Como está Portugal?

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Já muita tinta e largura de banda foram gastas com as declarações de António Costa numa conferência com “investidores chineses” (o dr. Futre é que tinha razão), dizendo que estes haviam “ajudado” a que Portugal estivesse “na situação em que está, muito diferente daquela que estava há quatro anos”. Para dizer a verdade, gastou-se tinta e largura de banda a mais. O episódio mais não foi do que uma demonstração de como António Costa é, como já várias vezes eu disse, um Zelig político, um “camaleão” que fala de forma a que a audiência ouça o que quer ouvir. Infelizmente para ele, esqueceu-se que hoje em dia, com o YouTube, os blogues e “os twitters e o facebooks” (para citar o já mencionado dr. Futre), ninguém na posição do dr. Costa fala só para a audiência que está diante de si naquele momento em concreto, mas para uma audiência mais vasta, em qualquer lugar e em qualquer altura, e que o que se diz aos primeiros para lhes agradar pode ser visto por – e desagradar aos – segundos uns dias ou meses mais tarde.

A gaffe em si pouco justifica para além de uma graçola ou outra (um pequeno pecado a que eu próprio não resisti aqui e ali) e da aparição do merecidamente esquecido Alfredo Barroso a anunciar a sua desfiliação do PS, com o propósito de mostrar o seu desagrado com as declarações de Costa e de lembrar ao país que ainda percorre o mundo dos vivos. Mas talvez fosse bom que, deixando aos partidos e seus aguadeiros (uma área de actividade em que nunca há desemprego) a incumbência de prosseguir com o triste espectáculo a que a questão deu origem, algumas pessoas com um pouco mais de sensatez e outras preocupações se dedicassem a discutir quão diferente está o país, e em que medida a diferença é positiva ou negativa.

Ninguém contestará que o país está mais pobre do que estava em 2011, nem que muitas pessoas viram as suas condições de vida degradarem-se nestes últimos anos. Mas também ninguém pode com honestidade contestar que essa é em primeiro lugar uma responsabilidade do Governo anterior, que, liderado por alguém notoriamente perturbado e sem noção da realidade, deixou o país à beira do precipício. E este Governo teve pelo menos o mérito de evitar a queda por esse mesmo precipício abaixo. A pobreza e degradação das condições de vida que tiveram lugar ao longo destes anos teria sido muito pior se o programa de austeridade que o Governo de Passos Coelho executou e a que nos submeteu tivesse sido substituído pela austeridade da bancarrota e do caos que se lhe seguiria.

Mas, apesar de ser necessário reconhecer este mérito ao Governo de Passos Coelho, é também preciso perceber o problema que se esconde por detrás dele: desde o princípio, muito antes das polémicas com o Tribunal Constitucional, e muito antes do dr. Vitor Gaspar escrever uma carta fingindo ser um homem de princípios, que o Governo optou por combater a ameaça do precipício da bancarrota com aumentos de impostos e cortes da despesa pública sem qualquer reforma do Estado e da sua relação com os cidadãos nas áreas sob as quais alça os seus amplos tentáculos. Por outras palavras, desde o início que o Governo optou deliberadamente por manter intocado o estatismo que herdou, deixando-o apenas e só com menos dinheiro. Infelizmente, fê-lo ao mesmo tempo que usava e abusava de uma retórica “reformista”, cujo único resultado foi precisamente reduzir ainda mais do que já estavam reduzidas as condições políticas para se realizarem reformas efectivas no futuro.

Veja-se bem a triste sucessão de governantes e sua conduta política a que os infelizes cidadãos deste país tiveram o azar de ser sujeitos nos últimos anos: Durão Barroso entrou prometendo reformas e descidas de impostos, e saiu a meio para Bruxelas, com os impostos mais altos e nenhuma reforma concretizada. Depois do indescritível e breve interregno santanista, veio o “animal feroz”, que prometeu reformas e impostos mais baixos, e saiu da forma que se viu, com o país de rastos, com impostos ainda mais altos e a precisar de tantas reformas como precisava em 2005. E por último vieram Passos Coelho e Portas, com boas intenções e falta de vergonha, respectivamente, prometendo uma “reforma do estado” que até para pôr no papel foi complicada, quanto mais para fazer sair dele. Perante tão deprimente elenco de “reformadores” e resumo das suas “conquistas”, quem poderá culpar o comum português por duvidar da palavra e das intenções de quem no futuro lhe venha a pedir reformas?

Desde a fatídica noite em que o engenheiro Guterres resolveu abandonar o convívio com os seus concidadãos para evitar que Portugal se transformasse num pântano, todas as promessas de “reformas” e de “combate” aos “interesses estabelecidos” (ou como diz um amigo meu, num tom quase encantatório de conto infantil, “os poderes que são“) traduziram-se na manutenção de tudo aquilo que fora identificado como problema. Ao fim de 13 anos de “crise” permanente, a carga fiscal continua a aumentar, sem nunca conseguir ser suficiente para cobrir as despesas a que o Estado se obriga, criando assim anualmente os défices que geram a malfadada dívida que enche os debates entre quem tem pouco para dizer. Para sair da crise, serão mesmo precisas uma série de reformas, com custos difíceis de suportar para algumas pessoas e que trarão um elevado grau de incerteza a muitas outras. Depois de 13 anos a ouvir os “responsáveis” políticos a “pedir sacríficios” em nome de “reformas” que não mudaram nada, dificilmente os portugueses acreditarão que quem o venha a fazer no futuro possa querer mais do que justificar com bons sentimentos o enriquecimento dos tais “poderes que são” – e que aparentemente nunca deixam de ser. Claro que sobre esta embrulhada e como a ultrapassar, António Costa não diz nem dirá uma singela palavra, quanto mais não seja porque não pensa fazer nada de substancialmente diferente do que tem sido feito até agora. E provavelmente, porque talvez nem sequer perceba o problema.

18 pensamentos sobre “Como está Portugal?

  1. lucklucky

    Portugal está pior.

    Está pior porque o medicamento não inverteu o caminho da doença, só desacelerou parte da sua evolução.

    Em relação ao poder do estado por exemplo este governo ajudou a ficar tudo bastante pior. Aqui não houve medicamento, só opressão.

    Temos ainda mais socialismo a impedir a escolha das pessoas, temos receitas do estado irem directmenbte para lobbies.

  2. lucklucky

    Correcção: temos receitas do estado irem directamente para lobbies, como o dos “artistas” e os das autoestradas.

    Sim Portugal está mais socialista e por isso pior.

  3. Manuel Lopes Rocha

    Concordo com tudo o que escreveu. Acima de tudo, devemos distinguir duas questões:

    1) Em 2011, após anos e anos de incontestada governação socialista (incluindo quase 5 anos de maioria absoluta), o país chegou a uma situação de quase-bancarrota. A crise internacional não explica tudo: a economia portuguesa tinha problemas estruturais (nomeadamente o excessivo peso do Estado) que se agravaram e as políticas “Keynesianas” do eng. Sócrates nunca se afiguraram correctas para impedir o descalabro das contas públicas. O governo PSD/CDS impediu, baseado no programa de ajustamento, a falência do Estado Português.

    2) O segundo problema, que foi menosprezado desde que o actual governo tomou funções, é agora premente. Ao longo destes anos, pouco foi feito para mudar a sério a economia portuguesa. Desde a falta de coragem para cortar na despesa e de proceder a reformas de fundo (o Plano Portas para reformar o Estado, que devia explicar a forma de o fazer, é uma autêntica amálgama de lugares-comuns e de propostas vagas, que em qualquer Universidade dava chumbo directo), passando pelos escândalos na Justiça inaceitáveis num Estado de Direito e terminando em pequenas coisas como a moralização dos concursos públicos – uma promessa eleitoral que pura e simplesmente foi ignorada, este governo deitou tudo a perder no sentido da renovação da política portuguesa. Foi, e concordo com o Autor, uma oportunidade única que se perdeu para mudar o país, cuja economia continua amorfa e excessivamente dependente do poder do Estado.

    Chegados a este ponto, pergunto: face às obrigações de redução o défice para 2015 e 2016 (e o que conta verdadeiramente, independentemente das previsões do governo, são os números dos credores – em particular da Comissão Europeia, mais pessimistas que os do governo) e prevendo-se um crescimento diminuto da nossa economia para os próximos anos, quais as propostas do governo para inverter a situação? Se não se optar pela redução da despesa pública e pela diminuição dos impostos, duvido que alguma vez se mudará a sério em Portugal.

  4. tina

    “Por outras palavras, desde o início que o Governo optou deliberadamente por manter intocado o estatismo que herdou, deixando-o apenas e só com menos dinheiro. ”

    ahahaha, vê-se logo que o Bruno é um mero comentador, sem qualquer experiência de trabalho. Pergunte lá a um empresário como pode ele diminuir custos sem despedir empregados? Acha que mudar empregados de um lado para o outro vai ajudar a alguma coisa? Porque é que não aguça mais o espírito em vez de dizer coisas por dizer?

  5. tina

    E se sabe tão bem a resposta para todos os problemas porque é que não se empenha mais politicamente e tenta resolvê-los? Ou faz parte daqueles portugueses, tipo taxista, tipo funcionário público, tipo comentador conceituado, que critica, critica e criticava mas não faz nada?

  6. mas a Tina viu-me dizer que não se devia despedir funcionários públicos ou diminuir-lhes os salários? Eu não tenho nada contra isso. Só digo é que PARA ALÉM DISSO, é preciso que o Estado deixe de se meter em muito do que se mete, e mudar a forma como se relaciona com os cidadãos (na educação, na Saúde, na Segurança Social, etc.) .

  7. Minha cara, primeiro, comentar também é empenho político. Depois, se não me envolvo mais no partido que acho que é fundamental para mudar o país (o PSD) é porque o partido não me quer para nada (provavelmente com razão). Depois, não tenho as respostas para os problemas todos. Até acho que há problemas sem resposta, veja lá. Apenas e só tenho opiniões acerca do que está bem e do que está mal. Tal como todo a gente. Agora, tacho posso garantir-lhe que não tenho nenhum

  8. tina

    “Minha cara, primeiro, comentar também é empenho político”

    Sim, mas sem meter mãos à obra o comentário é superficial pois não consegue medir as dificuldades do que é preciso fazer, não consegue apreciar o que já foi feito, não consegue perceber o caminho que se está a tomar, nem a estratégia, nem nunca dá ideias válidas porque se torna viciado no falar e não no fazer.

    Por exemplo, fala-se tanto mas tanto em reformas do estado, mas quais são exatamente as reformas que é preciso fazer?

  9. Ainda no outro dia lhe respondi com uma: por exemplo, em vez do Estado financiar as escolas, acabar com isso e financiar os alunos (ou aqueles cujos pais não têm os meios de pagar as propinas que as escolas cobrariam), que escolhereiam que escolas merecem o seu dinheiro. Mas repare que uma participação política mais activa não depende só da minha vontade. Se as pessoas acham que eu não tenho contributo válido a dar, então não me chamam para nada, e portanto não posso fazer. Mas seja como for, discordo dessa valorização superior do 2fazer” em relação ao “falar”. para mim, são igualmente importantes

  10. tina

    Pois, já sabia que ia falar sobre o cheque-ensino. Ou seja, porquê escrever tanto sobre reformas, quando não passa sempre do cheque ensino? Entretanto o governo já fez tantas coisas pequenas mas importantes, mudou tantas leis para melhor, que ajudaram a aumentar a produtividade, a acelerar processos, etc., mas sobre isso nunca se fala. Não, o que interessa acima de tudo é o cheque ensino.

    Quando diz que falar é tão importante quanto fazer, é porque não percebe como fazer é muito mais difícil do que falar e por isso é muito mais valioso. E aqueles que não fazem, são os que mais mal dizem. Uma pessoa já nem liga nada ao que eles dizem, o contributo torna-se nulo.

  11. Muito gosta a Tina de ler coisas que eu não disse. Eu não disse que o cheque ensino estava acima de tudo: dei-lhe um exemplo. Se tivesse dado outro, a Tina teria dito que já sabia que era esse outro que eu ia falar, e insultar-me por causa disso. Aliás, não percebo como é que a Tina, uma tão grande adepta do “fazer” e tão crítica de quem só fala, passa o tempo a fazer exactamente o mesmo que eu: dizer mal de quem discorda. Repare que eu acho muito bem que o faça, apenas estranho que se dedique a uma actividade que diz abominar e que tanto censura nos outros.

  12. tina

    Não passo o tempo a dizer mal, pelo contrário, estou sempre a enaltecer o bom trabalho dos outros, gosto especialmente de posts que tiveram trabalho a fazer, com substância, seja factual ou de uma ideia mais elaborada, um ponto de vista diferente, engraçados, etc. Eu só leio os seus posts em diagonal. São grandes lençóis a dizer mal de tudo e todos. Porque é que não esconde parte do texto como os outros Insurgentes fazem? Assim, escusava de ocupar a página toda com o seu post e impôr-se tanto. Eu sou precisamente o contrário do Bruno, apraz-me uma obra bem feita, tenho sempre o cuidado de reconhecer o mérito, sou construtiva e positiva. Enquanto o Bruno, vibra em encontrar defeitos nos outros. Se continuar assim, vai acabar como um Alfredo Barroso, um Pacheco Pereira ou um Baptista Bastos.

  13. Fernando S

    Bruno Alves : “E este Governo teve pelo menos o mérito de evitar a queda por esse mesmo precipício abaixo. A pobreza e degradação das condições de vida que tiveram lugar ao longo destes anos teria sido muito pior se o programa de austeridade que o Governo de Passos Coelho executou e a que nos submeteu tivesse sido substituído pela austeridade da bancarrota e do caos que se lhe seguiria.”

    Espero que ao menos esta constação de minimo bom senso faça com que o Bruno, e todos aqueles que concordam consigo, nas proximas eleições, mesmo com todas as reservas criticas que possam ter, não deixem de dar os seus votos a um dos partidos da actual coligação de governo em vez de se absterem contribuindo assim para aumentar as chances de uma vitoria de Antonio Costa.
    Parto naturalmente do pressuposto de que o Bruno não contesta que actualmente não existe nenhuma alternativa “reformista” (no sentido que dá ao termo) politicamente viável e que um novo governo PS, para além de representar um risco maior de retrocessos ou atrasos no processo de consolidação financeira, estará ainda menos vocacionado para fazer as reformas que o Bruno defende (e eu também, já agora !).

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