CEO da Ryanair sobre a ANA, a aposta em Lisboa e o novo aeroporto do Montijo

ryanairinverno2017

O CEO da Ryanair é, obviamente, parte interessada no tema, pelo que as suas declarações devem ser interpretadas sob esse prisma. No entanto, vale a pena ler o que ele tem para dizer sobre a nova base aérea do Montijo e o monopólio da ANA (a privatização da ANA em bloco foi um dos grandes erros do governo anterior). Está aqui tudo: desde o potencial desaproveitado na Portela, aos problemas com o monopólio da ANA, à possibilidade de crescer nos aeroportos de Porto e Faro e ao excesso de investimento planeado para o Montijo. Uma entrevista muito elucidativa.

A ANA já pegou no telefone para vos perguntar se estão interessados em voar para o Montijo?
Não. Porque a ANA não nos quer a voar no Montijjo.

Acha?
Sei que é assim

Como assim? Os estudos apontam para o facto de haver uma certa dependência da Ryanair para que o projecto funcione.
A sério? E o que fazem é adiar a decisão? O Montijo deveria estar aberto já no Verão do próximo ano. É possível construir um terminal low cost em menos de 12 meses, por cerca de 25 milhões de euros. Mas a ANA está a falar em gastar 250 milhões, em demorar quatro anos, e em fazer estudos. O que é que vão andar a estudar? Os aviões já lá estão.

Há questões ambientais por determinar, por exemplo, o impacto nas aves.
O caso dos pássaros….É só pegar em duas shotguns e o problema dos pássaros resolve-se… A sério, já lá levantam e pousam aviões.

Que condições exige a Ryanair para voar para o Montijo?
Essencialmente taxas mais baixas, muito mais baixas do que as que são cobradas na Portela. E imagino que estas são condições exigidas pela maioria das companhias de aviação. O meu receio é que a ANA diga: olhem, tivemos de gastar 250 milhões para fazer o Montijo, por isso as taxas vão ser as mesmas do que na Portela. Ninguém vai querer voar para lá.

Já se refere que a mobilização das companhias para o Montijo será feita com taxas aeroportuárias mais baixas.
Então aí estaremos para ajudar a crescer a região. Mas esse é outra questão que é preciso desmitificar: a ANA anda a dizer que a Portela está cheia quando isso não é verdade. Eles dizem que os terminais estão cheios, mas a maior parte do dia estão vazios.

A Ryanair tem conseguido fazer todos os voos que quer? Tem slots para isso?
Na verdade, não. O problema é que já não podemos estacionar mais aviões, pô-los em Lisboa durante a noite, para levantarem às primeiras horas da manhã. Mas se tivermos o avião estacionado noutro sítio qualquer, podemos chegar à vontade, a meio da manhã ou a meio da tarde.

E isso não é bom para a Ryanair?
Sim, vivemos bem com isso. Mas significa que não podemos operar mais voos de manhã cedo para o segmento de negócios, e para os passageiros que querem sair de Lisboa de manhã cedo e regressar ao fim do dia. Essa é uma maneira com que a ANA está a proteger a TAP, e a limitar-lhe a concorrência.

Quando acha mesmo que vai conseguir bater a TAP?
Acredito mesmo que vai acontecer. Com o crescimento que anunciámos esta quinta-feira, de três novas rotas em Lisboa, e uma nova no Porto, eu acredito que nos próximos dez anos chegaremos aos dez milhões de passageiros. A TAP movimenta 11,5 milhões.

E não precisa do Montijo para isso?
Não. Podemos crescer no Porto ou em Faro. Também queríamos crescer na Portela, mas a verdade é que temos estado a ser bloqueados. Por isso, sim, gostávamos de ter o Montijo. Vamos receber em breve os primeiros dos 250 aviões que encomendámos para aumentar a nossa frota de curta distancia. Até 2023 vamos passar dos actuais 120 milhões de passageiros transportados por ano para os 200 milhões. Será uma média de dez milhões de passageiros por ano, um crescimento que poderemos oferecer a aeroportos como Portela, Porto ou o Montijo

O que é mais importante para a Ryanair quando está a negociar com as autoridades aeroportuárias?
Coisas simples, as mesmas que pedimos em todos os aeroportos: taxas baixas e instalações eficientes. Se não conseguirmos fazer a rotação em 25 minutos, não voamos para esse aeroporto.

Conseguem fazê-lo sem problemas na Portela?
Sim. Usamos o terminal 2, que eles deviam expandir. Mas não querem fazê-lo. A ANA está sempre a inventar problemas.

A ANA é mais problemática dos que as outras autoridades aeroportuárias com que lida?
Sim, muito mais. Primeiro porque são um monopólio. Segundo porque estão a crescer. Enquanto conseguir limitar o crescimento da Portela a 4% ou 5% ao ano podem continuar a subir os preços das taxas. É o que vão fazer, no próximo ano, apesar de gerir os aeroportos que mais estão a crescer na Europa. Como é que as taxas estão a aumentar quando o tráfego está a crescer? Olhe à volta. Schipool, em Amesterdão, est a reduzir as taxas 7% este ano, os aeroportos espanhóis comprometeram-se abaixar 2% ao ano, nos próximos 5 anos. O que se passa em Portugal. Nada. É um monopólio. E francês.

(Nota: numa entrevista com tanto conteúdo interessante, no link originalo Público decide destacar a única frase que é claramente a brincar na entrevista. Péssima escolha)

10 pensamentos sobre “CEO da Ryanair sobre a ANA, a aposta em Lisboa e o novo aeroporto do Montijo

  1. lucklucky

    “(a privatização da ANA em bloco foi um dos grandes erros do governo anterior)”

    A privatização da ANA foi a demonstração da cultura do capitalismo de favores das gentes do PSD e CDS contra a liberdade do mercado livre.

  2. A nossa velha cultura de privatizações é exactamente a de substituir monopólios publicos por privados. Com o intuito de ganhar uns trocos no curto-prazo, prejudica-se todo um mercado para o futuro.

    Não é novidade, foi sempre assim em todas as grandes privatizações, em que em vez de se fazer o unbundling de sectores de negócio deixaram-se negócios e imensos activos dentro de uma única empresa, protegida quer por legislação que limita concorrência quer por posição dominante. Claro que tudo isto abre o flanco para as exigências demagógicas da esquerda sobre os “sectores estratégicos”, mas quem venha a seguir que feche a porta.

  3. jo

    O homem é um bocado confuso. Diz que não tem slots para descolar mas que ainda tem muito espaço, tudo na mesma frase.
    Os estudos de impacto ambiental com shotgun também são originais. Qualquer dia diz que se há aviões a mais não há problema, compra uns mísseis terra ar e fica tudo resolvido.
    Depois diz que o tamanho do aeroporto de Lisboa não é problema porque pode crescer no Porto e em Faro. Deve trazer os passageiros de comboio.
    Com o aumento da procura as taxas aumentaram, não é que a lei da oferta e da procura também se aplica aos aeroportos.

  4. O CEO da Ryanair não é nada “confuso” …
    Está no seu papel de cliente actual e potencial da ANA e diz que ou esta aumenta rápidamente a sua oferta a propõe taxas mais atractivas, na Portela e ainda mais num futuro aeroporto do Montijo, ou a Ryanair dirige os seus aviões adicionais e o acréscimo de passageiros para outros aeroportos, como Porto e Faro.
    O problema, como é referido no post, é que a ANA, embora seja privada, tem hoje um monopólio em termos de oferta aeroportuária na região de Lisboa (o que, diga-se desde já, é sempre preferivel a um monopólio estatal).
    O que mais convém aos passageiros e ao nosso pais é que este monopólio seja de algum modo furado e diminuido através de outras alternativas oferecidas por outros operadores, na região de Lisboa (por exemplo, porque não concessionar o aeroporto do Montijo a outro operador privado) ou mesmo mais longe.

  5. “a privatização da ANA em bloco foi um dos grandes erros do governo anterior”

    Foi !…
    Mas teria sido pior ter mantido o aeroporto de Lisboa como um monopólio estatal.
    E o dinheiro desta e de outras privatizações foi então muito útil para ajudar a fazer face à situação de emergência financeira em que o pais se encontrava.
    Trata-se agora de procurar corrigir o que não está bem favorecendo e abrindo o sector a outros operadores privados.

  6. Este caramelo não sabia que em Lisboa os turistas (sejam nacionais ou estrangeiros) até para dormirem num hotel têm que pagar uma taxa especial à dignissima câmara…. e não quer ele que a D. Ana aumente taxas. Olha caramelo, tens que compreender que o AUMENTO DA TAXA é um desígnio NACIONAL, ou julgas que isto é a Irlanda…. ou até a Espanha….

  7. Luís Lavoura

    “a privatização da ANA em bloco foi um dos grandes erros do governo anterior”

    Concordo. Mas vem em linha com atuações anteriores de governos do PSD, cuas privatizações privlegiaram sempre a formação de grandes grupos bem controlados. O PSD sempre fez merda a privatizar, não foi caso único.

    Já agora, questiono por que é que os governos nunca quiseram privatizar os portos nacionais. Não lhes faltaria aí matéria para interessantes e úteis privatizações.

  8. jo

    Fernando S
    O senhor da Rayanair é livre de levar os aviões para onde quiser, ninguém o obriga a estar cá. O problema é que quando se fala do tráfego de Lisboa, não faz sentido ir para outro lado.
    Está aí a confusão do senhor: perguntam-lhe se o aeroporto de Lisboa é suficiente e ele diz que não há problema porque pode sempre fazer negócio noutro lado. Como se o problema do aeroporto de Lisboa fosse não dar negócio suficiente à Rayanar. Um caso grave de umbiguismo.

  9. Luis Lavoura,
    A pior “merda” é não privatizar de todo e, neste aspecto, o PSD fez menos “merda” do que o PS, já para não falar na “merda” que fizeram ou fariam se pudessem o PCP e o BE !…
    Concordo com o que diz sobre a conveniência em privatizar os portos nacionais … procurando naturalmente não fazer “merda” desta vez !…

  10. JO,
    O interêsse bem compreendido do Aeroporto de Lisboa é captar e fidelizar a clientela a prazo.
    E o do pais no seu conjunto também.
    O actual crescimento da procura não vai durar sempre pelo que seria desejável que o Aeroporto de Lisboa, beneficiando de uma situação de monopólio, não abusasse agora de taxas elevadas e não racionasse a oferta.
    Nesta fase não há crise mas mais tarde, quando as vacas forem menos gordas, o Aeroporto de Lisboa e o pais podem vir a lamentar a perda de volume da parte de operadores como a Ryanair
    O papel do governo e do regulador é precisamente o de favorecer o aumento da concorrência no sector aeroportuário em beneficio dos consumidores-passageiros e não o de confortar a vantagem monopolista de um operador privado como a ANA Vinci Aeroports.
    O operador privado que é a Ryanair não tem forçosamente de apostar no Aeroporto de Lisboa ou noutros que, por beneficiarem agora de aumentos de tráfego importantes, têm uma politica imediatista de racionamento da oferta e de preços altos. Para a Ryanair o tráfego de Lisboa representa uma parcela pequenissima do seu total e o que mais conta é a maximização da sua margem global (isto é, se o Aeroporto de Lisboa for pouco operacional e caro então é natural que a Ryanair sacrifique o volume aqui e procure potenciar sobretudo outros aeroportos que sejam mais funcionais e menos caros ; o objectivo final da Ryanair não é transportar passageiros para Lisboa mas sim viabilizar a sua exploração e maximizar o seu lucro).

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