Os Balcãs e a intolerância religiosa

A destruição de igrejas ortodoxas no Kosovo, aqui apontada pelo Rui Carmo, e que já vem de longe, é um dos desastres culturais do nosso tempo. O Kosovo era o centro da vida política e cultural do império Sérvio entre os séculos XII e XIV, e muitas das igrejas e mosteiros destruidos faziam parte dessa herança cultural. A destruição desses símbolos do império Sérvio foi apenas mais um capítulo do círculo vicioso de ódio nos Balcãs, e em especial no Kosovo. Um dos episódios mais sagrentos deste ciclo começou a ser construído no século XIV, quando o apoio de populações sérvias entretanto convertidas ao Islão determinou a derrota na batalha de 1389 no Kosovo, uma das derrotas mais humilhantes da história da Sérvia. O Kosovo viria apenas a ser reconquistado já no século XX, mas nem essa reconquista permitiu que os muçulmanos bósnios deixassem de ter fama de traidores. Foi contra esse povo que seiscentos anos mais tarde, em 1995, as tropas de Mladic haveriam de levar a cabo o genocídio de Srebrenica, vingando-se sobre os descendentes dos traidores de 1389.
A culpabilização de toda uma comunidade religiosa pelas acções de alguns contribui para prolongar a exclusão e o sentimento de injustiça e o rancor, sendo um motor de radicalização. Eu não tenho ilusões de que o ciclo de violência e destruição terminará no curto prazo, mas não darei o meu contributo indivdual para o prolongar.

8 pensamentos sobre “Os Balcãs e a intolerância religiosa

  1. Carlos Guimarães Pinto

    Certo, esse episódios e muitos mais. Mas a batalha de 1389 nunca saiu da memória dos Sérvios. Aliás, essa batalha ainda é hoje celebrada na Sérvia.

  2. Miguel Noronha

    Sim. É considerado o momento fundador da Sérvia sendo o Kosovo o seu berço. (O que não deixa de ser irónico dado que se tratou de uma derrota). Mais uma vez se pode verifica que a secessão do Kosovo é bastante problemática.

  3. Carlos M. Fernandes

    É a primeira vez que ouço falar de muçulmanos bósnios a terem algum peso na batalha do Kosovo (1389), até porque Sofia só foi conquistada em 1385 e só depois é que os reinos sérvios foram seriamente ameaçados, ficando a Bósnia livre do Imperio Otomano durante mais algumas décadas. Tens alguma referência sobre isso?

  4. Carlos Guimarães Pinto

    Carlos, eu retirei a referência ao contributo de sérvios convertidos ao Islão na batalha de 1389 deste livro ( http://www.bertrand.pt/ficha/cultura?id=70453 ). A ligação desses com os bósnios de Srebrenica também. Sendo verdade que a conversão em massa só viria a acontecer no século seguinte, o Império Otomano já teria conseguido converter alguns ao Islão e incorporá-lo no exército turco.

  5. Carlos M. Fernandes

    Certo. Talvez das províncias sérvias mais remotas. Mas a verdade é que nunca li qualquer comentário sobre isso, ou não me lembro.

  6. jose mota

    “….uma comunidade culpabilizada pelas acções de alguns “…eu acrescentaria de alguns poucos ou talvez pela acção do zé do isqueiro. Como se o que se passa no kosovo fosse um caso isolado e não uma estratégia concertada usada em todos os países muçulmanos para diminuir e reduzir à insignifiância qualquer minoria. Infelizmente, as igrejas, templos hindus e sinagogas queimadas são a imagem de marca de uma comunidade religiosa, a tal que diz que é a única e do deus verdadeiro Alá Akbar.Só não vê quem não quer.

  7. João Branco

    Penso que existiram bastantes sérvios que não participaram na batalha do lado sérvio (ver a Kosovo Curse) mas não tenho a certeza que as razões tenham sido na altura maioritariamente religiosas. O império sérvio estava sem liderança central (o principe que comandava as tropas era apenas o governante do maior principado sérvio da altura) e portanto provavelmente muitos outros governantes retrairam-se. Não difere muito da situação aquando da invasão da Grécia por Xerxes…

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.