a partidocracia falhada

“(…) Desde que exista, à partida, vontade e espírito de cooperação entre os partidos que subscreveram o Memorando de Entendimento, e desde que estes coloquem o interesse nacional acima dos seus próprios interesses, creio que não será difícil definir o conteúdo em concreto desse entendimento”, Cavaco Silva (via DE)

Na sequência do discurso de ontem à noite, há uma pergunta acerca da qual eu me tenho interrogado e que ainda não vi respondida: na solução de Cavaco, quem ganha? Ora, a resposta parece-me muito simples: com esta solução, ninguém ganha. Na realidade, todos parecem perder: Passos e Portas (porque, na prática, o seu Governo deixou de ter condições mínimas), Seguro (porque terá de abdicar da exigência de eleições antecipadas), o PCP e o BE (porque foram totalmente desconsiderados, e qualificados de politicamente irrelevantes), e em última instância o próprio PR (que dificilmente conseguirá compor um Governo de iniciativa presidencial com solidez suficiente para aguentar até Junho 2014). É, por isso, que a solução de Cavaco – que nesta fase, pelo menos sem novos desenvolvimentos, é mais inacção que acção – acaba por ser pior a emenda do que o soneto.

Contudo, no meio de tudo isto, há uma coisa boa no discurso do Presidente da República que merece ser valorizada: foi definido um limite ético e moral na condução e na liderança da política partidária, que os eventos da semana passada demonstraram estar esquecido. Por outras palavras, Cavaco fez saber que os acontecimentos da semana passada, marcada pela intriga partidária e pelo “brinkmanship” – e que resultaram numa solução em que, na prática, o PM passaria a vice PM e o vice PM a PM de facto -, não são aceitáveis. É sempre bom não esquecer que há uma nobreza mínima que tem de ser observada na política, em especial às lideranças partidárias, e o PR fez muito bem em recordar isso mesmo. O problema, e que se sente em particular nesta nossa partidocracia falhada, da qual Cavaco Silva faz integralmente parte, é a indefinição e o impasse que, neste momento de dificuldade histórica, essa mesma exigência, entretanto, implicará…A falência de Portugal – financeira, económica, e agora também política – é, em boa parte, consequência do falhanço de uma democracia refém dos partidos, é consequência do falhanço da partidocracia.

5 pensamentos sobre “a partidocracia falhada

  1. JP

    “dificilmente conseguirá compor um Governo de iniciativa presidencial com solidez suficiente para aguentar até Junho 2014”

    Pareceu-me que a tal iniciativa é para a governação posterior, de médio prazo. De regras a respeitar por quem vier a governar, seja quem for, para que Portugal não afunde (endividamento, reformas estruturais, etc). Não para a governação até meio de 2014. Foi assim que entendi – o governo actual continuaria exactamente como está.

  2. Pingback: À nossa custa (2) | O Insurgente

  3. FilipeBS

    Muito bom post. De facto, a partidocracia falhou redondamente. Após 40 deste regime baseado essencialmente em 3 partidos, e com a actual geração de protagonistas políticos, não é preciso esperar mais tempo para ver que o sistema de facto não funciona e arruína o país. Esta ideia, que paramim é já óbvio há 10 anos ou mais, começa finalmente a ser mais consensual. A grande, grande questão, é: o que poderia substituir este sistema? O sistema tem capacidade para se reformar por dentro? E se não, que forças externas ao actual sistema político poderiam impor uma mudança? Existem? Dúvido. E a existirem, quem nos garante que a solução imposta é boa?
    Isto tudo para concluir que o país parece-me mesmo condenado a afundar-se cada vez mais e mais, sem saída possível.

  4. Pingback: falência política | O Insurgente

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.