A urgência de uma atitude liberal no Portugal de hoje

Não é nova a ideia que advoga que, nos dias que correm, a dicotomia “esquerda-direita” poderá estar ultrapassada. A queda do Muro de Berlim foi a pedra de toque que ajudou a reforçar a falsa sensação de que o modelo liberal-capitalista teria vencido, e que o mundo estaria livre de todos os socialismos.

Nada de mais errado: travestido sob as mais diversas formas, desde o supostamente inócuo “socialismo de mercado” até às lógicas mais radicais, do altermundismo, do ecologismo chic e dos grupos anti-globalização, as retóricas socialistas mantiveram-se presentes; o mundo, em vez de evoluir para sociedades mais liberais, foi-se moldando num compromisso incoerente, numa síntese esquizofrénica que, por um lado, queria os benefícios do mercado e das sociedades livres, mas que por outro não conseguiu abandonar os chavões socialistas mais básicos e as utopias mais inatingíveis.

A presente crise mundial demonstrou bem como as retóricas socialistas se souberam enraizar no sistema político e comunicacional, e como os seus chavões tiveram uma consagração incoerente, mas fatal, no tecido legal. A presente crise mundial mostra-nos ainda como uma atitude liberal faz, hoje, todo o sentido: é que a crise financeira abriu o caminho a um “estatismo acrítico”, que se autolegitima na oposição a um “neoliberalismo” que ninguém defende, e se sustenta numa abordagem “keynesiana” que deve deixar John Maynard Keynes a revirar-se no túmulo, que nos irá sair a nós, meros cidadãos comuns, muito caro.

Uma atitude liberal, de exigência e desconfiança no sistema estatal, que despreza a capacidade dos indivíduos e das redes construídas longe do sistema burocrático, faz hoje mais sentido do que nunca; uma atitude liberal, que denuncie as teias de interesses que se movem em redor do Estado, o desperdício, o compadrio travestido de “Bem Comum”, a oneração irreversível das gerações futuras, é essa a forma de estar que melhor serve os cidadãos comuns, em particular, os mais jovens, menos comprometidos e mais prejudicados com o actual estado das coisas.

O mundo divide-se hoje entre os que procuram pelos seus meios, o seu espaço, e os que esperam, de mão estendida, aquilo que o sistema burocrático tem para lhes dar. A dicotomia política faz-se hoje entre os que permanecem fiéis às raízes liberais, de confiança no indivíduo, na sua capacidade e criatividade, e defendem a sua autonomia e a sua esfera de direitos, e os que projectam no Estado as suas aspirações, limitando na teia legal-burocrática o seu raio de acção.Portugal assiste impávido e crédulo à escalada galopante do Estatismo e à captura de recursos pelas cliques que o rodeiam; a factura a pagar, se persistirmos neste caminho, vai ser elevadíssima, em particular a dos mais jovens e dos mais pobres.

15 pensamentos sobre “A urgência de uma atitude liberal no Portugal de hoje

  1. RAF: gostei imenso deste post e da sua oportunidade.
    E o que mais me surpreende é a passividade e tolerância com que as pessoas ainda encaram a “ficção estatal dominante”, os seus alibis, as suas justificações. Refiro-me aos que nem beneficiam com o sistema.

  2. Concordo 100% com o facto de que é necessário mais do que nunca de uma actitude liberal em Portugal, infelizmente é quase a unica coisa que acabo por concordar. Julgo que um dos problemas é colocares o socialismo como a corrente oposta ao liberalismo, não o é.

    Julgo que o papel do Estado divide a Esquerda e a Direita, no entanto a oposição à corrente liberal, não é a Esquerda mas sim os conservadores.

    Efectivamente ainda falta implementar uma actitude/corrente liberal em Portugal que assegure os dois valores máximos dessa ideologia: a liberdade individual e a igualdade de oportunidades (e tanto num como noutro ainda há muito para construir).

    E julgo que é impossível implementar uma corrente/actitude liberal em Portugal com uma solução “liberalismo em pó”, isto é, com uma simples desmantelação do Estado. Isso fará apenas com que os conservadores (a corrente oposta ao liberalismo) solidifiquem ainda mais o poder e tornará a sociedade portuguesa ainda menos liberal do que é hoje.

  3. A incapacidade de entenderem o estado moderno como emanação democrática da vontade colectiva, com as suas imperfeições, obivamente, isolou politicamente o pensamento liberal, pondo-o ao serviço do interesse egoista da minoria. (Conhece algum liberal que ganhe o salário mínimo?).

    O facto de nem com a falência do modelo global da livre circulação de capitais e da “livre concorrência”, conseguirem perceber a natureza e dimensão do seu erro, deixa-os a clamar no deserto, lamentando-se contra os ventos da história que não sopraram como era suposto. É o que acontece com as ideias defuntas. RIP

  4. lucklucky

    corrigido: estado moderno como emanação democrática(totalitária) da vontade colectiva.

  5. Caro Tiago,

    “o estado moderno como emanação democrática da vontade colectiva, com as suas imperfeições, obivamente, isolou politicamente o pensamento liberal, pondo-o ao serviço do interesse egoista da minoria”

    Julgo que te equivocas quando acreditas que o que é defendido neste blogue é o liberalismo. Já vi muito anti-socialismo, anti-acção do Estado (aliás “anti’s” aqui é o que não falta) e muito conservadorismo e muito pouco, ou quase nada, de liberalismo.

    A questão do “egoismo” é uma questão económica e não é uma questão liberalismo em si.

    Nesse sentido o pensamento liberal ainda está vivo e em crescendo (em bastantes países já é a terceira força politica) sendo que efectivamente em Portugal estamos orfãos de um partido liberal moderno.

    Quanto à questão da vontade colectiva ela não é mais do que o conjunto de vontades individuais e não têm uma realidade para além deste dominio.

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  7. (2)

    A questão é a quem serve esse liberalismo. Mais nada. É que com todos os seus defeitos e engulhos a perspectiva estatizante vai servindo a quase todos. O liberalismo, principalmente nas versões mais recentes e dedicadas à economia é mero instrumento de uns poucos poderosos com roupagem de doutrina libertária. Foi isso exactamente que o mundo constatou com a recente crise internacional.

  8. “principalmente nas versões mais recentes e dedicadas à economia é mero instrumento de uns poucos poderosos…”

    Sugiro a leitura dos valores do D66, partido holandês liberal, para perceberes o que quis dizer de como este tipo de liberalismo (dedicados só à economia) não é a versão mais recente.

  9. «Uma atitude liberal, de exigência e desconfiança no sistema estatal, que despreza a capacidade dos indivíduos e das redes construídas longe do sistema burocrático, faz hoje mais sentido do que nunca;»

    Uma atitude liberal que despreza a capacidade dos indivíduos?

  10. Sampaio revela-se
    Jorge Sampaio considera que, após as eleições, e em nome da “estabilidade”, pode ser necessário criar um Governo de Bloco Central.

    O Prof. Marcelo acha que podemos tirar das palavras de Sampaio, a admissão que o PS não vai ter maioria. Eu discordo.

    Depois de, em 2004 ter demitido um governo de maioria (PSD-CDS), Jorge Sampaio vem agora dizer que está preocupado com a estabilidade.

    Das duas uma, ou está a ficar “chéché” ou então prova que o que o levou a demitir Santana Lopes foi uma questão puramente partidária.

  11. É a primeira vez que comento neste blogue, mas deparei-me logo com este excelente post. Tenho no entanto que afirmar que concordo que a dicotomia direita-esquerda já não faz sentido. Também não faz sentido querermos continuar a afirmar as virtudes da auto-regulação dos mercados, entre outras ideias que se provou agora não serem viáveis. Preocupante para mim é que haja gente que, a reboque desta triste demonstração do modelo económico dominante, de como pode ser manipulado e falhar, defenda como válidas e aplicáveis ideias igualmente já testadas e demonstradas inviáveis, com efeitos tão ou ainda mais catastróficos que estes.
    Penso que o caminho é outro: se lhe chamam nova atitude liberal, liberalismo moderno, socialismo de terceira via, não quero saber – defendo um Estado eficaz e consequente, onde aos cidadãos são prestadas contas pelas medidas tomadas, sem que seja apenas nos actos eleitorais, mas a cada altura do decorrer dos mandatos, onde existe uma exigência de rigor no gasto de cada tostão que o Estado gasta. Exigir no entanto que esse estado, bem como as empresas e a própria sociedade civil cumpram o seu papel social, no esbater das assimetrias sociais injustificadas – sim porque acredito que muita gente há, que há sombra dos “direitos” que o Estado lhe dá, estão longe de uma progressão sócio-económica por quererem.
    Sou militante de um pequeno partido, o Movimento Mérito e Sociedade, que defende estas políticas de rigor, transparência, reconhecimento e valorização do mérito, entre outras. Não irei ser exaustivo, mas caso não conheça, convido-o a visitar o site do partido – http://www.mudarportugal.pt – e a participar nas discussões do blogue – http://mms-mudarportugal.blogs.sapo.pt
    Cumprimentos

    http://atexturadotexto.blogspot.com

  12. Carlos

    A crise não prova nada em relação à inviabilidade do mercado livre. O que prova é que a intervenção dos Bancos Centrais, em particular a Fed, é desastrosa. Se não tivéssemos tido o sr. Greenspan a inflar bolhas atrás de bolhas e o Governo Americano a suportar a bolha do imobiliário através dos Fannies e Freedies e “Johnies” e o tudo o mais, a bolha de crédito (a mãe de todas as bolhas) não estaria agora a rebentar, porque nem sequer teria existido. Para vermos o falhanço da intervenção estatal no mercado imobiliário, basta atentar que as organizações que supostamente deveriam tornar as casa acessíveis a todos, acabaram por levar a uma bolha, tornando as casas mais caras e obrigando os compradores a se endividarem até á ponta dos cabelos (sem falar na especulação que fomentaram). Fala-se que a desregulação dos derivados exige mais intervenção. Mas o problema dos derivados não teria acontecido se os Bancos Centrais não tivessem injectado tanta liquidez e dinheiro fiat no sistema. O principal problema dos derivados é a alavancagem permitida e incentivada por dinheiro barato. Enquanto não se reformar o sistema monetário e cortarmos o mal pela raíz, e cairmos no erro intelectual de culpar o mercado por todos os males, não vamos a lado nenhum, pelo menos a longo prazo.

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