tudo são consequências

Em vão procurei, nalgumas centenas de páginas de literatura libertária, o que já sabia que não iria encontrar: a palavra e o conceito de responsabilidade.

Praticamente nenhum desses autores os refere, e entende-se bem por quê. Porque, no essencial, a teoria libertária defende que cada um é dono de si mesmo, mas não dos outros, pelo que apenas se pode ser responsável pelo que legitimamente nos pertence, e pelas consequências eventualmente lesivas que os nossos actos possam provocar sobre o que aos outros pertence. Se tudo são “direitos e títulos de propriedade” e se o princípio sacramental do libertarismo é o de que “a única obrigação legal que um homem tem para com outro é respeitar os direitos [de propriedade] de outro homem”, devem ficar fora da lei (que não da “moral”, note-se) todos os comportamentos que envolvam eventuais colisões de outro tipo de direitos, mesmo até de direitos de propriedade, sendo extraordinariamente difícil – senão mesmo impossível – encontrar um critério de justiça para dirimir esses conflitos. O caso paradigmático é o do aborto ou das obrigações de paternidade, segundo Rothbard, para quem, em última instância, apesar de moralmente condenáveis, os actos que putativamente levam à interrupção voluntária de uma gravidez ou à não prestação de cuidados elementares para com um filho (alimentação, por exemplo) não podem ser ilegais e, como tal, impostos coactivamente, visto a ética libertária não poder impor a ninguém a violação dos seus direitos de propriedade, no caso do aborto, do direito ao corpo da mulher grávida, no caso da obrigação de alimentos, a renda de um pai ou de uma mãe, ou de ambos. Para este efeito, a responsabilidade individual dos progenitores pelo feto ou de um pai pelo seu filho só teria valor moral, mas nunca legal.

Estes princípios aplicam-se igualmente a outras condutas também condenáveis do ponto de vista moral, mas impossíveis de impor por via legal numa sociedade libertária, como o incumprimento de promessas contratuais (que Rothbard recomenda, não sem alguma razão, que sejam acauteladas com a prestação de fiança que responda nos casos de incumprimento culposo) onde não tenha havido efectiva transmissão, ou dano, de direitos de propriedade (e, presumo, quaisquer outras promessas e compromissos assumidos perante outros), e outras situações-limite que a moral poderá repudiar (o célebre exemplo de náufrago que impede a utilização de uma tábua de salvação por outro náufrago, primordialmente apropriada por si, logo, seu direito de propriedade absoluto), mas que uma ética libertária da liberdade não deverá julgar, menos ainda condenar do ponto de vista legal, isto é, pela via da imposição, por parte de algum poder público ou de um outro poder qualquer, que condene o comportamento do agente-proprietário, obrigando-o a uma solução contrária à da sua vontade. Não por acaso, Rothbard adverte que “não estamos, ao construir uma teoria da liberdade e da propriedade, interessados em todos os princípios morais. (…) Estamos interessados, neste tipo de discussão, somente naquelas questões de ética política”.

Antes de progredir, gostaria de advertir os meus (poucos, seguramente) leitores que têm seguido os meus comentários sobre o libetarismo, que, ao contrário do que possa parecer, até a sua versão ancap não me é de todo antipática, considerando mesmo que pode ser uma contribuição muito importante para o pensamento liberal, desde que não seja excludente, mas acrescentadora. A esse respeito, sigo sensivelmente a mesma regra de Hayek, enunciada no prefácio do livro de Walter Block Defending the Undefendable (e cito de cor por não ter, no momento em que escrevo, a fonte primária comigo), que dizia que mesmo perante os argumentos e as posições mais extremadas, aquelas em que nos dá vontade de fechar um livro e atirá-lo contra a parede, vale sempre a pena prosseguir, porque podemos retirar daí algo de útil e testar a força daquilo que pensamos e em que acreditamos.

Sendo assim, prossigo dizendo que a teoria libertária é manifestamente incompleta nos seus pressupostos, razão pela qual conduz frequentemente a conclusões tão abortivas quanto os abortos de nove meses que ela acha que a lei nunca poderá proibir. E julgo que a atitude (mais do que o pensamento) conservadora pode completá-la muito bem e resolver alguns dos seus imbróglios, para os quais voluntariamente se deixou conduzir.

Desde logo, porque o conservadorismo não vê a moral como algo meramente “individual”, uma espécie de instrumento de auto-satisfação pessoal “prêt-à-porter”, integralmente distinto de indivíduo para indivíduo. De resto, parece-me extraordinariamente difícil, para não dizer impossível, defender uma teoria de direitos naturais oponíveis à soberania e aos poderes públicos (e eles só serão verdadeiros “direitos”, se forem eficazmente resguardados de quem tenha poder para os danificar), sem que se entenda que a sua violação porá em causa, para além de outras, normas elementares de moralidade, e sem que a moral seja tida como o conjunto de regras de justa conduta social dominantes num determinado meio, num certo momento histórico. É certo que muitas normas da moral evoluem com o tempo, mas outras são eternas, sendo que isso não nos poderá conduzir à defesa de um relativismo ético que admita, sem consequências, que poderemos conviver uns com os outros pensando e fazendo coisas com comportamentos, princípios e regras radicalmente distintos entre nós. A vida em sociedade e o velho princípio liberal da cooperação seriam, deste modo, impossíveis, e não haveria direitos de propriedade que lhes valessem. A interacção humana conhece normas, e estas têm de obedecer aos padrões médios de normalidade, para os quais o direito costuma indicar, como paradigma, o bonus pater famílias. No fim de contas, o indivíduo que age na sua vida privada conforme o que é por todos expectável, ou seja, de acordo com as regras comumente aceites.

Ora, estas regras gerais e abstractas de justa conduta que imperam numa sociedade não são, ao contrário do que Rothbard crê, regras de “ética política”, pelo simples facto de poderem vir a ser oponíveis pela força, mas verdadeiras regras de ética e de moral social. Regras de origem privada e não pública, o que parece ser fonte de alguma confusão no pensamento libertário. Logo, regras que uma comunidade poderá impor a quem nela queira viver, fazendo-o através dos seus órgãos próprios de criação de normas jurídicas e de tutela e exigência do cumprimento das mesmas. Tribunais e polícias, ou agências de origem privada (mas de actuação inevitavelmente pública, porque actuantes mesmo contra a vontade de quem não as queira), se preferirem. Se para o pensamento conservador, uma sociedade deve conhecer, e obedecer, a normas morais estruturantes, então, a sua inobservância deverá comportar consequências para os infractores.

A moral deve assim, segundo a atitude conservadora, estar plasmada no que é privado e em certos comportamentos que uma comunidade poderá exigir àqueles que lhe queiram pertencer. A dicotomia “moral” – “legal” torna-se, assim, redundante ou mesmo contraditória, se virmos as normas gerais e abstractas de justa conduta que devem imperar numa sociedade, não como normas de direito estatal legislado, mas como normas de direito privado, isto é, enquanto normas geradas pelo tempo, pelas práticas de cooperação social predominantes na sociedade que os adopta como estruturantes da sua vida comum. A distinção entre “lei” e “direito” é fundamental para se entender esta questão, sendo que a confusão decorre habitualmente do vocábulo inglês “law”, que poderá ter qualquer um dos dois significados.

A ética conservadora é, por conseguinte, uma ética de responsabilidade. De responsabilidade individual pelo que é nosso e pelo que é dos outros, desde logo, mas de responsabilidade pelas consequências dos nossos actos sobre terceiros. Mas também de responsabilidade perante os valores comuns (comunitários) predominantes no meio social no qual alguém pretenda exercer os seus direitos individuais de propriedade, imediatamente o direito a dispor de si mesmo. Numa frase única, poderíamos dizer que, para o conservadorismo, tudo na vida são consequências, e que uma sociedade livre não poderá permitir que ninguém se furte à responsabilidade pelos resultados dos seus actos. Sá assim viveremos numa sociedade verdadeiramente livre.

Transpondo isto para o pensamento libertário, e utilizando os exemplos de escola acima indicados, a atitude conservadora defenderá que um pai deve ser legalmente responsável pela alimentação dos seus filhos (conquanto a possa facultar, obviamente); uma progenitora pela saúde e subsistência do feto que gerou (aceitando, a meu ver, que essa responsabilidade não possa ser invocada nos casos em que não exista vontade consciente e livre nos actos praticados, como nos casos de violação, por exemplo); que alguém que promete subscrever um contrato deverá responsabilizar-se pelas consequências comprovadas do seu incumprimento; ou, ainda, que alguém que se furta a uma obrigação razoável de auxílio, em casos de perigo de vida ou de outros perigos graves, deva ser penalizado por o não ter feito.

De um ponto de vista conservador, não há aqui qualquer violação de direitos de propriedade, mas a imposição de certo tipo de comportamento que poderá ter por consequência a diminuição da propriedade de quem o terá de acatar, em resultado dos seus próprios actos. Por outras palavras, ninguém se poderá escandalizar pelo facto dos direitos de propriedade, por exemplo, de um pai, serem afectados em razão da sua condenação legal a alimentar um filho que pôs no mundo.

A isto poderá chamar-se “ética da responsabilidade”, que me parece imprescindível a qualquer “ética da liberdade”. Essa ética de responsabilidade começa no absoluto direito de propriedade, mas não exclui a hipótese da sua diminuição em razão das consequências resultantes dos actos livres do proprietário. Resta dizer que não encontrei em nenhuma parte dos dois autores liberais que considero mais significativos do nosso tempo – Mises e Hayek – nada que contradiga isto. Pelo contrário, ambos se preocuparam por encontrar os fundamentos para a coacção pública legítima, muito próximos, julgo, do que aqui ficou escrito.

19 pensamentos sobre “tudo são consequências

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  2. Excelente artigo, Rui. Uma nota, contudo. Filosoficamente, parece-me, o conceito de liberdade individual auto define-se. Enceta e encerra a definição de liberdade mas, daqui deriva, de responsabilidade. Alguém que respeita o conceito de liberdade individual tem sempre de atentar à liberdade individual dos demais e, daí, deriva a responsabilidade.

    O caso do aborto parece-me um bom exemplo. Se eu acredito que já existe um indivíduo dentro de mim, então eu não tenho o direito de atentar à sua própria liberdade — admitindo que a liberdade individual para mim é um princípio — que, neste caso, é absoluta. A de viver. Contudo, e isso reflecte a minha posição sobre o aborto, eu não me considero no direito de impor nos outros qual o milestone que define a vida. Para mim é quando as células se diferenciam e o feto começa a sentir dor. Para outros, especialmente aqueles que considerem relevante o conceito de “alma”, será bastante antes. Não me compete a mim traçar essa linha. Compete a cada um, individualmente.

    Claro que o conservadorismo vem acrescentar definições e circunscrever o conceito de liberdade, mas nem por isso é melhor. É assente em valores morais tão discutíveis como quaisquer outros, com a desvantagem que se deixa também seduzir por força do Estado a impor valores, desde que os deles.

    Embora entenda o motivo pelo qual tentas posicionar os liberais na direita, parece-me que o liberal, como pensador livre, não está nem na direita nem na esquerda. É do centro radical.

  3. CN

    Bem Rui, já avançamos aqui um pouco. Avançamos para o ponto que eu tenho chamado de crucial sobre a diferença entre moral e ética (no sentido de direito onde a força/violência se torna legítima).

    Todas as teorias sociais e de direito têm a sua matriz sobre o que entende que a força pode e deve ser usada e noutros pontos onde o julgamento deve ser moral (sem utilização de força). Assim, sem ainda vermos o que cada um entende nesta divisão, sabemso que:

    – ética/direito: define os actos onde a violência é legal independentemente do acto em si poder ser considerado moral/imoral.

    – moral: define um julgamento sobre actos para os quais a violência não é legal, e diria, mesmo independentemente do acto ser legal/ilegal (em especial pelo direito positivo/legislado).

    As diferenças que temos debatido ao longo dos tempo, para mim, deve-se em primeiro lugar às expectativas do que um sociedade liberal/libertária cumpridora do direito de propriedade é capaz de sancionar os comportamentos imorais como o aborto ou o abandono – os casos preferidos do Rui.

    O que a filosofia de direito libertária tem produzido é que as capacidades de sancionamento moral numa ordem natural são imensas e muito mais penalizadoras do que um estado social-democrata que logo à partida tende não só a legalizar o aborto como a impor a sua subsidiação e a opor-se a qualquer iniciativa de ostracismo privado. Na verdade, o ostracismo privado sempre foi praticado sob várias formas até à idade moderna, onde o grande estado central e constitucional impõe a sua proibição ou dificulta por todos os meios, como as listas negras (curioso como foi o estado a ressuscitar as listas negras pelo puritanismo fiscal ao publicar a lista de devedores e proibir relação com o estado enquanto pertencer a elas).

    Portanto, a questão da responsabilidade moral e do seu tratamento em sociedade, cabe à nossa expectativa sobre a necessidade de uma ordem legal ter de sancionar legalmente comportamentos imorais porque os mecanismos de ostracismo privado não são suficientes, é não confiar nos mecanismo de ordem espontânea na sanção moral.

  4. CN

    Já agora, é evidente que na acepção Rothbardiana completada por Hoppe, uma sociedade onde o legal/ilegal é determinado pelos direitos de propriedade em jogo, seria incomensuravelmente mais conservadora e punidora da imoralidade que a social-democracia predominante.

  5. CN

    “Por outras palavras, ninguém se poderá escandalizar pelo facto dos direitos de propriedade, por exemplo, de um pai, serem afectados em razão da sua condenação legal a alimentar um filho que pôs no mundo.”

    Bem, os pais praticam o aborto sem problemas de consciência,e são subsidiados para isso. Não vejo ninguém a rasgar as vestes. Sempre existiu a prática do abandono, em conventos, etc, e essa possibilidade de o fazer anonimamente na verdade, minimiza a pratica do aborto. O abandono livre na verdade permite as pessoas que em consciência são contra o aborto, podem resolver esse problema moral.

    Quanto à capacidade do Estado em forçar a alimentação da criança, é tudo muito bonito e certo, mas juntando essas capacidades, é isso que permite ao Estado fazer tudo o resto que entende por bem fazer porque um dado bem está a ser procurado. Por exemplo, os crescentes e numerosos actos de retirar (raptar) crianças aos pais por considerações cada vez mais progressistas e politicamente correctas.

  6. Surprese

    rui a., parabéns por assumir-se Conservador. Cada vez há menos Liberais no Insurgente, terei de procurar outras paragens…

    Algumas notas:
    – a moral é SEMPRE contextual, e varia conforme a cronologia de cada grupo de indivíduos. Por isso é que ficamos tão chocados com notícias sobre costumes sociais do mundo árabe, quando muitos desses costumes eram prática corrente por estas terras há cerca de 500 anos (casamentos entre adultos e crianças, ausência de direitos das mulheres, tortura, crimes de honra, etc.);
    – essa ideia da responsabilidade individual ou comunitária vista por um conservador não é mais do que a definição de responsabilidade colectiva; os cidadãos são livres, mas…, não podem fazer o que “Alguém” define que é imoral, que afecta o colectivo.

    E se esse “Alguém” for um fanático religioso, eleito democraticamente, como o Morsi?

  7. Luís Lavoura

    literatura libertária

    O adjetivo “libertário” está na Europa, ou pelo menos na Península Ibérica, geralmente associado ao anarquismo. Creio que não é a isso que o post se refere.

  8. Luís Lavoura, não quero puxar do argumento da autoridade, mas se pessoas como o Rui e o Carlos usaram o termo libertário, sabiam o que estavam a fazer. O libertarianismo é, em última análise, um movimento anárquico.

  9. CN

    “E se esse “Alguém” for um fanático religioso, eleito democraticamente, como o Morsi?”

    “Por isso é que ficamos tão chocados com notícias sobre costumes sociais do mundo árabe, quando muitos desses costumes eram prática corrente por estas terras há cerca de 500 anos (casamentos entre adultos e crianças, ausência de direitos das mulheres, tortura, crimes de honra, etc.);”

    Um “Conservador” a falar de eleições e de um presidente? É por essas e por outras que gosto de tradicionalistas. Não lembra a um tradicionalista por em causa os costumes tradicionais dos outros. Só democratas-liberais rendidos ao neoconservadorismo.

    Essas notícias sobre “costumes sociais” saem de lupas obsessivas bem dirigidas a actos em geral raros e praticados em nichos. Se formos usar essa lupa sobre os baús mais negros dos Hindus (por exemplo o hinduísmo favorece as orgias), e até, imagine-se, o impensável, de judeus, muita coisa havia que dizer.

    Que seja um “Conservador” a querer desconstruir os hábitos tradicionais porque faz questão em lhe só realçar o lado negro, pretendendo racionalizar as relações humanas é de rir.

    “direitos das mulheres,.. crimes de honra,” muito conservador, sim senhora.

  10. PiErre

    Eu penso assim:
    Moral só tem um princípio: cada um deverá viver a sua vida o melhor que puder, MAS sem causar ofensas ou prejuízos a outras pessoas.
    Ética é a conduta que, a cada momento da sua vida, o indivíduo deverá tomar tendo em conta a observação do princípio moral.
    Se as condutas éticas têm de ser impostas é porque a sociedade é imperfeita:
    os indivíduos não são iguais, nem genética nem culturalmente, e por isso alguns (muitos…) fogem ao cumprimento do princípio moral.

  11. migas

    Concordo com Hayek quando escreveu:
    “I will nevertheless continue for the moment to describe as liberal
    the position which I hold and which I believe differs as much from true conservatism as
    from socialism.”

    De forma ultra simplificada, vou tentar expor o que penso sobre as várias filosofias mencionadas. Imaginemos que todos nós escrevemos umas linhas “no livro”.
    – O socialismo nomeia um comité de “sábios” para limitar a nossa criatividade e censurar determinada frase ou palavra; o mais radical defende mesmo a queima do livro em curso e que se comece a escrever um novo. À excepção dos “sábios”, que têm direito a 5 parágrafos, todos os outros têm o mesmo direito a escrever 1 frase com 10 palavras e não mais do que isso.
    – O conservadorismo impede à partida que se mude de capítulo; o mais radical impede mesmo o uso de palavras novas ou de uma caligrafia diferente, limitando assim a nossa criatividade.
    – O libertarianismo não se importa com a estrutura do livro, sendo indiferente escrever da esquerda para a direita, da direita para a esquerda ou de cima para baixo; para o mais radical não importa sequer se a frase que está a ser escrita se enquadra na anterior ou deixa espaço para que a seguinte faça sentido.

    – O liberalismo não concede privilégios a comités, deixa espaço para que novos capítulos sejam escritos ao mesmo tempo que assegura ordem na transformação contínua que o livro sofre ao longo do tempo.

    Na vida real, o livro é substituído pela vida em sociedade.

  12. rui a.

    Caro José António,

    Agradeço o seu comentário, bem como o texto, da sua autoria, que linkou, e que é bastante interessante. Também acredito que a liberdade e a responsabilidade são indissociáveis, e que uma comunidade livre deve assentar sobre uma ordem jurídica composta por regras de justa conduta, gerais e abstractas, que chamem à responsabilidade os irresponsáveis.

    Mário,

    Obrigado, também, pelo teu comentário, sendo que a mim também me parece que a ideia de liberdade não prescinde da ideia de responsabilidade. O ponto do texto é, porém, o de sabermos como poderá essa responsabilidade ser exigida numa ordem social livre, sem que isso constitua uma agressão dos direitos de propriedade, já que, para os libertários, só a agressão justifica a agressão. Ora, sendo o conceito de “agressão” muito restritivo para os libertários, sem o que a legitimidade da agressão dos direitos de propriedade ganharia uma amplitude que eles certamente não desejam, tão restritivo ao ponto de Rothbard não considerar uma agressão um pai poder deixar um filho morrer à fome para não violar o seu direito absoluto de propriedade, qual a sanção para uma cavalgadura destas, a meu ver um verdadeiro homicida? A resposta libertária é: uma sanção ética, nunca uma obrigação legal. É curto, muito curto, para não dizer disparatado.

    Surprese,

    Voltamos ao ponto essencial: uma coisa é o direito, outra é a lei. Quando você fala em que “alguém define o que é imoral”, o ponto é que esse “alguém” não tem que ser um legislador para que essas “imoralidades” fiquem plasmadas juridicamente e tenham relevância jurídico-penal, por exemplo. Muito antes de haver legislador central em Portugal, por exemplo, matar, roubar e agredir eram já crimes punidos pelo direito e por órgãos judiciais competentes. Os romanos chamavam às suas fontes primevas de direito os “usos dos nossos ancestrais, revestidos de comprovada moralidade”. Não é necessário um legislador para explicar a uma sociedade o que é bom e o que é mau, o que é justo e o que é injusto. De resto, o legislador, em matéria de direito privado, mais não costuma fazer do que transpor para a lei as normas que foram civilmente geradas ao longo do tempo e cuja eficácia este (o tempo) confirmou.

    Carlos,

    “Quanto à capacidade do Estado em forçar a alimentação da criança”.

    Não é o “estado”, Carlos. São os tribunais, de quem, muito justamente, Locke separou das funções de soberania. E não é o “Estado” que força os pais a alimentar a criança. São as normas de direito civil, de Direito da Família, mais precisamente, que numa sociedade de liberdade civil (não de inteira liberdade económica, note) resultam de práticas reiteradas, isto é, repetidas ao longo do tempo. O problema da racionalidade rothbardiana é que ela plha para o direito apenas como direito público e esquece o direito civil. isto porque ela presume que toda a obrigação de comportamento imposta contra a vontade de alguém é uma manifestação de um poder público. E é-o, de facto, quanto à sua execução (“chamem a polícia!!!”), mas não necessariamente quanto à legitimidade e fundamentos dessa intervenção. No caso, uma norma de direito civil, isto é, de criação não estatal. Para o efeito, qualquer polícia ou agência que dispusesse da força necessária, poderia executar a sanção.

  13. CN

    Rothbard não fez uma análise do direito penal versus direito civil nos termos correntes.Analisou a partir do direito de propriedade, que acções de violência seriam legais a partir do princípio do direito de propriedade.

    Quem quiser fazer um tratado sobre a moral e em que termos juízos morais podem ser colectivizados em normas de aplicação geral (código civil ou penal) ou devem ser exercidos sem restrições pelo direito contratual e de propriedade tem muito para fazer. Será um campo de investigação em si mesmo.

    Perceba-se é o perigo de transformar a moral em normas universais sujeitas a violência institucional legal, porque depois é essa mesma moral (a do progressismo) que tem proibido a sociedade civil de praticar actos de ostracismo, como abriu caminho a muito mais.

    Depois, o caso sempre citado por Rui sobre um livro extenso que tem muitos mais casos para analisar, é sobre a hipotético abandono, prática na verdade comum que impede que mais abortos sejam realizados (quer dizer antes, agora o aborto está banalizado e subsidiado), ou que quando em maior idade, é realizada com a entrega a terceiros. Ou seja, de facto, o abandono sempre se passou e os pais que o fazem, com probabilidade, só por situações pessoais extremas o farão.

    Porque mesmo hoje, no relativismo moral reinante, qualquer figura pública que fosse conhecida por abandonar de forma displicente uma criança, seria ostracizada da vida social, política, etc. Quanto o mais o seria, numa ordem natural bastante mais penalizadora. Embora, dum ponto de vista conservador, sempre tenha existido o acto de expulsão de filhos, deserdados (acto contrariado pelo estado ao obrigar a dividir herança), proibidos de contactar a família, etc.

  14. CN

    E sempre parece bastante deslocado dar ideia de Rothbard menorizar a “responsabilidade” dentro da filosofia liberal, como se a sua filosofia tivesse algum tipo de carácter de “irresponsabilidade” e “amoral” inerente. Se há coisa que Rothbard sempre se afastou foi do tipo de left-libertarianismo que durante os anos 80 estava conotada com uma obsessão excessiva pelas liberdade pessoais focadas na drogas, direito gays, e outras coisas que tais. Por alguma razão se afastou do Libertarian Party e do Cato que durante tempos foram porta-vez desse tipo de left-libertarianism.

    PS: e de resto, já o disse uma vez, a génese do “pater familia” que reivindicava soberania total sobre os filhos tem uma génese ultra-conservadora.

  15. CN

    o migas disse:

    “O libertarianismo não se importa com a estrutura do livro, sendo indiferente escrever da esquerda para a direita, da direita para a esquerda ou de cima para baixo; para o mais radical não importa sequer se a frase que está a ser escrita se enquadra na anterior ou deixa espaço para que a seguinte faça sentido.”

    Sim, por o libertarianismo estar conotado com alguma abstracção excessiva, é que apareceu uma reacção right-wing-libertarianism preconizada pelos paleos, de que Rothbard foi o impulsionador (incluindo de pontes com os paleo-conservadores), e que acabou a reunir muitos cristãos, católicos, e tradicionalistas, ao contrário da orbita que anda à volta do Cato Institute e afins.

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