O pote do provedor

imagesO mandato do actual provedor da Santa Casa da misericórdia de Lisboa só termina daqui a uns meses, mas Ribeiro Castro já se posiciona desesperada e desavergonhadamente para suceder a Santana Lopes. A vontade de se atirar a um dos potes mais atractivos do país é tanta que princípios básicos como a lealdade institucional, a honestidade e a integridade ficam para trás.

Nesta candidatura espontânea sob a forma de artigo de opinião no Público, Ribeiro e Castro não esconde ao que vem, relembrando que “o CDS teve dois provedores da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa” e que ele sempre defendeu a SCML “no Parlamento Europeu, sempre com sucesso, e como presidente do CDS”. Ele combateu os “interesses que se movimentam e prosperam no universo do jogo online” (sim, os mafiosos que acham que deve ser permitido jogar poker no computador com apostas mínimas de 50 cêntimos em vez de no Casino de Espinho com apostas mínimas de 50 euros) e até participou “com eurodeputados de outros países, em duas fragorosas derrotas que sofreram”. O senhor sabe pouco do assunto que comenta, e aparenta nem se ter dado ao trabalho de ler a proposta de lei que critica, mas sabe bem o tamanho do pote a que se está a atirar: “os jogos explorados pela Santa Casa proporcionam perto de 700 milhões de euros anuais de receita pública”. O senhor deputado pode estar descansado que o pote da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ergue-se à custa de jogadores mais velhos e com menos rendimentos, por oposição aos jogadores online que tendem a ser mais novos e com mais rendimentos.

O pote é grande, mas não suficientemente grande para incentivar o ilustre deputado a conseguir alinhar dois argumentos decentes por forma a disfarçar as verdadeiras intenções deste foguetório mediático que criou. Ou possivelmente será falta de capacidade intelectual para o fazer. Ribeiro e Castro começa a carta de apresentação a falar no caso da Suiça, esse “país democrático decente” (por contraposição a quê exactamente, senhor deputado?), como exemplo a seguir. Se naquele cantinho do CDS onde ele se coloca já existisse internet talvez ele tivesse descoberto que a Suiça tem neste preciso momento em consulta pública uma lei semelhante à que ele critica tão ferozmente e que o acesso a plataformas de jogo online estrangeiras é livre há muitos anos. Depois o deputado da Assembleia que anda há um mês a discutir o assunto diz que foi “há dias, surpreendido pela Proposta de Lei n.º 238/XII”. Sim, mais exactamente há 38 dias. A proposta está disponível há mais de um mês, mas o impreparado deputado deve ter andado ocupado a ajudar velhinhas a atravessar a rua em vez de fazer o trabalho para o qual foi, mal, eleito. Talvez apercebendo-se da fragilidade dos escassos argumentos que apresenta e da sua impreparação ele parece desculpar-se, dizendo que estivesse ele “na oposição e desancaria violentamente” no texto de lei. Como não está na oposição usa apenas a demagogia, a deslealdade e a desonestidade como armas de arremesso.

À falta de argumentos inteligentes, Ribeiro e Castro recorre às teorias da conspiração. Fala dos “interesses obscuros” por detrás do jogo online que “correspondem ao pior que possamos imaginar” e vão do “futebol” à “Goldman Sachs” (não, não estou a brincar, está lá) e penetraram tudo desde os governos Sócrates à Comissão Europeia. Ribeiro e Castro inclui ainda uma dupla referência a “escritórios”, de advogados claro está, que ao senhor a capacidade que lhe falta na hora de esgrimir argumentos, sobra na altura de atirar lama.

Não me deixaria de todo surpreendido que Ribeiro e Castro acabasse mesmo por assumir o cargo. Em Portugal, a falta de vergonha, a demagogia e a chantagem mediática costumam ser mais fortes do que mérito ou a competência. A concretizar-se, será mais uma vergonha para o governo e, principalmente, para o CDS.

18 pensamentos sobre “O pote do provedor

  1. tina

    Agora se percebe a jogada toda do senhor, uma grande falta de vergonha, um título de post muito adequado. Ribeiro e Castro é mais um daqueles exemplos da hipocrisia das pessoas devotas. Tal como a esquerda, os cristãos devotos apregoam uma coisa e fazem outra.

  2. Luís Lavoura

    um dos potes mais atractivos do país

    Ser provedir da SCML é um pote assim tão bom? O salário é elevado? Quanto é?
    Tem graça, nunca tinha ouvido falar de que esse cargo fosse especialmente bem remunerado.

  3. Dervich

    Estaremos pois em presença de um ódio de estimação, portanto. Talvez a referência a `escritórios de advogados` tenha algo a ver, mas, na verdade, não sei.

    De RIbeiro e Castro lembro-me que ficou à frente do partido quando outra pessoa quis chegar aos 10% mas mal passou dos 5%, com 4 deputados (partido do táxi).
    Poucos anos mais tarde essa pessoa quis voltar e disse a Castro `olha, sai lá daí que eu quero voltar, vais sair a bem ou a mal porque eu invento uma primárias ou coisa do estilo`…

    Portanto, não conheço Castro e não sei as suas intenções, mas não me espanta nada que se esteja a marimbar para o partido…ah, e como não vejo qualquer virtude nessa história do jogo online, posso também acrescentar que, genericamente, estou de acordo com o que ele escreveu.

  4. Carlos Guimarães Pinto, concordo com o que escreve, mas apenas a título de consciência, seria possível fazer um ‘disclaimer’? O Carlos não trabalha com nada ligado ao jogo online, pois não?

  5. Carlos Guimarães Pinto

    Surprese, não nada. Não estou ligado de forma nenhuma a emrpesas de jogo online.

  6. mggomes

    “ah, e como não vejo qualquer virtude nessa história do jogo online, posso também acrescentar que, genericamente, estou de acordo com o que ele escreveu”

    A velha pulsão esquerdista: querer proibir tudo aquilo de que não gosta!
    Típico.

  7. Luís Lavoura

    o pote da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ergue-se à custa de jogadores mais velhos e com menos rendimentos, por oposição aos jogadores online que tendem a ser mais novos e com mais rendimentos

    Isto é algo que está demonstrado por estudos objetivos ou é apenas uma educated guess do Carlos?

  8. Carlos Guimarães Pinto

    Foi feito um estudo nos EUA. As lotarias são conhecidas como um imposto sobre a pobreza (apareceu algures numa economist dedicada ao tema do jogo)

  9. Pingback: A hipocrisia da Direita da Sacristia | O Insurgente

  10. Relação entre jogadores de menores rendimentos e lotaria, nos EUA:

    Steven Levitt: “Think Like a Freak”, p.144 (versão electrónica).

  11. Euro2cent

    > Não estou ligado de forma nenhuma a emrpesas de jogo online.

    Acredito, sem cinismo, que escreve por uma questão de defender o que acha certo.

    Mas podia ter arranjado uma donzela mais formosa para defender. Não vejo que especial benefício o livre jogo a dinheiro traga ao país e aos portugueses, à parte permitir-lhes gastar dinheiro num vício – moralmente, o jogo sempre foi vicioso, não vale a pena pôr aspas – sem pagarem uma taxa virtuosa (à SCM).

    Não vejo vantagem nenhuma nisso, quer económica, quer moral. E já estou cansado dos argumentos de pureza ideológica – ah, é assim porque senão a nossa liberdade fica amolgada. Que se amolgue a liberdade, que eu não rezo a essa santa.

  12. ShakaZoulou

    Muitas pessoas gostam de jogar a dinheiro e apostar , portanto é justo que tenham a liberdade de poderem praticarem essas actividades se assim o entenderem.

  13. Euro2cent, existem duas abordagens possíveis: a utilitarista, que tenta prever qual o impacto de algo na sociedade, tentando maximizar o seu (presumivelmente bom) efeito social; e a de princípio, que atenta às políticas e às leis enquanto lei natural que derivam de princípios basilares. O que está aqui em causa é a liberdade de cada um jogar como e bem lhe entender, mas poderia ser a liberdade de cada um decidir como e onde trabalha ou se ou não pratica o mesmo credo que você. É transversal porque é uma questão de princípio. O que aqui você fez foi relembrar-nos o quão frágil e dúbia é a posição conservadora nestes assuntos da liberdade. Fez melhor do que um enorme ensaio sobre o assunto.

  14. Euro2cent

    > relembrar-nos o quão frágil e dúbia é a posição conservadora nestes assuntos da liberdade.

    Óptimo.

    A liberdade é um meio, não é um fim.

  15. É um meio para quê? Para mim, é o meio último para um objectivo último, a felicidade. Ora, a existir gente que gosta de moralizar os outros e ditar o que pode ser ou não ser feito, esse objectivo último é colocado em causa.

  16. Vasco Gama

    A liberdade permite a procura da felicidade (e é um meio nessa procura, embora muitos prefiram encara-la como uma finalidade em si mesmo).

    Já não se percebe o seu argumento, que parece sugerir que é a própria existência da moral (a tal que é atribuida aos que presumivelmente “gostam de moralizar os outros e ditar o que pode ou não ser feito”, embora existam outras maneiras de considerar a moral, que não se resumam a uma mera e arbitrária escolha individual) que coloca em causa a procura da felicidade.

  17. teresa saraiva

    Está tudo a discutir e a filosofar sobre o jogo, quando a questão inicial ( o cargo de Provedor da SCML) foi apenas o pretexto para uma manifestação incontrolada de ódio do Sr. Pinto ao Sr. Ribeiro e Castro, cujas razões o respeitável público desconhece e o Sr. Pinto não esclarece.

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