Manuel Alegre foi protagonista de uma chata e (demasiado) longa estadia à sombra do jogo democrático, ao longo da qual foi alimentando a sua bonomia de senador da esquerda e guardião das virtudes inquestionáveis da ética republicana, refastelado em inércia e inconsequência. Quando, há cinco anos, decidiu sair do obscurantismo da sua cadeira de deputado para se lançar numa cruzada contra o seu próprio partido, motivada por uma sobranceria bacoca e uma postura revanchista, própria de menino mimado a quem o pai não oferece o rebuçado prometido, Manuel Alegre lançava as bases para a sua morte política definitiva.
Deixando que os resultados dessa campanha, misturados com a sua inefável arrogância, o colocassem como centro do mundo e o convencessem de que era a última réstia de esperança presidencial para a esquerda, o poeta voltou à carga cinco anos depois, acompanhado por cínicos e ingénuos, alimentando-se num prato em que outrora cuspiu e onde agora procura alimentar-se com os poucos restos que por lá escasseiam.
À medida que o tempo vai passando, as intenções de voto em Alegre caminham inexoravelmente de encontro a uma escassez de dar pena. O poeta definha alegremente ao encontro da desilusão e do falhanço, destinos naturais daquilo que sempre representou: uma ilusão cheia de coisa nenhuma. A partir de Janeiro, acabou-se o poeta. Alegremo-nos.
Encavaquemo-nos!
As palavras trovadas
em sons descompassados
são sempre enturvadas
por cantos repassados.
Da guitarra dedilhada,
com cordas envelhecidas,
sai a canção farfalhada
de toadas distorcidas.
Ao encontro da desilusão
com um porte tão arrogante
fica clara essa erosão
de um discurso fatigante.