Liberdade sem dicotomias

Apesar de quase um século de pensamento político e filosófico colocar em xeque as bases do socialismo, quer democrático quer totalitário, a auto-intitulada esquerda republicana continua agarrada a ideias ultrapassadas. Vamos lá ver se fica claro: Não há liberdade política sem liberdade económica. E vice-versa. Em situações transitórias pode haver um periodo de tempo durante o qual uma pode existir sem a outra; mas a prazo, a falta de uma delas, e a vontade dos indivíduos de a recuperar, inevitavelmente levam o regime político existente a tentar usar a sua força coerciva para suprimir a outra.

As razões pelas quais a falta de liberdade económica tende a levar à tirania política estão amplamente documentadas:

  • Em The Road to Serfdom, Hayek apresentou o argumento de que o planeamento centralizado da economia, o “intervencionismo económico” sobre o qual escreveu Raúl Proença, acaba por delapidar a liberdade política, na medida em que a deficiência de acesso à informação fornecida por um sistema de preços e transacções livres leva o estado a tomar opções contrárias às vontades e necessidades dos cidadãos, requerendo o uso da força para aplicação dos planos centrais.
  • Adicionalmente, Hayek, tal como Mises havia feito anos antes, argumentou que as falhas do planeamento central são muitas vezes percebidas pelos eleitores como resultado de insuficiência de poderes detidos pelo estado; acabando assim, em eleições, por votar a favor de políticas cada vez mais intervencionistas e de aumento dos poderes do estado. O que, de resto, já tinha sido parcialmente previsto por Tocqueville, que vira a tendência natural dos regimes democráticos para abarcar cada vez mais aspectos da vida dos cidadãos.
  • Em The Constitution of Liberty, Hayek foi mais longe e identificou o principal problema que leva à ideia de que é possível restringir a liberdade económica com o fim de promover uma “verdadeira” liberdade que garante “um mínimo de independência” a “todos os homens”, como sugeriu Proença. Tal como John Dewey e os “new liberals” americanos, Proença acreditava que “liberdade é poder”. Hayek referiu como a confusão entre o conceito clássico de liberdade e este conceito de liberdade enquanto poder acaba por levar à identificação de liberdade com riqueza; o que é muito conveniente para quem pretende aplicar programas de redistribuição de riqueza.
  • Também Milton Friedman apontou a não separabilidade de liberdade económica de liberdade política. Em Capitalism and Freedom, apresentou o argumento de que a liberdade económica serve de impedimento à concentração de poder. Essencialmente, quanto menor o grau de liberdade económica, maior a concentração de poder nos orgãos políticos, que passam a acumular com os seus poderes políticos uma série de poderes de decisão económica. Esta concentração acaba por ser nefasta para a liberdade política, pois a partir do momento em que o estado possui influência directa sobre a subsistência económica dos indivíduos, mais facilmente pode usar esta alavanca para suprimir os opositores. Além disso, dificilmente serão encorajadas ideias novas, fora do mainstream; na medida em que será seguramente mais fácil encontrar um financiador privado num mercado livre do que convencer um burucrata estatal num mercado controlado.
  • Para Ayn Rand, a questão nem sequer se coloca; por definição. As liberdades económica e política são corolários da liberdade individual. O capitalismo “laissez-faire” é o único sistema compatível com a vida de um indivíduo enquanto indivíduo; o único compatível com um código ético individual, que permita ao indivíduo conduzir a sua vida de forma moral, uma vez que só a escolha livre das suas acções tem valor moral; o único compatível com o reconhecimento da realidade de que o homem é um ser racional cuja sobrevivência depende do seu uso livre dessa capacidade.

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