‘I didn´t do it!’

Andava há uns dias para escrever um post sobre este muito interessante artigo do Pedro Braz Teixeira e ontem, nem de propósito, recebi no facebook a assunção de culpas do PSOE pela atual crise em Espanha.

Dando primeiro um salto ao texto do Pedro na parte da culpa fora da política, levantam-se algumas questões muito pertinentes sobre a forma como os católicos – versus a dos judeus e a dos protestantes – lidam com a culpa. Não me espanta que a maioria das vezes suceda como o Pedro descreve, desde logo pelo modo como se organizam as confissões. Uma conversa de cinco minutos (que lá fora está uma fila de pecadores à espera) num confessionário, com um padre que não se conhece, sendo praticamente impossível contar contextos e consequências do que gerou a culpa, não me parece ser muito conducente à paz de espírito. Mas convém reconhecer que o objetivo de todo o processo não é ‘despachar’ a culpa. O sacramento da reconciliação existe para se transmitir o perdão de Deus – que é absoluto e infinito, e existe mesmo que o pecador não tenha pedido perdão ao ofendido ou que, tendo-o feito, este não tenha aceite o pedido de desculpas. Ou para quando o ofendido até tenha perdoado, mas o tenha feito com as suas limitações humanas. (Eu, por exemplo, sou generosa com muita coisa mas tenho de reconhecer que não sou muito generosa com o meu perdão; em certas circunstâncias especialmente graves, não existe – aliás, acho mesmo que ainda bem que temos o perdão divino, porque há quem não mereça o perdão humano – e, noutras, sou particularmente lenta a concedê-lo.) Assim, penso que a única forma eficaz de conseguirmos atenuar ou limpar a nossa culpa (ou perdoarmo-nos a nós próprios) é aceitar que Deus nos perdoa total e incondicionalmente. No mesmo sentido, um padre não tem qualquer poder nesta dispensa do perdão – que não é dele nem, sequer, da Igreja – e o melhor que faz, nestes casos de confissões de 5 minutos, é facilitar, que o perdão de Deus não é nada esquisito, e nunca dar sentenças sobre realidades que desconhece. (Diga-se também que uma confissão não tem necessariamente de se processar nestes moldes de linha de produção mecanizada).

Mas eu queria mesmo era chegar a este parágrafo: «Existe o preconceito na classe política portuguesa de que não se deve reconhecer erros nem pedir desculpa. Tenho a certeza que um político que o faça será muito mais considerado por isso e gozará de muito maior confiança, como alguém que tem a coragem de emendar a mão. Mas – atenção! -, tem de ser de uma enorme clareza, quer na assunção da responsabilidade pessoal, quer no pedido de desculpas. Uma vaga e redonda assunção de responsabilidade, remetendo isso, ainda por cima, para muitas outras pessoas, vale pouco

Concordo inteiramente. É sinal de uma democracia madura – conceito que inclui até a democracia espanhola, um tudo nada mais nova do que a nossa – a capacidade de os políticos tratarem os cidadãos como adultos e mostrarem que sim, sabem reconhecer quando erram, o que de resto dá a esperança de terem aprendido com o erro. Nos Estados Unidos, pedidos de desculpa por políticos eleitos são frequentes e nem os presidentes lhes escapam. Mas por cá, não. Nós somos terra de gente esclarecida, que sabe tudo e tem sempre razão – mal que está longe de afetar apenas Cavaco Silva – e que, mesmo perante a calamidade por si causada, continua a bradar a bondade da sua atuação. O caso mais patológico desta atuação foi, sem surpresa, josé sócrates. Qualquer decisão errada, qualquer previsão desmentida pela realidade, qualquer mentira evidente, qualquer falcatrua que aparecia associada ao nome do ex-pm, qualquer favorecimento a empresas amigas – e foram tantas de cada uma – e um extensíssimo etc., qualquer destes casos era tratado da mesma forma: insultos a quem levantava a questão, de ameaças aos jornalistas até retirada de publicidade das entidades públicas aos meios de comunicação desobedientes ao governo e processos a jornais e jornalistas, berraria defendendo a  bondade do que se fez, invenções de mais mentiras como justificação (recordo-me de sócrates afirmar, perante uns Júdite de Sousa e José Alberto de Carvalho embevecidos, que o endividamente externo se devia à questão energética mas que ele, progressista e ecológico, estava a tratar do assunto com a aposta nas energias renováveis) e colocação de culpas noutros (a oposição, a situação internacional, até os eleitores que não foram assisados o suficiente para darem nova maioria absoluta ao PS em 2009 foram os verdadeiros culpados da falência do país, que sócrates e o seu fiel PS fizeram tudo, tudinho bem, quando muito, se estiverem com espítito especialmente penitente, mudariam uma vírgula aqui e outra ali).

Não nos iludamos: muitos jornalistas e eleitores gostam desde estilo de políticos sem culpa – ou, de forma mais correta, sem responsabilidade – e tenho lido muito boa gente do lado do PSD defendendo este caminho (ainda há pouco, no caso de Pais Jorge). Este gosto deve estar ligado à apatia de décadas face a uma ditadura, à falta de qualificações, à iliteracia e a outros fatores igualmente saudáveis. A boa notícia é que este gosto tenderá a desaparcer. E, para mim, um dos sintomas do seu esvaziamento, curiosamente, vê-se na recusa dos cidadãos em gastarem o seu dinheiro com a parte da imprensa engajada que gosta de ser tratada como uma criança.

3 pensamentos sobre “‘I didn´t do it!’

  1. Vivendi

    “Este gosto deve estar ligado à apatia de décadas face a uma ditadura”

    A Maria João Marques é cá uma estudiosa do passado… para andar a fazer comparações morais mas que no fundo sabemos que são construídas na mentira.na melhor das hipóteses na sua intuição.

    Estude mais um pouco antes de opinar.

  2. Tiro ao Alvo

    Pelo que se vê, os socialistas espanhóis estão-se preparando para voltarem a ser governo. É justo. Os nossos, por cá, ainda estão muito atrasados.

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