Avatar

Artigo de Fernando Gabriel no Diário Económico

Ao nível ideológico, Avatar é um manifesto revolucionário, uma apologia do terrorismo e uma distorção grotesca da história política da década. O elemento central do argumento é a destruição da árvore dos Omaticaya, uma desavergonhada inversão ficcional do ataque terrorista às Twin Towers de Nova Iorque. Em Avatar o terrorismo suicida é representado como “justo” e reactivo. Uma das personagens tem esta frase clarificadora: “ainda tinha esperanças que isto não exigisse o martírio”. A narrativa de Cameron é mais uma variante da “doutrina de Hollywood”: reencena a colonização americana do oeste e o massacre dos índios apenas como forma de colocar o adversário político interno como o agressor de outros mundos, sempre em paz e harmonia, sejam eles Pandora ou o “Islão”.

Depois há o discurso filosófico subjacente ao filme, um misticismo panteísta, herdeiro do vitalismo da Naturphilosophie. No mundo harmonioso de Eywa não há contradições à espera de uma resolução, não há história nem sentido do tempo -os Na’vi têm uma noção mitológica do seu passado. A oposição entre Apolo e Dionísio foi resolvida numa síntese pós-sexual, onde a natureza de Pandora assumiu a qualidade erótica. O que Cameron não diz, por cinismo ou ignorância, é que o panteísmo dos Na’vi é muito semelhante ao dos Arianos, na substituição do transcendentalismo cristão por uma deturpação teleológica do darwinismo. Sei como os Arianos procuraram satisfazer o seu desejo de “harmonia”; o que não sei é se as multidões que proporcionam recordes de receita ao filme são basbaques pueris ou a matéria-prima com que se fabricam as grandes catástrofes da história.