O Jon Stewart não é burro

Ontem ouvi uma entrevista em que o Jon Stewart falava com um ex-subprime lender que terá escrito um livro sobre o assunto. O divertido Jon fazia de conta que não percebia porque raio é que os créditos são tanto mais caros quanto maior o risco. Não é burro mas fica-lhe bem e as manadas aplaudem. Já agora o ex-prestamista tentava explicar porquê mas concordava que sim, que é estúpido cobrar juros de acordo com o risco. E ria-se da estupidez dos sub-prime lenders. Este ou é burro (altamente provável) ou acha que lhe fica bem e ajuda a vender mais uns livros. Enfim. Vem isto a propósito do que me aconteceu hoje. Não foi bem a mim, foi mais à pessoa que foi reclamar uma dívida a um cliente.
Imaginai que vendeis um produto por grosso. Por exemplo (não é o caso): vocês têm uma marca de vinho e fornecem uma loja que o vende ao consumidor. O vosso cliente passa-vos um cheque (pré datado a 60 dias, vão-se foder mais a ilegalidade, arranjem método melhor e aceitável no mercado) para pagamento do fornecimento. Na data acordada o cheque é devolvido. Contactam o animal, ele diz que tem pena, que foi um lapso e tal, pede mais uns dias. Que sim, vá lá, mais uma semana? OK. Uma semana, metem o cheque e…adivinharam, volta p’a trás. “Então caralho?” Perguntais. Meta a cheque na segunda feira sem falta. Que o fim de semana costuma ser bom e não vai haver problema. Segunda-feira eeeeee…taruz! Trave! Vocês metem-se na biatura e vão bater-lhe à porta. A abestunta recebe-vos com um sorriso, muitos beijinhos e tal e “Olá, como está? Vamos então resolver…olhe, dê-me o seu NIB que vou fazendo dep…”. E vocês: “Com certeza que sim mas, já agora, o vinho vendeu-se?” Responde a amostra de primata: “O..o..pois. Não tenho nenhum, já o vendi todo.” Nesta altura pensais: “Fui abduzido* por alienígenas…deixa lá ver…” e como sois gente de bem, tentais mostrar ao verme que das duas três: ou tem o vinho em stock, ou se não o tem recebeu o vosso dinheiro e abutrou-se a ele. Neste caso, que não foi o primeiro, a coisa chegou ao clássico: “Se eu não tenho o dinheiro, como quer que lhe pague?” Aqui já estais dispostos a submeter o porco a toda a espécie de sevícias e é difícil, foda-se que é difícil, não lhe enfiar um estadulho pelo recto acima. E não se resolve nada. Promessas e saís com uma mão à frente outra atrás.
Se não fosse dramático seria ridículo mas é esta a cultura e o país de merda que temos. Se este e outros animais (não são gente, são bestas) não pagarem a bem não temos maneira de receber nada. Nada. Com a justiça anedótica e miserável que temos só há uma maneira: cobrar nos preços um prémio de risco brutal, emperrar todo e qualquer negócio com exigências de garantias e pagamentos em notas. Quem paga é o consumidor. Mas o consumidor merece, ah se merece. O Jon Stewart tem razão não tem? Só que ele não é burro. O consumidor fica chateadíssimo com o preço dos bróculos no El Corte Inglés.

* Andava há que tempos à espreita para escrever abduzido.

11 pensamentos sobre “O Jon Stewart não é burro

  1. “Já agora o ex-prestamista tentava explicar porquê mas concordava que sim, que é estúpido cobrar juros de acordo com o risco.”

    Não me pareceu bem que ele concordasse.
    A partir de certa altura omitiu-se.
    .

  2. Nesta treta do “sub-prime” o mais engraçado é que parece que toda a gente acha que os “sub-prime lenders” é que são burros.
    Ora os burros não serão os que compraram acções de fundos que sabiam ir financiar hipotecas sub-prime ?
    Os pobres que compraram casas naquele sistema das duas uma, ou ainda conseguem pagar a casa e está tudo bem, ou não conseguem e não ficaram pior do que estavam.
    Ou estou a ver mal?
    .

  3. “Com a justiça anedótica e miserável que temos …”

    Então o Balcão Nacional de Injunções não serve para nada?

    Eu à pala desse sistema vou para tribunal porque me recuso a pagar +/- 200€ a uma empresa de telecomunicações com a qual nunca estabeleci qualquer contrato nem da qual recebi qualquer serviço.
    Devo ir gastar mais de 200€ só para apreciar o advogado que vai defender o mérito da causa.
    Deve ser giro.
    .

  4. “…só há uma maneira: cobrar nos preços um prémio de risco brutal, emperrar todo e qualquer negócio com exigências de garantias e pagamentos em notas.”

    Há outra.
    Reduzir ao minimo o número de clientes e trabalhar sempre com os mesmos fornecedores.
    Agora a “ginástica” que tem de se fazer para não aceitar trabalhos sem causar melindres, é que é tramada.
    .

  5. Daniel Azevedo

    Caro Helder

    Já pensou em recorrer ao serviço dos “cobradores da camisa de alças” ?
    Vão a casa do individuo e fazem-lhe o seguinte inquérito de opinião: “O senhor prefere ser honestinho e pagar a quem deve ou ficar com os braçinhos partidos?”
    Aposto que sei qual seria a resposta…

    Cumprimentos

  6. Para usar o mesmo tom: tretas… 😉
    Já se inventaram os pagamentos a pronto para os clientes que não se conhecem bem e que não se sabe se pagam a tempo e horas!
    “Ai que o mercado não aceita, e tal”… Tretas. Tendo garantia de pagamento (ou paga ou não leva o produto) também se podem fazer preços mais baixos, que o cliente gosta muito e faz tudo por poupar um cêntimo, mesmo arranjar dinheiro onde dizia que não havia. Para se meter em trabalhos de cobranças é porque o negócio de (na prática) concessão de crédito vale a pena. 😉

  7. Um comentário agora num tom mais respeitável. 🙂

    O que muito frequentemente acontece é que as empresas não conseguem colocar o seu produto/serviço no mercado e então, em vez de o melhorarem para se tornar “irresistível” para o cliente e com ele fazerem bom negócio, passam para outro negócio: o da concessão de crédito (onde o produto/serviço que vendem acaba por ser um detalhe). E depois queixam-se.

  8. TAF, (agora num tom mais respeitável também) 🙂

    não é bem assim…

    Os clientes que não se conhecem, que se conhecem mal ou que têm mau historial não são um problema. A questão são os outros, os que durante bastante tempo não deram problemas e de um momento para o outro entram nesta espiral. Mais ainda, como muitos destes mercados são amadores, as pessoas julgam que como raramente falharam, o fornecedor tem o dever de os aguentar indefinidamente por gratidão.

    Mentat

    “Reduzir ao minimo o número de clientes e trabalhar sempre com os mesmos fornecedores.”

    Desde 2001 que não faço outra coisa. Reduzir, cortar e ir crescendo lentamente. Começo a ficar farto.

  9. TAF,

    Tendo garantia de pagamento (ou paga ou não leva o produto) também se podem fazer preços mais baixos, que o cliente gosta muito e faz tudo por poupar um cêntimo, mesmo arranjar dinheiro

    Quem dera. Para a maior parte deles é muito mais aliciante o prazo de pagamento alargado que os descontos a PP. A ideia é: enquanto o pau vai e vem folgam as costas.

    Taf, segundo a Intrium Justitia Portugal tem os prazos de incumprimento mais alargados da Europa.

  10. Agora e virando o bico ao prego… devido ao “não-pagantismo” do estado, copiado ao extremo por sonaes e quejandos, o produtor de algo tem que ser sempre uma instituição bancária, para dar 30 a 90 dias de crédito, quando por sua vez teve que pagar a pronto ou quase (trabalhei numa industria que pagava a pronto para obter 2% de desconto de PP) mas que, e para vender tinha que dar crédito a 60 dias… imaginem o que isso faz à tesouraria de uma empresa… e isto não termina aqui… para terem um exemplo, as empresas com os plafonds mais reduzidos em termos de seguro de crédito são as grandes construtoras… que são consideradas os piores pagadores (até piores que o estado)… o que significa que os fornecedores ou têm capacidade para gerir grandes contas correntes… ou a falência é o caminho (aumentar os preços não funciona, porque há sempre um esperto disposto a baixar as calcinhas até dar o estouro)… assim, os industriais e produtores portugueses são a verdadeira banca… sem a possibilidade de ir buscar a mais-valia, ou seja os juros…

  11. Quando os conservadores e a direita em geral são “convidados” ao programa dele passa de burro a cínico e céptico que ilegitimiza tudo o que os “convidados” dizem, mas eles gostam e aplaudem.

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