As ameaças às liberdades no Brasil do PT

O Partido dos Trabalhadores (PT), do presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva, já merece um amplo estudo em várias áreas, da ciência política à sociologia, passando pela filosofia e terminando na psicologia. Desde o início do governo, o partido e sua cadeia de comando testa os limites da sociedade brasileira para ver até onde pode avançar. É uma estratégica tão esperta quanto ameaçadora. Se esferas da sociedade e algumas instituições não tivessem reagido teríamos hoje no Brasil toda uma coleção de violações de liberdade e ataque contra indivíduos e instituições.

Uma das ameaças mais recentes, e das mais assustadoras, foi o Plano Nacional de Direitos Humanos 3. O documento, que pretendia orientar a política do governo federal e da candidata do PT à presidência, previa não só um tipo especial de controle (social) dos media como também enfraquecia ainda mais o precário direito de propriedade no país. Houve uma reacção e o governo mudou o texto. E se não houvesse reacção? O texto e a sua aplicação seguiriam o curso normal desejado pelo PT e pelo governo, que vão tentando ampliar seus tentáculos e projecto de poder sem que a sociedade perceba.

Quando um partido aparelha a administração pública contratando exclusivamente pessoas do partido ou diretamente ligadas, em vez de profissionais competentes para exercer a mesma função, passamos da ameaça para uma situação concreta que atenta contra a sociedade. A história da violação recente dos sigilos de adversários políticos do PSDB e da filha e do genro do candidato do PSDB, José Serra, é uma das provas materiais do que se pode fazer quando o partido entranha-se na administração pública. E também expõe o grau de ameaça a que estamos submetidos por cá.

Neste sentido, alguns dados interessantes: os sindicalistas ligados ao governo ocupam 45% dos 1.219 cargos de direção e assessoramento superior do governo federal. Desse percentual, 82% é formado por gente filiada ao PT. Outra informação importante: 70% dos 6.045 servidores de carreira que se filiaram ao PT desde o início do governo Lula foram promovidos ou nomeados para cargos de chefia.

O livro A Elite Dirigente no Governo Lula, da historiadora brasileira Maria Celina de Araújo, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é um estudo extraordinário sobre esse grupo de interesse que tomou o poder com a ascenção de Lula.

Numa conversa ontem sobre o assunto, um conhecido disse-me que o fato de votar no PT e na Dilma não significava o seu desapreço pelas instituições, pelo estado democrático de direito, pelo rule of law e pela democracia, como eu afirmara. Essa perspectiva é interessante porque me faz pensar que só se sente ameaçado aqueles que não compartilham com os valores e princípios do PT. Como os socialistas portugueses que preservam um primeiro-ministro como José Sócrates, mergulhado em denúncias de fazer corar o Código Penal português.

Não se trata de uma discussão ideológica. Estamos na esfera de identificação daquilo que viola as liberdades e atenta contra as instituições formais e informais. Se comungo da estrutura de pensamento de um dado partido como sentir-me-ei ameaçado pela série de tentativas de ataques às liberdades? A noção de liberdade, de função e dimensão do Estado, de indivíduo, de propriedade, é um tanto divergente e, às vezes completamente invertida. Não conseguir ver uma ameaça não quer dizer que ela não exista. Mesmo que se apenas um indivíduo lutasse pela liberdade por considerar haver uma ameaça era o caso de atentar para as razões dessa insurgência, não ignorá-la.

Há uma crença em parte da sociedade brasileira de que o PT antigo era melhor do que o actual. Em termos ideológicos, o partido não mudou uma vírgula. Discordo de que haja um ideal antigo (bom, incorruptível) e um novo, corrompido pelas contingências. O que mudou foram as circunstâncias, mais especificamente o facto de o PT ter ascendido ao poder federal. Administrações petistas municipais e estaduais já incorriam em vícios parecidos, mas numa dimensão muito menor.

Conheci vários petistas que eram filiados porque acreditavam sinceramente que o partido faria algo na área social, de ajuda aos pobres. Muitos continuam achando a mesma coisa e continuam filiados e com isso legitimam os meios que o partido usa para realizar seus projectos, independentemente dos resultados.

É um desejo bastante legítimo e nobre querer ajudar o próximo. O problema são as pessoas se deixarem levar por essa ilusão de que o partido é moralmente superior e, por isso, pode recorrer a quaisquer expedientes para concretizar um plano de resultados pré-definidos e que exige dos indivíduos a submissão a um objetivo único a todos os membros da sociedade, que é composta por vários objetivos individuais – e assim deve ser.

Imaginar que o PT não é mais o mesmo porque se deixou corromper é ter uma visão idealizada, e até romântica, do que o partido efectivamente sempre foi.

O quem sempre tenho em mente é que não há anjos na política e o poder deve ser tão limitado e controlado pelas demais esferas (checks and balances) que impeça qualquer ímpeto ou tentativa autoritária, em maior ou menor grau. Ou nós, brasileiros, escolhemos ajudar a construir uma sociedade civilizada com o nosso trabalho, com a liberdade de escolher como aplicar a riqueza que produzimos sem intervenções ou ameaças, sem que o governo de turno seja o protagonista da vida social, política e económica, ou arriscamos nossas liberdades e nossas vidas cedendo a projectos de poder por simpatias ideológicas, servidão voluntária ou indiferença.

Eu já escolhi o meu lado.

Leitura recomendada: Os 10 piores momentos de Lula.

4 pensamentos sobre “As ameaças às liberdades no Brasil do PT

  1. AA

    “Em termos ideológicos, o partido não mudou uma vírgula.”

    Era partido que desafiava os EUA e o FMI e estaria mais apostado em revolucionar – dentro dos limites democráticos – a sociedade rumo a uma economia mais dirigida pelo Estado. O enorme crescimento económico, mesmo em tempo de crise, serviu para abandonar essas bandeiras e promover programas de caridade com somas de dinheiro astronómicas.

  2. Nuno Gonçalves

    Eu recomendava-te antes um simples gráfico do Bovespa 2003-2010 em €, enfim quem não comprou comprasse.

  3. “Era partido que desafiava os EUA”.

    Continua a desafiar, só que de outra forma. O antiamericanismo do PT e do governo é latente nos discursos públicos e na votação em foros internacionais.

    “O enorme crescimento económico, mesmo em tempo de crise, serviu para abandonar essas bandeiras”.

    O PT não abandonou bandeira alguma. O que o partido fez, enquanto governo, foi desenvolver uma estratégia de acção que parecesse democrática. O Estado continua a agir como se fosse o motor da economia e os programas de caridade também fazem parte do pacote.

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