Obama: “A Mudança Em Que Podemos Acreditar”

O melhor que pode acontecer hoje é a vitória de Barack Obama. Não que vá fazer uma diferença substancial em termos de políticas internas ou externas, mas porque em política o simbolismo é de enorme importância. Considero que os EUA estão em progressivo declínio, isto é, estão a entrar no “verão indiano” da sua existência como projecto e ideal social. Os americanos, um produto de europeus que se juntaram e formaram um ideal noutra terra foi sustentado devido às suas características intrínsecas como povo com um desígnio de construção. Esse desígnio teve tanto sucesso que os levou a pensar que eram os valores e não as pessoas específicas que criaram esse mesmo sucesso. Assim, tornaram-se o polícia militar e ideológico do mundo, e ao mesmo tempo declararam-se universalistas internamente. Disseram que a América não era mais um projecto de um determinado povo (europeu), era sim um projecto universal, para todos, individualista e sem barreiras. Os efeitos fizeram-se sentir na demografia: nos anos 60 os euro-americanos eram mais de 90 porcento da população; agora são apenas 60 e pouco % da população e estima-se que serão uma minoria populacional em breve. OS EUA estão mais divididos e segregados que nunca e os milagres dos valores americanos que fizeram o sucesso americano já não conseguem colar estas novas pessoas com afiliações tão díspares. Esta lógica, diz-nos a história, irá terminar com a fragmentação etno-cultural da America em regiões, e com isto virá o fim da ideia de “América excepcional” que todos nós conhecemos.

Como europeu que observa um projecto falhado e irrecuperável, considero que esta fragmentação deve vir preferencialmente antes do que depois. O simbolismo de um não-europeu no poder poderá ser a melhor forma de acelerar o processo.

30 pensamentos sobre “Obama: “A Mudança Em Que Podemos Acreditar”

  1. asrl

    Ás vezes até faz jeito classificarmo-nos de europeus, queria dizer brancos não era? Ou será então que o demos europeu sempre existiu?
    De qualquer forma, tendo em conta essa lógica de voto tático, presumo então que o PCP seja a sua escolha para o libertarianism chegue mais rápido ao poder, não é?

  2. António

    É engraçado…estão sempre a bradar contra a Europa, que a Europa é algo forçado…que o que é bom são os tradicionais e diversas nacionalidades, com as suas especificidades e autonomias culturais etc…

    Mas depois, como neste post, já são os “europeus” e os “não europeus”…

    Haja eurocentrismo…

  3. A. R

    Se Obama ganhar a sua Irmandade muçulmana e a CAIR vão tomar conta das instituições que o soba queniano gere.

  4. Sérgio Alves

    A atracção pela profissão de oráculo é grande para qualquer um. Gosto mais do que escreve sem essa dependência.

  5. Euro2cent

    Já agora, o “indian summer” em português chama-se Verão de S.Martinho. Tem a vantagem de não ter a conotação depreciativa (indio de falsas promessas) do inglês, lingua aliás useira e vezeira na coisa, desde “welching” a “Dutch courage”.

    (Estou um bocado farto das traduções a pontapé que abundam na nossa imprensa, a começar pelo “massivo”, que nunca foi palavra que se usasse nesta terra.)

  6. Luís Lavoura

    Euro2cent, boa correção.
    Já agora, o Verão de S. Martinho é um fenómeno bem mais acentuado na costa leste norte-americana do que cá. Em novembro as temperaturas lá ficam muito amenas. Só no princípio de dezembro é que, de repente, as temperaturas descem brutalmente.

  7. “Projeto falhado” – projecto de quem, falhado em quê? A América acaba de nos dar mais uma grande demonstração das suas grandes virtudes democráticas. A democracia é isto mesmo, umas vezes escolhemos bons líderes outras não.
    O grande exemplo histórico e único da América é que apesar do seu poderio económico-militar nunca quis ser um império predador dos outros povos do tipo a que estavamos habituados no passado.

  8. José António Salcedo

    A América tem dado e continuará a dar muitas lições importantes ao mundo. Uma delas é a capacidade de aprender com os erros do passado; outra, sem dúvida, é a generosidade do “melting pot” que a sua sociedade é; outra ainda, é o valor de correr riscos para que cada pessoa se esforce por construir a vida com que sonha e que quer ter. Para a Europa – ainda tão estratificada e racista – estes ensinamentos são mais importantes do que nunca e teriam grande impacto se os conseguíssemos incorporar na nossa forma de ser e de actuar. Temos muito a aprender uns com os outros.

  9. Luís Lavoura

    Não posso deixar de lamentar que num blogue que se pretende liberal seja aceite um autor tão claramente iliberal, etnocentrista e chauvinista como o Filipe Faria.
    Uma pedra básica do liberalismo é a liberdade de movimentação das pessoas, a liberdade de migração, e a não distinção das pessoas de acordo com princípios étnicos ou outros. Claramente, o Filipe Faria não aceita essa premissa básica do liberalismo.

  10. Miguel A. Baptista

    Caro Filipe,

    A sua análise comporta riscos mas é uma análise corajosa. Não a subscrevendo totalmente aprecio que tenha tido a coragem de a fazer. Salvaguardando as regras da convivência e não-agressividade (que o Filipe fez) não devemos auto-censurar-nos demasiado nem criar polícias para o pensamento. Na sociedade actual ser livre-pensador é tanto mais raro como mais necessário e higiénico.

    Continue a ser livre.

    Miguel A. Baptista

  11. jhb

    @14,

    O liberalismo é uma criação de homens brancos endinheirados, com base na proteção da propriedade (a deles) e no direito natural (a lei da selva/a lei do mais forte).
    Quer algo mais “iliberal, etnocentrista e chauvinista” que o liberalismo?…

  12. Paulo Pereira

    Não entendi como o autor pode afirmar que os EUA estão em declinio, quando continuam com um PIB altissimo , desemprego médio e um poder militar imenso, e instituições que funcionam bastante bem.

  13. ssantos

    Filipe Faria continua a modificar os factos para que possam encaixar nas suas teorias. Diz ele:”Esse desígnio teve tanto sucesso que os levou a pensar que eram os valores e não as pessoas específicas que criaram esse mesmo sucesso.”, e, acrescenta: “Assim, tornaram-se o polícia militar e ideológico do mundo, e ao mesmo tempo declararam-se universalistas internamente”. Na verdade foi o contrário que se passou. Os americanos convenceram-se de que o importante para o seu sucesso tinha sido o povo, aliás, como os britânicos (Hayek contava que se tinha encontrado com Churchill depois de ter publicado “O Caminho para a Servidão”, e que este lhe tinha dito que o livro era bom mas que não havia motivos para preocupação porque os cenários descritos no livro “would never happen in England”), e não os seus valores (liberdade e responsabilidade individual, respeito pela tradição). A prova disso é que o apoio popular ao progressismo norte-americano data dos finais do século XIX e é concomitante com o apoio dessas mesmas massas às politicas segregacionistas. Só na 2ª metade do século XX é que a população branca (que há muito tempo apoiava o intervencionismo interno e era menos reticente ao intervencionismo externo) passa a ter uma postura mais aberta às outras raças. O declinio das liberdades e do dinamismo económico na América começa no final do séc XIX (ex: «Jingoism», criação da Reserva Federal, Lei Seca, Grande Depressão, as medidas de «gun control» tomadas por Roosevelt, a proibição do cidadão possuir ouro, etc) e não com o movimento pelos direitos civis.
    A verdade é que os valores é que são importantes e que teria sido bom se os americanos tivessem tido essa perspectiva. As teorias de F. Faria sobre as “qualidades intrínsecas” são extremamente falaciosas. Se o importante para o sucesso é a raça, como é que explica as imensas disparidades de desenvolvimento existentes na Europa pré-imigração de massa? Como é que explica que países extremamente atrasados no passado, tenham progredido tanto com a adopção gradual de valores liberais e sem terem recebido qualquer “injeção de sangue branco” ?

  14. jsp

    Grandes e festivas comemorações em Pequim e Moscovo.
    Ganharam – e em definitivo.
    Convirá agora, nesta reduzida península asiática, que a Prússia e o Czar estabeleçam um “modus vivendi” duradouro.
    Os acasos do acaso depararam-lhes uma conjuntura ( quase) milagrosamente favorável nas figuras da pequena “imigrante” dos arredores de Leipzig e do já distante rapazote de S.Petersburgo.
    A ver as consequências que isso vai ter do Reno para cá…

  15. Lucas

    Transtorno Obsessivo Compulsivo. Mania das arrumações. Tudo deve estar muito bem arrumadinho. Cada povo arrumadinho no seu país, cada cultura arrumadinha no seu povo, o dinheiro arrumadinho no cofre, a dívida arrumadinha no socialismo. Com misturas é uma confusão. É a implosão ou a explosão. O declínio. E não é que acertarão sempre!? Porque isto de estar vivo sempre acabou mal. é apenas uma questão de tempo. Para a América, para o Filipe e para seja o que for.

  16. Filipe,

    Embora seja verdade que a América foi construida por europeus, a tua tese deixa de lado aspectos cruciais que a ser incorporados tornam evidente as suas falhas.

    Em primeiro lugar, não foram uns europeus quaisquer que foram para a América. Numa primeira fase foram europeus inadaptados que por razões diversas, políticas ou religiosas, não estavam bem (para não dizer que alguns corriam risco de vida) na Europa. A sua motivação para ir, por isso, fez da América uma terra diferente; uma terra motivada por ideias e não por acidentes de geografia ou nascimento. Numa segunda fase, surgiram então os imigrantes económicos, à procura das oportunidades geradas pelo entorno constitucional criado pelos primeiros. Mas de uma forma ou de outra, a excepcionalidade americana prende-se mais com a vontade de ir para lá do que com a origem das pessoas. O que torna a América única é que foi contruída por pessoas que queriam ser “americanas”. Muitos europeus emigraram também para o Brasil, Argentina, etc, e não é por serem europeus que fizeram desses países algo minimamente semelhante aos EUA. Poderíamos aqui especular que se tratava de uma questão de diferença entre católicos e protestantes, sendo as Américas do sul e norte dominadas respectivamente por cada um dos grupos religiosos, mas o sucesso dos católicos nos EUA desmentiria à partida tal hipótese.

    Em segundo lugar, a dicotomia europeus vs não europeus não é mutuamente exclusiva e colectivamente exaustiva. O sucesso de integração de imigrantes não se limita aos primeiros. Onde cabem os asiáticos na tua tese? Como explicar os sucessos recentes de indianos e vietnamitas, por exemplo, comparando com o insucesso relativo de alguns grupos latinos que imigraram nos anos 60 (p.ex. porto-riquenhos)? Parece-me que explicações pragmáticas relativamente à possibilidade que foi dada a estes últimos de serem educados em espanhol (políticas das administrações democratas de Kennedy e Johnson), atrasando a sua integração, são muito mais verosímeis.

    Por fim, a ideia de que as “minorias” são democratas e os republicanos são homens brancos velhos não é correcta, mesmo que seja verdade que mais de metade dos homens brancos velhos sejam republicanos. A divisão da América é realmente grande e estridente; e até é em grande parte exacerbada por radicais de ambos os lados. Mas não é passível de uma análise colectivista ao ponto de falar em fragmentação regional. Especialmente porque o grupo étnico mais possível de geral algo do género, os hispânicos, não é assim tão homógeneo (apesar dos republicanos serem ferozmente anti imigração ilegal, atraem mais de um terço do voto hispânico, em geral, e em alguns locais até a maioria). A divisão na América é mais política que étnica. E são tão “europeias” as políticas à esquerda dos democratas como os valores conservadores da constituição. (Até se poderia argumentar que são muito mais “europeias”, dado o efectivo excepcionalismo dos valores conservadores americanos que quase não têm equivalente na Europa…)

  17. Pisca

    A América foi feita por Europeus, ou seja por exemplo, o caminho de ferro “derreteu/queimou/matou”, milhares e milhares de chineses importados em conjunto com “outras matérias primas”, mas como o capataz/patrão/dono/investidor/gestor era branco e falava inglês, foi feito por um “Amaricano” é assim ?

    Entendi-te !!!!

  18. São tempos difíceis, muito em particular para o Ocidente. Mas cantar o declínio inexorável da América parece-me manifestamente exagerado.
    E não sendo eu um liberal, parece-me um tanto ou quanto redutor este exercício de ancoragem do liberalismo à geografia ou condição europeia. Isso faria do liberalismo um sistema fechado, ou tão-só professado por pessoas de condição/herança europeia, à imagem e semelhança do judaísmo, não?

    PS. Se o Romney tivesse ganho,também brindados com o canto do Filipe acerca da decadência da América?

  19. “A divisão na América é mais política que étnica. E são tão “europeias” as políticas à esquerda dos democratas como os valores conservadores da constituição.”

    A divisão é política mas também étnica, não há como escamotear esse facto: os negros votam maciçamente democrata, a imensa maioria dos hispânicos tb, excepção feita ao segmento dos cubano-americanos. E o GOP é o partido dos homens brancos, estatisticamente falando. Por este caminho só sobrará o “Old” 😉

  20. Pingback: EUA: melting pot ou projecto em vias de colapsar ? « O Insurgente

  21. jhb

    @24,

    O que é que o racismo tem a ver com esses dados?

    O facto é que o Obama apostou no centro/esquerda e nas classes médias e baixas e o Romney na direita/ extrema direita e classes altas. Agora pega nisto e vai ver em quais destas categorias caem os brancos, os pretos, os latino-americanos e os asiáticos…

  22. A minha experiência da América não encaixa com a visão catastrófica de decadência cultural que o Filipe aqui apresenta, mas de facto, não deixa de ser uma percepção empírica e muito limitada geograficamente, pois a minha exposição tem sido apenas às costas leste e oeste, e mesmo assim, a meia dúzia de Estados. Dou o benefício da dúvida a quem reconheço seriedade intelectual e cuidado na exposição das suas ideias. Acho que é um tema a explorar e a acompanhar, pois a ser verdade, nos próximos anos haverá impactos.

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