Os Dias Contados

Crónica de Alberto Gonçalves no Diário de Notícias

Infelizmente, a lei que a prazo acabará com os animais selvagens nos circos não promete acabar com os animais teoricamente racionais que a inventaram. O presidente do Instituto da Conservação da Natureza, entidade irónica num país em que a natureza é periodicamente arrasada por construtores e incendiários, justifica a medida com a saúde pública e a segurança. Ignoro quantos milhares de pessoas os macacos do Chen e os tigres do Cardinali mataram até hoje. Porém, estimo em milhões as vítimas desta senha reguladora que aos poucos procura, e aos poucos vai conseguindo, censurar-nos a comida, o tabaco, o álcool, o sedentarismo, o automóvel, o jogos, os noticiários críticos do Governo e, em suma, tudo o que ainda distingue o homem civilizado da bicharada, selvagem ou outra.

Às vezes penso se os pequenos zelotas da padronização foram escolhidos para cargos públicos por serem assim ou ficaram assim depois de alcançar os cargos. A psiquiatria explicará. Para já, suspeito da primeira hipótese: além do Estado, não faltam na “sociedade civil” sujeitinhos sempre dispostos a apoiar ou instigar medidas repressivas. Veja-se, no caso dos animais, as associações do ramo. Conheço algumas e, salvo excepções dignas, nunca lhes notei a menor preocupação com o bem- -estar dos bichos. Em compensação, aflige-os imenso que alguém os possa ter, gostar deles e ser retribuído. Os macacos e os tigres circenses são evidentemente um pretexto. Ou um início. A insignificância que dirige uma Associação Animal apareceu a avisar que a nova lei não basta: é urgente abolir todas as criaturas não humanas do circo. Entre parêntesis, diga–se que seria preferível abolir o dito: notoriamente, para ver palhaços não é necessário comprar bilhete e entrar numa tenda.

Fora de parêntesis, sabe-se como estas coisas começam e tenho um palpite sobre como podem acabar. Nem aprecio circos, mas é possível que tarde ou cedo o Estado e os parasitas que lhe habitam as franjas estendam o instinto totalitário à privacidade dos lares. No meu, onde convivo babado com quatro rafeiros adoráveis, não lhes prometo uma recepção simpática: se se quer de facto proteger as espécies, aconselho a não deixar a dos pequenos zelotas à solta.

5 pensamentos sobre “Os Dias Contados

  1. O afinco proibitivo com…

    Nestes dias contados
    povoados por zelotas,
    os motivos disparatados
    caem como bolotas.

    É um afinco proibitivo
    por tudo e por nada,
    o discurso defectivo
    é de uma luz tisnada.

    Tanta poeira é levantada
    neste regime trapalhão,
    esta política disparatada
    trucida o pobre mexilhão!

  2. Caro Miguel

    Acho que os primeiros dias que estão a ser contados, são até o Alberto Gonçalves deixar de escrever no DN, não lhe parece?
    Como toda a gente sabe, pensar aumenta o consumo de energia do cérebro.
    Ora o consumo de energia aumenta o aquecimento global.
    Portanto o Alberto Gonçalves é directamente responsável pelas alterações climáticas, visto que não só pensa por si, como com os seus escritos pode induzir terceiros a também pensarem fora da “cartilha”, o que é obviamente errado.
    Por isso não lhe dou muito tempo até ser obrigado a deixar de escrever e se calhar a deixar de pensar.
    .

  3. Vasco Ribeiro

    A frase do dia:

    “notoriamente, para ver palhaços não é necessário comprar bilhete e entrar numa tenda. “

  4. Vasco Ribeiro

    Desculpem mas tinha de ser…

    Segunda frase do dia:

    “se se quer de facto proteger as espécies, aconselho a não deixar a dos pequenos zelotas à solta.”

    Tenho de pensar em tornar-me caçador para ajudar as espécies que precisam de protecção.

  5. O grande circo.
    É nisto que Portugal está a tornar-se. Vão decerto acabar os animais que milhões de creanças ao longo dos anos,tiverão oportunidade de ver pois de outra maneira jamais terião visto.
    Valha-nos ao menos a suprema ventura de termos ficado com os ursos,(isto é, de fantazia).Nunca se sabe se haverá peles que cheguem,para fantaziar tantos que por aí pululam.
    Vamos ter concerteza actuação por este país fora gratuita,não mais as nossas creanças terão necessidade de ir ao circo,uma vêz que cumprida a lei,Portugal tornar-se´há um imenso circo. Tudo de graça para gosto de uns tantos palhaços,”aonde não faltarão concerteza os habituais camelos” travestidos como convém, a aplaudir. Isto só em Portugal.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.