Este post surge em sequência desta reflexão sobre a democracia em geral, e debruça-se em relação à democracia tal como implementada em Portugal, em particular no poder legislativo e executivo.
Tal como vejo, a democracia em Portugal padece dos seguintes problemas:
- A constituição em vigor confere poderes amplos aos governantes, incluindo intrometer-se em todos os aspectos de liberdade individual e liberdade económica dos cidadãos; e incorrer em compromissos financeiros (por exemplo parcerias público-privadas e rendas energéticas) que comprometem os governos seguintes e as gerações futuras.
- A constituição é extremamente longa, densa e complexa e além disso não é politicamente neutra.
- Existe falta de proporcionalidade e representatividade da população nas eleições sendo que: a) a existência de círculos distritais com a aplicação do método de Hondt favorece os grandes partidos – sendo possível alcançar a maioria absoluta com 44-45% dos votos; b) a abstenção e sobretudo os votos brancos não têm qualquer tipo de impacto na composição parlamentar. Por exemplo, em 2005, o PS de José Sócrates conseguiu uma maioria absoluta com cerca de 45% dos votos e com uma abstenção superior a 35%; isto é com apenas 2,6 milhões de votos num universo de 10 milhões (que inclui também menores não votantes).
- Em matérias de programas eleitorais, estes são demasiado vagos e não passam de cartas de intenções. Usam frequentemente os verbos “apostar”, “reforçar”, “valorizar”, “dinamizar” numa série de áreas, e pecam pela falta de objectividade. Um bom exemplo do que seria um programa eleitoral é o memorando de entendimento da troika. Nesse documento são incluídas medidas, montantes e datas específicas que são possíveis de avaliar objectivamente. Ainda pior do que a superficialidade dos programas eleitorais é que um partido pode ser eleito de acordo com um determinado programa, e chegado ao poder, fazer precisamente o seu contrário sem que quem o elegeu não possa fazer absolutamente nada.
- Correndo o risco de generalizar, a qualidade e competência dos políticos deixa muito a desejar. Tal como existe, o modelo promove políticos que fazem “carreira política” agitando a bandeira do partido desde pequenino, e indo subindo aos poucos na organização do partido.
- Uma das principais preocupações dos políticos é ser reeleito. Para esse efeito, é possível usar o orçamento de estado para “comprar votos” de fatias significativas da população.
- Existe falta de responsabilização (accountability) dos políticos que gerem o dinheiro dos contribuintes – algo que Nassim Taleb descreve como “skin in the game”. Os políticos podem ter gestões extremamente danosas e o pior que lhes pode acontecer é não serem reeleitos (isto admitindo que não incorrem na prática de crimes – o que é outra história). Um gestor ou empreendedor, utilizando o seu dinheiro, sofre imediatamente e directamente com o resultado das suas acções. Citando Thomas Sowell: “é difícil imaginar um sistema mais estúpido ou mais perigoso de tomar decisões do que colocar as decisões nas mãos de pessoas que não pagam nenhum preço por tomarem decisões erradas.“
É verdade que na democracia não existem sistemas perfeitos, mas ainda assim, deixo aqui algumas sugestões para melhorar o sistema actual:
- A constituição deve ser significativamente revista no sentido de ser bem mais reduzida; simples e objectiva; e também politicamente neutra. O foco de uma constituição deve ser na protecção dos direitos fundamentais – vida, liberdade e propriedade – de todos os cidadãos.
- Restrição constitucional severa dos poderes do estado, sobretudo nos domínios da liberdade individual e da liberdade económica.
- Ainda no que diz respeito à limitação dos poderes do estado, este deve ser impedido de ter défices orçamentais assim como deve ser impedido de emitir dívida pública (que representa impostos futuros e à qual incorre no pagamento de juros).
- Proibição do governo em incorrer em compromissos financeiros para além da legislatura corrente.
- Melhorar o sistema eleitoral de modo a este ser mais proporcional e ao mesmo tempo mais próximo dos cidadãos – um sistema misto nacional em conjunto com círculos uninominais parece-me que tem potencial.
- Dar significado na composição parlamentar à abstenção e aos votos brancos, eventualmente com lugares vazios.
- Abrir o sistema eleitoral a candidatos independentes não afiliados a qualquer partido.
- Para reduzir o número de “carreiras políticas”, reduzir e instituir um número máximo de mandatos relativamente pequeno para todos os cargos de eleição ou nomeação política.
- Obrigar a que os programas eleitorais sejam mais específicos pelo menos em alguns pontos chave, e que os mesmos sejam passíveis de serem avaliados objectivamente. Estes programas seriam avaliados por uma ou mais entidades independentes e a partir de uma determinada percentagem de incumprimento, o governo em funções seria automaticamente demitido. No programa eleitoral devia constar também a proposta de composição da estrutura e dos elementos do governo.
A democracia é um embuste. Foi inventada apenas para alargar o leque de candidatos a tiranos na Antiga Grécia.
> alargar o leque
300 senadores, que se comprometem a tratar-se como iguais. O mexilhão que se amolgue.
Receita velha, funciona lindamente.
Mas é sempre enternecedor ver as pressurosas “medidadas de melhoramento” que os especialistas recomendam.
Os senadores devem apanhar barrigadas de riso a ler estas coisas.
Esqueceu-se de dizer como a dita Constituição é violada todos os dias por exemplo pelo IRS ( e todas as leis que descriminam pela sua condição económica), pela Lei do Aborto etc…
É sempre violada num sentido.
Muito bom trabalho, parabéns JC! Sem dúvida alguma, deveríamos continuar sempre a aperfeiçoar o modelo, não há nada perfeito e, reconhecendo os erros, é estúpido insistir neles. Temos é de esperar que a geração de abril, ou seja, os donos da constituição, morram todos para a podermos modificar no sentido de satisfazer as reais necessidades do país todo e não só de alguns.
João:
Concordo plenamente
Restrição constitucional severa dos poderes do estado, sobretudo nos domínios da liberdade individual e da liberdade económica.
Bastava este ponto os restantes são supérfluos.
Existe aqui alguns pontos que de ponto de vista prático vem contra o ponto 2.
Na minha opinião o ponto 3:
“Ainda no que diz respeito à limitação dos poderes do estado, este deve ser impedido de ter défices orçamentais assim como deve ser impedido de emitir dívida pública (que representa impostos futuros e à qual incorre no pagamento de juros).”
Isto supõe que a função do estado é gerir a economia, contrariado até posso fazer o exercício:
Se supõe isso, qualquer investimento que possa dar retorno no futuro (como não gasto para as gerações futuras pagarem, também não invisto para as gerações futuras receberem) deixa de ser possível.
Posso não ter entendido o que pretende com este ponto, mas este ponto é utópico.
Há outros pontos que na minha opinião contradizem o ponto 2:
Como limitar mandatos dos políticos. Se pugnamos pela liberdade não a limitamos!
Os lugares vazios significa que nunca iria existir maiorias?
O último ponto, substituía programa por orçamento, que seria sufragado e nunca discutido no parlamento.
Cumprimentos
E àcerca da justiça? Haverá democracia sem um efetivo Estado de Direito? Não será através dela (e de uma maior facilidade de acesso do cidadão aos seus serviços) que se podem controlar muitos dos abusos do poder?
Depois, a possibilidade do cidadão participar nas decisões. É curioso ver como muitos dos comentadores reconhecem a necessidade de controlar as interferências do Estado, mas nada dizem sobre a possibilidade do cidadão ser chamado a dar opinião através de mecanismos mais simples e mais frequentes do que as eleições (referendos, por exemplo).
Por último, está a acontecer com o “nosso” método de Hondt, o que recentemente se passou com a prisão preventiva. Foi preciso os “grandes” sentirem as suas preversões, para se reconhecer que a metodologia usada em Portugal é perversa e “viciosa”. Há que “séculos” que se denuncia isso! Não há dúvida de que a melhor defesa da democracia, é não dar grande margem de manobra e descanso a quem está no poder.
> E àcerca da justiça?
Aplica-se o que o Tucídides reportou há 2500 anos: “A justiça é uma questão entre iguais, os fortes fazem o que conseguem, os fracos aguentam o que podem”.
Não é dificil, não mudou desde então.
“Obrigar a que os programas eleitorais sejam mais específicos pelo menos em alguns pontos chave, e que os mesmos sejam passíveis de serem avaliados objectivamente. Estes programas seriam avaliados por uma ou mais entidades independentes e a partir de uma determinada percentagem de incumprimento, o governo em funções seria automaticamente demitido.”
Este ponto não faz sentido nenhum.
Primeiro começa com a palavra obrigar (quem obrigará? contra que consequências?), depois vem o “mais específicos em alguns pontos chave” (quem avalia o grau de especificidade e quais os pontos chave?), a seguir o fora de contexto de “passíveis de ser avaliados objectivamente” (como se avalia objectivamente objectivos políticos? Como se avalia o aumento de liberdade? Como se avalia o casamento de homossexuais ou a descriminalização do aborto?) e para o fim o remate das premissas erradas. A avaliação “por uma ou mais entidades independentes” e o dar a essa entidade o poder de demitir governo/assembleia é uma óptima maneira de destruir a pequena vontade dos governos/assembleias de governar para os eleitores (o seu emprego não depende deles) e desvirtuar ainda mais o cargo da presidente da república. Português como sou, também imagino que todos os programas apenas terão apenas objectivos óbvios de atingir.
As eleições são para programas políticos e não para planos para empresas onde tudo pode ser avaliado por números. O governo, e não a assembleia, devia era ser passível de ser demitido por votação popular (directa e ser círculos) e marcada automaticamente após reunir um número de assinaturas equivalente a 10% dos votantes da última eleição. O critério de vitória da moção popular, não tenho ideia, mas poderia ser 65%.