Anestesia

Infelizmente não acredito em mudanças sem dor, tirando, naturalmente, as pequenas adaptações de vamos fazendo de vez em quando. Sendo assim, e quando falamos como é que Portugal pode sair das crises em que se encontra (a actual e a que já vem de ’99) a resposta é fácil, com os caminhos apontados há já muito tempo e demasiadas vezes. Que precisamos de menos despesa pública, menos peso do Estado, menos impostos, mais Justiça, mais políticos mais sérios (o serem ou não licenciados é uma questão menor, desde que sem batota), uma reforma administrativa capaz e descentralizadora, verdadeiramente descentralizadora como o são as que não se limitam a criar mais centros de poder espalhados pelo país, uma reforma do poder político gradual que, gradualmente dê mais poder ao Parlamento e por aí fora numa lista tão infindável quanto cansativa de enumerar para quem já pisou e repisou estes assuntos.

Apesar de tudo isso, é preciso bater no fundo. Infelizmente, é assim mesmo. E porque a maioria dos portugueses ainda não bateu no fundo, nada vai mudar tão cedo. Muitos têm empregos precários, mas sustentados, privilégios caducos, mas mantidos, à força do hábito e da lei. Enquanto uma parte substancial da população portuguesa não perceber que o seu modo de vida não tem condições para continuar e não estiver disposta a prescindir do agora, para o depois. A renunciar hoje, para receber amanhã. A pensar mais nos filhos e na geração que vem depois, nada se vai fazer que não seja uma pequena anestesia para aliviar a dor. E sem dor, é como se sabe.

6 pensamentos sobre “Anestesia

  1. Pingback: Frases que gostava de ter escrito « Sub Lege Libertas

  2. lucklucky

    Por isso é que a dôr é importante em todo e qualquer sistema de governo e já agora em tudo. Qualquer sistema que a não deixe passar não tem sustentabilidade a longo prazo.

  3. Sem dúvida! Uma das grandes falhas da Economia mais “ortodoxa”, por exemplo, é ignorar o “factor dor” como correctivo e essencial à estabilidade a longo prazo do sistema. Sem dor, não corrigimos expectativas e preferências, por exemplo…

  4. “Enquanto uma parte substancial da população portuguesa não perceber que o seu modo de vida não tem condições para continuar e não estiver disposta a prescindir do agora, para o depois. A renunciar hoje, para receber amanhã. A pensar mais nos filhos e na geração que vem depois, nada se vai fazer que não seja uma pequena anestesia para aliviar a dor.”

    Caro André

    E porque não “dar o nome aos bois”?
    Quem é “essa parte substancial da população portuguesa” ?
    Se efectivamente acredita em que é preciso dor, então deixemo-nos de rodriguinhos e apontemos o dedo, custe o que custar, doa o que doer.
    Eu como contribuinte liquido para esta chafarica já estou farto de renuncia e dor.
    Estou mais virado para provocar dor do que sofrê-la.
    E esse é o sentimento que sinto à minha volta, entre as pessoas que efectivamente suportam esta m****.
    .

  5. Aproveitando isto que vi aqui

    http://www.citador.pt/pensar.php?op=10&refid=200903151700

    “As revoluções não são factos que se aplaudam ou que se condenem. Havia nisso o mesmo absurdo que em aplaudir ou condenar as evoluções do Sol. São factos fatais. Têm de vir. De cada vez que vêm é sinal de que o homem vai alcançar mais uma liberdade, mais um direito, mais uma felicidade. Decerto que os horrores da revolução são medonhos, decerto que tudo o que é vital nas sociedades, a família, o trabalho, a educação, sofrem dolorosamente com a passagem dessa trovoada humana. Mas as misérias que se sofrem com as opressões, com os maus regímens, com as tiranias, são maiores ainda. As mulheres assassinadas no estado de prenhez e esmagadas com pedras, quando foi da revolução de 93, é uma coisa horrível; mas as mulheres, as crianças, os velhos morrendo de frio e de fome, aos milhares nas ruas, nos Invernos de 80 a 86, por culpa do Estado, e dos tributos e das finanças perdidas, e da fome e da morte da agricultura, é pior ainda. As desgraças das revoluções são dolorosas fatalidades, as desgraças dos maus governos são dolorosas infâmias.

    Eça de Queirós, in ‘Distrito de Évora’

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