A liberdade de saber

É irrelevante a motivação dos responsáveis da Wikileaks. Apenas importa saber se o que revelam é verdadeiro ou falso, e até agora nada foi desmentido.

O efeito das fugas é a sociedade ficar a saber os segredos do poder. Este, ao guerrear a sociedade com extorsão (impostos), leis e regras esmagadoras da actividade económica e da vida em geral da comunidade ou ainda a actividade policial que aplica cegamente os ataques do poder político, não pode esperar que a sociedade coopere (ou pelo menos, não toda a sociedade). É expectável que haja pelo menos uma parte desta que não aceite ser tratada como súbdita, meramente útil a pagar impostos e a respeitar tudo aquilo que os seus pretensos representantes aprovam. Neste sentido, é expectável que não haja respeito pelo que o estado considera confidencial. Além da divulgação de informação confidencial dever ser livre (ao abrigo da liberdade de expressão), é preciso dizer que essa divulgação é útil e indispensável mesmo. Por princípio (o poder tem de ser controlado e cerceado o mais possível), mas também porque não há nenhum motivo para que seja dado o benefício da dúvida a empregados ou detentores do poder, tal é o historial de tramóias ou puros actos mafiosos por parte destes (há mesmo quem argumente que são precisamente as pessoas mais imorais que se vocacionam para ocupar o poder, mas esta é outra conversa, até porque haverá sempre honrosas excepções, etc). Mais: numa sociedade de informação, livre, é utópico esperar que os cidadãos se auto-censurem, tenham bom senso e não divulguem informações sensíveis para a integridade do estado. Haverá sempre alguém a quebrar o bom senso. Querer acabar com esta divulgação é, na realidade, aprovar um ataque à oposição mais subversiva vinda da sociedade (subversiva no sentido de não ser institucionalizada, por partidos ou associativismo político). É perseguição política.

O alegado medo de uma transparência total como um perigo totalitário não tem sentido. A ideia de transparência tem sido mal vista, com alguma razão pois os abusos na busca de transparência têm sido todos por parte do estado em direcção aos cidadãos. É normal e legítimo que um cidadão não queira ser observado e escrutinado em todos os aspectos da sua vida. Essa transparência é que é negativa, pois ninguém dá o direito ao estado de invadir a liberdade de uma pessoa inocente. Já o estado, e seus membros, é à partida (e assume-no claramente) culpado, visto que detém o monopólio da força e da execução da justiça dentro da sociedade, e é normal e justo que seja escrutinado pela sociedade. Quanto mais transparência no estado, melhor.

Que a Wikileaks continue o seu trabalho, e que mais ‘Wikileaks’ apareçam.

8 pensamentos sobre “A liberdade de saber

  1. Joaquim Amado Lopes

    Por outras palavras:
    . o Estado não deve cobrar impostos, o que implica que não deve redistribuir riqueza nem ajudar os que menos podem;
    . os cidadãos não devem ser obrigados a respeitar as Leis que os seus “pretensos representantes” aprovam (apesar de o facto de a vida em sociedade implicar compromisso e ser suposto a Lei estabelecer esse mesmo compromisso e a forma de o fazer respeitar);
    . o Estado não deve manter nenhum segredo dos cidadãos, incluíndo aqueles que garantem a sua segurança e a desses seus cidadãos, apesar de ser “utópico” acreditar no bom-senso e sentido de responsabilidade destes para os respeitar ou proteger;
    . os cidadãos têm direito à protecção total da sua privacidade (mesmo nos aspectos em que afectam os à sua volta?) mas as instituições não têm direito a qualquer privacidade (mesmo nos aspectos que afectam directamente a sua continuidade).

    Pois.

  2. A. R

    É interessante o que a wikileaks mostra. E não mostra coisa boas para a esquerda: o que tem aparecido é tudo mau. Desde o terror islâmico na Catalunha governada pelo PSC vai para 30 anos (aliás ainda há pouco tempo a polícia fez uma interessante pescaria), o tráfico de droga das “democracias” populistas bolivarianos com ajuda de próceres africanos, do aconchego das mesmas aos terroristas, etc.

    Mas faz lembrar aquele caso de uma empregada doméstica que roubou vídeos íntimos de funcionários da Justiça (algures no Norte) e os publicou. Foram a julgamento e condenados. O que está a ser publicado é matéria reservada de Governos.

  3. A intenção importa. Quanto mais não seja, porque é necessária a uma boa avaliação racional do próprio objecto (wikileaks). Se esta tivesse acção sem propósito, seria apenas uma derivação alucinativa – uma aberração.

    Não devemos é confundir o mensageiro com a mensagem, nem a forma com o conteúdo. Os factos podem ser divulgados com uma intenção (do mensageiro) e serem até passíveis de utilidade para um receptor com diferentes intenções do mensageiro. Os factos (o conteúdo) podem ter sido obtidos por diversas formas, fontes, ou acções. Legítimas ou não. Esta é a questão que recai sobre a protecção de segredos. Todos temos direito a ter segredos e guardá-los. Se houver uso da força (violação de propriedade, crimes, etc) na obtenção de determinados dados, essas acções é que poderão constituir uma base de actuação contra o agente desses actos (que até pode nem ter sido o mensageiro). O primado da lei, se estabelecido de forma moral ao invés do que grassa por esse mundo fora, daria uma resposta clara a todas as questões.

    Todos temos direitos – nomeadamente de propriedade – que deveriam ser protegidos. Devemos também poder ser ressarcidos em caso destes serem violados, e os violadores devem ser punidos. Isso não invalida que qualquer indivíduo tenha a obrigação de suportar o onús daquilo que faz, pensa ou diz. Moralmente, a forma ou a intenção contam em relação ao juízo do agente, mas são irrelevantes quanto à própria existência e não alteram a realidade. Nesse campo são nulos.

    Tendo a concordar com o texto do post que, pelos vistos, poucos conseguem enquadrar no contexto duma sociedade livre (que não é nenhuma das comtemporâneas).

    Recorrendo ao expediente dum comentário anterior: POR OUTRAS PALAVRAS:

    A lei deve servir exclusivamente como meio de defesa dos direitos individuais. O estado deve ser, exclusivamente, um agente de cumprimento da lei – monopolista do uso da força, derivado da delegação do direito individual de legitima defesa, podendo apenas empregar o seu uso contra quem o tenha iniciado.

    Num ordenamento jurídico duma sociedade livre, a lei defende cada individuo dos seus pares, e a constituição deve proteger os indivíduos do estado e da adulteração do propósito da lei acima identificado.

    Este principio ordenacional estabelecerá dois absolutos:

    1. Aos homens tudo é permitido, excepto o que a lei proibir.
    2. Ao estado tudo é proibido, excepto o que a constituição permitir.

    Basta observar o mundo em que vivemos para constatar que os absolutos estão ao contrário do que seria indispensável para uma sociedade livre. E, claro, a forma que as sociedades arranjaram para estabelecer os relativos (onde e como se aplicam os absolutos) foi o “mob rule” – uma luta de gangs. Esse é, em maior ou menor grau, a natureza das democracias modernas.

    Este quadro é, em conjunto com uma clara definição de direitos individuais, suficiente para dirimir quaisquer conflictos de direitos. Este ou outro qualquer.

  4. Muito bem Filipe — a malta anda numa bebedeira de confusão com os “direitos à privacidade” do Estado, e a clamar por mais socialismo em nome da “verdadeira liberdade de expressão”. Há que ter a cabeça limpa contra esses misticismos.

  5. Pingback: Wikileaks em perspectivas | OrdemLivre.org/blog

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.