O maravilhoso mundo dos swaps

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Para uma empresa normal, gerida por pessoas normais, isto é, equipadas com um cérebro, um swap é um instrumento financeiro de protecção contra o risco (hedging). Um exemplo: imagine que a sua empresa vende para os EUA. Como recebe em dólares tem algum receio que uma desvalorização do dólar face ao Euro possa levar a perdas. O que faz? Compra um produto financeiro que lhe garanta uma taxa de câmbio fixa. Em troca de assumir o risco, o banco cobra-lhe um prémio. Raciocínio análogo aplica-se às taxas de juro. Se tiver receio da volatilidade da taxa, até porque a incerteza e a variabilidade dos pagamentos podem criar problemas de tesouraria na sua empresa, pode contratar ao banco um swap que lhe oferece uma taxa de juro fixa. Em troca paga um prémio, que é expectável e estável, em excesso da taxa de juro fixa. Tudo muito razoável.

Esta operação é uma moeda, passe a graça, de duas faces. Por um lado, a empresa protege-se do risco (long); por outro, o banco assume o risco (short). Como a função de um banco é, com efeito, servir de intermediário financeiro, embora raramente se limite a isso, irá então procurar alguém que queira comprar aquele swap, ou porque quer fazer a operação inversa (proteger-se da variação do EUR), ou porque está à procura de mais rentabilidade e quer assumir o risco (especulação).

Isto é como as coisas funcionam no mundo normal. No mundo menos normal das Administrações Públicas o caso é substancialmente diferente. Circa 2005-2007, as empresas de transportes, em particular o Metro do Porto e de Lisboa, Carris e STCP, entediados com uma rede de transportes públicos tão funcional, robusta e eficiente, decidem investir numa nova área: no jogo. Vai daí e assinam uns contratos swap. Mas assinam-nos do lado de quem vai ao casino jogar Blackjack; do lado do especulador, portanto. Ou seja, as empresas de transportes públicos fazem o exacto oposto do que seria expectável por pessoas normais, que habitam no mundo normal e pagam os desvarios deste mundo anormal: assumem mais, muito mais risco.

Em concreto, as condições dos contratos assinados fixaram que as empresas de transporte recebem do Santander um valor indexado à Euribor, e por sua vez estão vinculadas a pagar uma taxa fixa no primeiro ano, acrescida de um spread variável nos anos seguintes. O problema é este spread.

Analisemos este contrato assinado pela Carris e pelo Banco Santander. O valor nominal é de 90M€, e a taxa base é Euribor a 6M + 0.13% de spread. O Santander compromete-se a pagar Euribor a 6M duas vezes ao ano sobre o valor nominal, e a Carris paga uma taxa fixa de 1.835% no 1º ano, e 1.835% + spread no período remanescente. A fórmula do spread para o período remanescente é: spread anterior + 3.5 x [MAX(2.75% – 10Y Euribor, 0%) + [3.5 x [MAX(6M Euribor – 6%), 0%]. Traduzindo: se a taxa de juro estiver entre valores considerados normais é um bom negócio para as empresas de transporte, se variar para valores abaixo ou acima dos normais então já é um péssimo negócio. Em particular, existe uma compensação (muito grande) caso a Euribor seja inferior a 2.75% ou superior a 6%. Ora, isto foi precisamente o que aconteceu em 2007-2008 e na crise das dívidas soberanas: taxas de juro muito elevadas seguidas de taxas de juro próximas de zero. Resultado: em Outubro de 2015, este contrato valia -36M€, com uma taxa de juro de 62.224%. Ou seja, o portador teria de pagar para o comprador assumir estes contratos. E aqui já voltamos à normalidade: um péssimo negócio para o Estado.

De uma forma muito cândida, os contratos assinados pelas empresas de transporte, assentes neste tipo de swaps snowball, foram classificados por especialistas em finanças como «fortes concorrentes ao prémio de pior contrato de sempre».  Porque foram então assinados estes contratos? Os juízes britânicos, estupefactos, também não sabem, mas especulam. Começam por referir que «o nível de sofisticação financeira destas entidades não era propriamente elevado», uma forma elegante de dizer que grassava a incompetência. Se duvidas havias, a coisa torna-se clara perante um dos argumentos da defesa: este tipo de contratos era muito típico nos mercados financeiros. Não é. Mais grave se torna quando uma decisão desta natureza, que envolve dezenas a centenas de milhões de Euros, tinha necessariamente de ter o aval do Ministério das Finanças. Ou seja, por entre os vários crivos do Estado ninguém notou o disparate.

Outro dos argumentos da defesa, não menos surreal, é o pressuposto de que não é legal que as empresas públicas paguem para assumir mais risco. Poderá não ser, mas, tal como seria de esperar, o colectivo de juízes não considera que isso seja um problema do Santander. Da mesma forma, a defesa argumentava que, à luz da lei portuguesa, não é possível que estas empresas públicas possam entrar em actividades especulativas. Ora, como explicado anteriormente, os swaps podem servir para as empresas se protegerem do risco, caso sejam bem utilizados, o que geralmente requer um cérebro. Neste sentido, e cumprindo com a tradição do direito português, nada obsta a que seja inscrito na lei portuguesa que ser portador de um cérebro é requisito necessário à celebração deste ou de qualquer outro tipo de contratos.

Naturalmente que o Santander não sai ileso, da mesma forma que o comercial agressivo que impinge 150 canais e Fibra de 200M ao casal de reformados, que apenas querem ver o Preço Certo ali pelas 19h, sem atrasos, também não. São práticas predatórias, que tiram partido da inocência, irresponsabilidade, iliteracia dos artistas que pairam pelo Estado.

Sejam quais forem as condições destes e de outros contratos, há uma cláusula que nunca falha: estamos cá nós para pagar.

 

22 pensamentos sobre “O maravilhoso mundo dos swaps

  1. JP-A

    Acaba de ser batido o recorde mundial de velocidade em encalhamentos:

    «”Lisboa, temos um problema”. Portugal pode estar a caminho de um novo resgate, diz WSJ» (Economico)

    E desta vez não é no “Correio da Manhã”!

  2. Baptista da Silva

    Nas Empresas Publicas é só buracos, essas de transporte têm os maiores, mas se passarem a pente fino as Empresas Municipais, acho que temos que construir mais cadeias.

    Quanto o Santander pagou de comissões a quem assinou essa trampa? Por ai é mais fácil de anular os contratos.

  3. Rodolfo

    Então mas a defesa portuguesa não sabe que o Estado endividar-se é fazer short ao euro e entrar no lado especulativo do contrato? E não declaram o endividamento estatal como ilegal porquê?

  4. lucklucky

    A formula não deveria ter MIN em vez de MAX nos 2.5% ou vice versa dependendo da referência com que se faz?

    “..que tiram partido da inocência, irresponsabilidade, iliteracia dos artistas que pairam pelo Estado…”

    Duvido muito da primeira e da ultima. Afinal passou por muitas mãos inclusive no Ministério das Finanças

    Já da ligereza e irresponsabilidade acredito.

    Podemos claro por em causa todo o ensino em Portugal.

  5. tina

    Muito obrigada pela explicação. Poderá ter havido luvas? E nomes dos responsáveis? Não é o ex-ministro das finanças Teixeira dos Santos o responsável? Podem-se fazer estas operações pela calada? Como prevenir que o PS cometa mais destes crimes no futuro?

  6. rrocha

    Nao entendo uma parte desta historia de terror se o Santander tinha a faca e o queijo na sua mão porque diabo foi o governo para tribunal com argumentos tão fracos?
    Estes Swaps que foram no inicio uma asneira (incompetência) não eram passiveis de serem negociados?
    borrada em cima de borrada

  7. rrocha, os contratos são assinados e as condições são para cumprir. Só há renegociação se ambas as partes quiserem. Ora, como é natural, o Santander não queria, pois isto era um contrato fantástico para eles.

  8. rrocha

    Mais lenha para a fogueira ou nevoeiro para o caso

    “Um dos argumentos dos advogados das empresas públicas é o de que o Santander falhou a sua obrigação de defesa do cliente, tendo agido de má-fé ao procurar ganhos significativos com a venda dos swaps. Mas o Económico sabe que o banco incluiu na sua argumentação, perante o juiz William Blair, o facto de ter tentado, por 46 vezes, reestruturar os contratos problemáticos.”

    “Mas o curso das negociações não seria melhor sucedido. Em Abril de 2013 a administração do Santander chegou a apresentar uma proposta de resolução do problema ao Governo: emprestava dinheiro ao Estado para que a República liquidasse todos os swaps, sobrando ainda algum financiamento para utilização livre. Nem a taxa de juro, nem a maturidade desta proposta são conhecidos. O Governo recusou.”

    http://economico.sapo.pt/noticias/santander-quis-rever-swaps-antes-de-as-perdas-para-o-estado-dispararem_232140.html

    Como diz o Sr. Mario Amorim Lopes “estamos cá nós para pagar”

  9. lucklucky

    “Nao entendo uma parte desta historia de terror se o Santander tinha a faca e o queijo na sua mão porque diabo foi o governo para tribunal com argumentos tão fracos?”

    Porque o Governo trabalha para os jornais, para parecer bem aos jornalistas.

    Se os argumentos não prestam e ainda gasta mais dinheiro dos contribuintes nos tribunais em cima do desastre dos swaps não interessa, o que interessa é parecer que faz alguma coisa.

    Veja como nenhum jornal nos diz ou está interessado em dizer quanto custou o apoio legal e custas to processo para levar o caso aos tribunais ingleses.

  10. Lucas Galuxo

    “estamos cá nós para pagar”
    Inclusive quando o negócio corre mal para o vendedor do swap. Assim os contribuintes americanos tiveram que despejar dezenas de milhões de dólares na AIG.

  11. Anonymous

    vários esclarecimentos:
    1. Não houve luvas porque todos os swaps tinham um atractivo fantástico para as gestões destas empresas – durante o mandato vigente baixavam os custos de financiamento porque pagavam taxas subsidiadas pelas opções que vendiam nos prazos mais longos que seriam problema de outra administração (moral hazard);
    2. O Santander ganhou muito dinheiro, mas apenas no momento em que vendeu as estruturas;
    3. Durante a vida dos swaps o Santander não ganhou nada mais porque fechou a posição vendida no mercado internacional;
    3. O Santander apresentou propostas de restruturação (onde provavelmente ganharia mais dinheiro) mas nunca chegaram a acordo;

  12. deathratlesnake

    Muito bom MAL!
    e muito educacional para quem está fora destas lides de economia e finanças.

  13. Luís Lavoura

    Excelente post.
    Eu questiono, os gestores que assinaram estes contratos não podem ser postos em tribunal, pelo Estado, por gestão danosa?

  14. Em algum lado se calculou o risco / custo de suspender o pagamento e remeter o assunto para a barra do tribunal

    Na prática quanto custou a estratégia adoptada ?

    Porque caso tivessem optado por pagar as prestações continuaria a haver um custo para o erário público.

  15. rrocha

    Sr Mario Amorim Lopes

    Esta narrativa esta correcta?

    Em Setembro 2013 e dada ordem de suspensão dos pagamentos dos swaps logo não aparece este custo nas contas das empresas públicas que por sua vez não e reflectidas nas contas do estado suavizando o deficit o que leva os valores das analises feitas nas avaliações da troika sejam “martelados” então a chamada saída limpa foi com nódoas .

    Sera novamente a chamada “engenharia financeira” que atacou novamente a contas publicas?

  16. Lucas Galuxo

    Fernando Gil,
    Sim. Nos EUA, no auge da crise financeira, houve estadistas, com visão e nervo, para socorrer as suas instituições. E ainda ganharam dinheiro com isso. Aqui, a bancos aflitos, ofereceram indiferença e pontapés, pregando-os num poste, para expiação do povéu, sem a consciência de estar a empurrar a maior parte do sistema financeiro para uma ribanceira.

  17. Jorge

    Eu, como bom português, e que conhecendo bem está raça tão pródiga em arranjinhos e comissoeszinhas e desconfiado da inocência do interlocutores de tantos escândalos como diariamente nos defrontamos, não posso NUNCA acreditar que esses mesmos contratos não tenham sido previamente analisados, portanto daí ter digamos para não ser castrativo 99% de convicção que nada se faz nem decisões são tomadas se TODOS os autores não saíam beneficiados …..
    O que mais me frusta neste processo e o fato de em (mais uma vez), 99% dos casos O CRIME COMPENSAR… É assim, muita amnésia e memória faltosa… Como o nosso querido Sócrates … Até ja enviei umas cartas ao Santos Silva pedindo amizade, mas ele recusou pois o querido amigo leva-lhe todos os recursos….

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