cortar prémio injusto ou tributar tudo e todos?

“Segundo estudos do Banco de Portugal, os funcionários públicos auferem entre 10% e 20% de remuneração superior à iniciativa privada. No entanto, são os que estão nas funções de baixas qualificações que ganham mais, o que se inverte ao longo da hierarquia. Ou seja, quanto “pior” se é, mais se ganha face às empresas; quanto “melhor” se é, pior se ganha comparando com a iniciativa privada. Esta disfunção salarial é conhecida e não é resolvida, antes agravada, por este corte de salários cego. Quem mais ganha terá um corte superior a quem menos ganha, o que sendo socialmente justo, alarga o fosso face à iniciativa privada. O incentivo para sair da Função Pública (ou para baixar os braços) é agora grande e aqueles que o poderão fazer são os melhores. Há quem ache que são todos malandros e portanto é correr com eles. Essa sanha é míope: a desvalorização da Função Pública tem sido um pecado contra o Estado quase tão grande quanto foi a engorda do número dos seus quadros (…) Não havia alternativa a medidas com este alcance. Mas havia outras medidas possíveis. Teria sido melhor um imposto extraordinário sobre todos os rendimentos e sobre todo o património. É polémico, claro, mas não menos do que cortar salários à Função Pública.”, Pedro Santos Guerreiro, director do Jornal de Negócios.

Meus caros, tenho muita estima pelo Pedro Santos Guerreiro, mas hoje discordo em absoluto da sua crónica. E passo a explicar porquê.

Primeiro, segundo o Documento de Estratégia Orçamental divulgado há semanas por Vítor Gaspar, e que a proposta do Orçamento de Estado para 2012 deverá hoje confirmar, a estimativa oficial para a carga fiscal em Portugal no próximo ano aponta para 42% do PIB! Portanto, no próximo ano (e em 2013 também) estaremos mais de cinco pontos percentuais acima da média da OCDE. A introdução de mais um novo imposto seria insustentável.

Segundo, entre aqueles que reconhecem os números relevados no estudo do Banco de Portugal, há quem aponte, em alternativa a um novo imposto, a redução selectiva dos salários na Função Pública, sempre e onde se encontrarem prémios injustificados face ao sector privado. Esta, dizem-nos, é que seria a medida inteligente; um corte cego, pelo contrário, é estúpido. Ora, sendo certo que, quiçá, fosse a medida 100% justa, uma redução selectiva agravaria, infelizmente, a desigualdade social. Porquê? Porque é nos salários dos não licenciados e nos salários das funções onde quase só o Estado é que emprega que, na Administração Pública, se concedem maiores prémios salariais injustificados. Ou seja, ao reduzir-se selectivamente os vencimentos daqueles que menores probabilidades de sucesso teriam alternativamente no sector privado, aumentar-se-ia a iniquidade, incendiando, agora, a própria classe dos Funcionários Públicos.

Em suma, perante a existência de um prémio salarial injustificado a favor do Estado que, com a excepção óbvia dos sindicatos e dos fanáticos de esquerda, é reconhecido por todos, a pior coisa seria o Governo ignorá-lo ou, pior ainda, corrigi-lo através de regimes de excepção criando no processo outra iniquidade, desta feita dentro da própria classe. Mas, enfim, felizmente, no meio de toda esta discussão acerca dos Funcionários Públicos, há um aspecto que é de realçar: de uma forma ou de outra, creio que todo o País já percebeu a idiotice que é manter a proibição de despedir na Função Pública…

Ps: O estudo do Banco de Portugal (“Wages and Incentives in the Portuguese Public Sector”), que subitamente toda a gente parece ter descoberto, foi publicado em Julho de 2009. É, pois, uma pena que, dadas as suas conclusões e o facto de en su dia alguns comentadores terem alertado para a sua existência, nunca ninguém na sociedade civil nem na política (nem mesmo o PSD que agora o considera muito conveniente) o tenha referido a tempo e horas. E como o nosso povo também não quer saber destas coisas, parte desse povo está agora estupefacto.

9 pensamentos sobre “cortar prémio injusto ou tributar tudo e todos?

  1. Luís Lavoura

    Segundo já li algures, esse estudo do Banco de Portugal não é muito rigoroso, na medida em que não tem em conta as qualificações académicas dos trabalhadores, que na Função Pública são em média superiores às do setor privado, o que, segundo algumas pessoas, justificaria os maiores salários praticados na Função Pública.

    O Ricardo concorda?

  2. Ricardo Arroja

    Caro Luís,

    O estudo em causa considera especificamente esse elemento que menciona. O prémio está normalizado pelo grau de qualificações. Mas leia o estudo porque vale a pena.

  3. Luís Lavoura

    Migas, eu não opinei nada. Referi uma objeção que algumas pessoas colocam a esse estudo e perguntei ao Ricardo se essa objeção faz sentido. Não emiti qualquer opinião sobre o assunto.
    Não tenho tempo para ler o estudo, por isso pergunto a quem já o fez (o Ricardo, neste caso).

  4. Ricardo Arroja

    Luís,

    De acordo com esse estudo do BdP, na Função Pública 50% dos funcionários são licenciados enquanto que no Sector Privado essa leitura baixa para apenas 10% do respectivo total.

  5. Lusitânea

    O Gaspar ir buscar as tabelas salariais do Salazar e introduzir-lhes um coeficiente corrector que eliminaria todas as discrepâncias introduzidas pelas corporações durante todas as “lutas” e “corrupções”, nomeadamente nos “gestores” é que está quieto…
    Quanto tardará a vir um regime que o faça?

  6. Pingback: Sobre os “estudos” salariais do economista Eugénio Rosa « O Insurgente

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