As primeiras vezes ignorei, mas depois de ver este post no Facebook umas cinco vezes e que já vai em 13.982! shares (só enquanto escrevia este post fizeram-se mais uns 20) achei por bem fazer uma pequena investigação usando a maravilhosa ferramenta que dá pelo nome de Google.
Então, comecemos pelo post em causa que diz o seguinte:
“Tenho uma triste notícia para dar aos comentadores e analistas políticos:
Podem todos passar a dedicar-se à agricultura, porque António Costa, em menos de 3 minutos, disse tudo, na “quadratura do círculo”.
E aqui está textualmente o que ele disse (transcrito manualmente):
“A situação a que chegámos não foi uma situação do acaso. A União Europeia financiou durante muitos anos Portugal para Portugal deixar de produzir; não foi só nas pescas, não foi só na agricultura, foi também na indústria, por ex. no têxtil. Nós fomos financiados para desmantelar o têxtil porque a Alemanha queria (a Alemanha e os outros países como a Alemanha) queriam que abríssemos os nossos mercados ao têxtil chinês basicamente porque ao abrir os mercados ao têxtil chinês eles exportavam os teares que produziam, para os chineses produzirem o têxtil que nós deixávamos de produzir. E portanto, esta ideia de que em Portugal houve aqui um conjunto de pessoas que resolveram viver dos subsídios e de não trabalhar e que viveram acima das suas possibilidades é uma mentira inaceitável. Nós orientámos os nossos investimentos públicos e privados em função das opções da União Europeia: em função dos fundos comunitários, em função dos subsídios que foram dados e em função do crédito que foi proporcionado. E portanto, houve um comportamento racional dos agentes económicos em função de uma política induzida pela União Europeia. Portanto não é aceitável agora dizer… podemos todos concluir e acho que devemos concluir que errámos, agora eu não aceito que esse erro seja um erro unilateral dos portugueses. Não, esse foi um erro do conjunto da União Europeia e a União Europeia fez essa opção porque a União Europeia entendeu que era altura de acabar com a sua própria indústria e ser simplesmente uma praça financeira. E é isso que estamos a pagar!
A ideia de que os portugueses são responsáveis pela crise, porque andaram a viver acima das suas possibilidades, é um enorme embuste. Esta mentira só é ultrapassada por uma outra. A de que não há alternativa à austeridade, apresentada como um castigo justo, face a hábitos de consumo exagerados. Colossais fraudes. Nem os portugueses merecem castigo, nem a austeridade é inevitável.
Quem viveu muito acima das suas possibilidades nas últimas décadas foi a classe política e os muitos que se alimentaram da enorme manjedoura que é o orçamento do estado. A administração central e local enxameou-se de milhares de “boys”, criaram-se institutos inúteis, fundações fraudulentas e empresas municipais fantasma. A este regabofe juntou-se uma epidemia fatal que é a corrupção. Os exemplos sucederam-se. A Expo 98 transformou uma zona degradada numa nova cidade, gerou mais-valias urbanísticas milionárias, mas no final deu prejuízo. Foi ainda o Euro 2004, e a compra dos submarinos, com pagamento de luvas e corrupção provada, mas só na Alemanha. E foram as vigarices de Isaltino Morais, que nunca mais é preso. A que se juntam os casos de Duarte Lima, do BPN e do BPP, as parcerias público-privadas 16 e mais um rol interminável de crimes que depauperaram o erário público. Todos estes negócios e privilégios concedidos a um polvo que, com os seus tentáculos, se alimenta do dinheiro do povo têm responsáveis conhecidos. E têm como consequência os sacrifícios por que hoje passamos.
Enquanto isto, os portugueses têm vivido muito abaixo do nível médio do europeu, não acima das suas possibilidades. Não devemos pois, enquanto povo, ter remorsos pelo estado das contas públicas. Devemos antes exigir a eliminação dos privilégios que nos arruínam. Há que renegociar as parcerias público–privadas, rever os juros da dívida pública, extinguir organismos… Restaure-se um mínimo de seriedade e poupar-se-ão milhões. Sem penalizar os cidadãos.
Não é, assim, culpando e castigando o povo pelos erros da sua classe política que se resolve a crise. Resolve-se combatendo as suas causas, o regabofe e a corrupção. Esta sim, é a única alternativa séria à austeridade a que nos querem condenar e ao assalto fiscal que se anuncia.”
Ora bem, uma pesquisa rápida revelou que a parte inicial da transcrição acima foi retirada efectivamente da Quadratura do Círculo (de 29-11-2012). No entanto, a parte que foi dita pelo António Costa termina em “E é isso que estamos a pagar!”. Podem ver os minutos finais da Quadratura do Círculo onde o António Costa profere essas palavras aqui. A parte a seguir que começa com “A ideia de que os portugueses são responsáveis pela crise” é uma cópia integral de um artigo de opinião do Paulo Morais no Correio da Manhã em 16 de Outubro de 2012 intitulado “A culpa é do polvo” e nada tem a ver com o António Costa.
A Internet é pródiga na propagação deste género de coisas, e as pessoas serão sempre muito crédulas quando ouvem o que alguém diz o que elas querem ouvir (Artur Baptista Silva… hello?).
Não obstante, vou tecer alguns comentários sobre as declarações efectivamente da autoria do António Costa:
- A decisão de Portugal se juntar a CEE (na altura) foi uma decisão dos governantes políticos portugueses da altura. Coube aos governantes portugueses negociar a adesão, avaliar os prós e os contras e decidir aderir ou não. Portanto, realmente não foi ao acaso. Foi uma decisão dos decisores políticos da altura.
- Não tenho dados para comentar o “desmantelamento” da industria textil em Portugal, embora tanto quanto saiba ainda parece ser um sector com expressão. De qualquer maneira, a abertura dos mercados parece-me positiva. Afinal de contas, abre também o caminho às exportações portuguesas e beneficia os consumidores portugueses.
- A orientação dos investimentos públicos e privados foi ultimamente uma decisão da responsabilidade política (no caso dos investimentos públicos) e uma decisão de negócio (no caso dos investimentos privados). É a mesma coisa que dizer que a empresa que fez uma promoção de um determinado produto é responsável por eu me ter endividado para comprar esse mesmo produto.
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“Agora eu não aceito que esse erro seja um erro unilateral
dos portugueses” – hmmm… quando se refere aos portugueses estará a referir-se ao cidadão comum ou aos governantes portugueses?
- “União Europeia entendeu que era altura de acabar com a sua própria indústria e ser simplesmente uma praça financeira. E é isso que estamos a pagar” – está-se a referir à Alemanha? Sem mais comentários…
Finalmente, onde é que o António Costa andou estes anos todos?…