O meu filho passou as férias da Páscoa no meu escritório; foi bom ver uma criança saber vencer o tédio. A minha crónica hoje no i.
Vencer o tédio é uma arte
Por razões várias o meu filho passou as férias da Páscoa no meu escritório. Uma pessoa vê-se perante esta inevitabilidade, planeia o que pode, convence-se de que tudo correrá bem, ao mesmo tempo que receia venha a ser o caos. Prepara-se para tudo, menos para a surpresa do que verdadeiramente acaba por acontecer. Levar o filho para o trabalho por falta de alternativa e acharmos que o miúdo merecia melhor é esquecer o que é ser criança. Que uma criança, o que mais gosta, o que mais valoriza, o que mais deseja, o que mais quer é estar com os pais.
Tomamos o pequeno-almoço, vestimo-nos, eu pego nas minhas coisas, e tu, já tens as tuas? “Sim, e levo também a carteira que hoje pago eu o almoço.” Entramos no elevador, descemos e vamos a pé pela rua, vais a pé pela rua de mão dada à tua mãe, o que uma criança mais deseja na vida, andas enquanto pensas, talvez sobre o que vais fazer, apercebo-me disso quando te ouço: “Papá, posso usar a tua máquina de fotocópias?”
Podes fazer tudo o que quiseres desde que não seja correr e falar alto e interromper quem está a trabalhar. Não peças colo às minhas colegas, embora saibamos que te vais aproximar delas, assim como quem se encosta, lança uma pergunta, deixa um comentário, faz um sorriso, deita uma gargalhada, quem é que não se desarma com uma? e depois se rende, primeiro quando te abraça, depois quando te empoleiras e sobes e lanças mais perguntas. Um sorrisinho, uma gargalhada curta, que já as tens no colo, no teu, quando é o delas que te dão.
Espreitas para ver quem entrou, quem se senta na sala de reuniões e aguarda pelo teu pai. Uns têm um ar sério, outros até parecem felizes, cumprimentam-me, contentes, e sentam-se; uns aceitam um café, outros não, nem sequer um copo de água, que se atiram logo ao trabalho; alguns nem português falam, vêm de outros sítios, de lá longe, para estar aqui perto, mesmo ao lado da sala onde estás agora a escrever, ou a fazer desenhos que fotocopias, sei que o fazes porque ouço, no meio da minha reunião, o barulho da máquina a ligar-se e a puxar o papel que vais receber, deliciado.
O dia acaba, mais um, menos um para que as férias terminem, menos um em que vais gostar de ficar naquele sítio onde se trabalha e se trata de coisas sérias, excepto quando lá estás; mais um para guardar na memória, mais um contigo, mais um inesperado, ao todos foram dez, dez dias inteiros, preenchidos, inesquecíveis. Dias que antevi com preocupação, mas que cedo percebi ser o que mais desejavas.
Eu quando era miúdo também passei muitos dias de férias no local de trabalho da minha mãe. Ela tinha lá máquinas de escrever e eu aprendi, por prática, a datilografar de forma bastante eficiente.
Texto muito bonito 🙂
E que tal deixar ser crianca e deixa-la brincar na rua, arranjar Uma alternative para nao a prende-la. Imagino a baixa produtividade nesse dia
Uiii, estes liberais são de uma raça nunca vista. Por uma criança num local de trabalho? Francamente, se fosse médico, técnico nuclear, etc. Também levava o seu filho? O lugar das crianças e junto de outras crianças a ser crianças, não leu o decreto lei? Eu vejo cada coisa neste mundo. O que ganhou a criança nessa ida ao trabalho do pai? De certeza que vai ficar traumatizada só de pensar que vai ter de trabalhar um dia na sua vida. Deus queira que quando for grande haja um RBI que acha sustente.
Por acaso também gostei de ir ao escritório do meu pai ver aquelas maquinas de escrever que escreviam sozinhas (os telex, lembram-se?).
Ao fim do dia levava para casa uma colecção de serpentinas cheias de furinhos pequenos e cartões perfurados que serviam para intrigar os meus colegas de escola.
Nunca pensei ler um texto que relatasse aquilo que foram muitos dos meus dias de férias enquanto criança. Era, de facto, onde mais queria estar.