal decidiram fazer o mais acertado: responsabilizar (financeiramente) os donos do BES pelo que este fez mal, garantir que depositantes e obrigacionistas recebem o SEU dinheiro de volta e que os contribuintes não são obrigados a pagar por “erros” ou “maus investimentos” que não lhes dizem respeito.

    Os donos do BES que se sintam lesados por gestão danosa da administração do BES já sabem a quem se podem dirigir para que os culpados por essa gestão sejam “chamados à pedra”: aos tribunais.

  14. gr0uch0marx

    Um conselho para os proximos “investimentos” da autora:
    “If you can’t spot the sucker in your first half-hour at the table, it’s you”.
    Acontece!
    LOL

  15. Maria João Marques

    Daniel Marques: ‘O que eu digo é que quem meteu dinheiro no aumento de Capital também sabia das mescambelhices do Salgado nos outros negocios, dos problemas com o fisco, etc, etc.’, sabiam, a sério? O BdP não sabia (apesar de saber mas não contar), o ministério das finaças não sabia, mas o investidor que não tinha acesso a inside information sabia, era isso? Há 15 dias Carlos Costa e Mª Luís Albuquerque afirmavam na AR que BES era sólido, mas os investidores sabiam das tramoias todas, era isso? Fantástico.

    Groucho, eheheheh, V. é mesmo parvo. Se um dia tiver tempo e paciência posso-lhe dar algumas lições sobre investimentos.

  16. HO

    “HO, a sua ignorância, ao considerar que só agora os investidores em ações se aperceberam que o valor das ações se pode esfumar, como se isso nunca lhes tivesse sucedido, é avassaladora. Vá ler sobre o que aconteceu em 1987, em 2001 e em 2008, sff.”

    Os que aprenderam a lição nessas, e noutras, alturas, não estarão a reagir com fúrias de donzela histérica à implosão do BES. A minha nota, lateral ao essencial, foi para os outros – os que se esqueceram e os que nunca tiveram o ensejo de aprender.

    “sabiam, a sério? O BdP não sabia (apesar de saber mas não contar), o ministério das finaças não sabia, mas o investidor que não tinha acesso a inside information sabia, era isso? Há 15 dias Carlos Costa e Mª Luís Albuquerque afirmavam na AR que BES era sólido, mas os investidores sabiam das tramoias todas, era isso? Fantástico.”

    Obviamente que não sabiam, caso contrário não teriam investido. Mas tinham a obrigação de saber que não saberiam tudo e que o BES se poderia desmoronar e o investimento ser perdido – de resto a regra é válida para qualquer investimento em equity. Se não sabiam isso, talvez tenham aprendido.

  17. Maria João Marques

    Portanto, HO, acha que os investidores tinham obrigação de saberem que corriam o risco de o BdP descobrir que Salgado tinha montado uma fraude no GES e, mesmo assim, deixar que essa pessoa que organizou uma fraude continuasse à solta a gerir um banco? Pior: que o deixasse à solta informando-o que teria pouco tempo à frente do banco, o que evidentemente leva qualquer pessoa capaz de uma fraude a proteger os seus interesses à conta dos interesses de todos os outros? É por o país estar cheio de pessoas que acham estas coisas maravilhosas que o investimento não aparece e não vai aparecer.

  18. dervich

    Os poucos (quase nenhuns) investimentos que fiz na vida foi porque confiava nas pessoas/instituições, não foi porque tinha esperança que o BdP NÃO descobrisse as fraudes ou, se as descobrisse, que actuasse.

    É deprimente viver num país onde não deixam partir os mealheiros de desenrascados para tentar salvar o dinheiro das nossas férias nas Bahamas…lá teremos de ir para a Tailândia, ou pior, brincar aos pobrezinhos na Comporta…

  19. Maria João Marques

    Acho maravilhoso que toda a gente ache que eu estou a defender a minha posição acionista no BES. Não concebem que, por exemplo, esteja a reclamar os meus direitos sobre outros investimentos ou que esteja a exigir que o estado honre os seus compromissos, proteja os cidadãos (mesmo, cruz credo, os que investem dinheiro) e não minta continuadamente (sobre um banco ou sobre outra coisa). Deve ser a mentalidade do depósito a prazo.

  20. Daniel Marques

    Maria Joäo, explico outra vez de uma forma que espero seja mais facil de entender. A palavra chave é tambem. Nao penso que o Bdp nem a CMVM sabiam da extensao dos problemas do BES. Foram incompetentes mas enganados. Tambem nao penso que quem meteu dinheiro no BES sabia da dimensao dos problemas. Seriam completos idiotas. Foram tambem enganados mas tambem foram incompetentes. Sabiam da fraude contabilistica nas holdings do grupo com os mesmos administradores, sabiam dos problemas no BES Angola, sabiam das lutas internas dentro da familia e sabiam que o nome ES esta metido em tudo o que cheira mal neste pais. E ainda assim foram a correr dar o dinheiro ao Salgado.

  21. Maria João Marques

    Pois, Daniel Marques, a questão é que nenhuma das outras empresas e holdings dos ES estava sujeita à regulação e supervisão apertada que o BES (e o BESI), por ser um banco, estava. O que devia fazer toda a diferença, se o regulador levasse a sério o seu trabalho.

  22. HO

    “Portanto, HO, acha que os investidores tinham obrigação de saberem que corriam o risco de..:”

    Tenho pouca pachorra para argumentos strawman mas explico uma última vez. Tinham a obrigação de saber que a caução de reguladores e supervisores não garante a solidez das empresas em que investem ou a fidedignidade das informações financeiras. Tinham obrigação de saber isto: ‘a supervisão e regulação, por maiores e mais sofisticadas que sejam – e nenhum sector é mais regulado que o bancário-, são altamente falíveis. Quem pensa o contrário e tem por hábito colocar esperanças utópicas na regulação estatal é a esquerda, não a direita. Os reguladores terão sido enganados e provavelmente deveriam assumir responsabilidades – essencialmente por terem decidido deixar a raposa a tomar conta do galinheiro – mas isso não evitará a ocorrência de novos falhanços regulatórios no futuro. O problema é sistémico, não pessoal – e muito menos delimitado geograficamente.’

    E soubessem ou não, nada justificaria que o governo optasse por proteger investidores a expensas dos contribuintes. Isso sim, prejudicaria o investimento em Portugal, ceteris paribus.

    O corolário da tese da MJM, se é que alguma existe, de que os accionistas deveriam estar protegidos da incapacidade/incompetência dos reguladores (que está longe de ser um incidente único ou exclusivamente português), seria absurdamente onerosa para os contribuintes.

    Se o governo português começasse a fazer bail-out a investidores vítimas de administrações trapaceiras porque os reguladores e supervisores não agiram no tempo necessário para os proteger, o caminho para a falência – do país, não de um banco- seria muito curto.

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