Desde os seu primórdios ideológicos que a União Europeia teve como motivo principal acabar com a guerra. Fez-se com o espectro da guerra e diz viver para acabar com ela. Paradoxalmente, precisa deste mesmo espectro para sobreviver da mesma forma que Woody Allen parece precisar de Nova Iorque para fazer filmes memoráveis (ok, admito que o “Match Point” Londrino andou muito perto da excelência Nova Iorquina).
Tal como Robert Higgs mostrou no seu livro “Crisis and Leviathan”, o crescimento do poder do Estado e respectivas centralizações fazem-se sempre através da crise. Por outras palavras, o Estado não deixa uma boa crise passar sem se expandir e centralizar. Se tal não acontecer, desperdiçou uma boa oportunidade para o fazer, pois o desespero costuma convencer as pessoas a aceitarem o que nunca aceitariam em condições normais. Para os que almejam os Estados Unidos da Europa, esta crise é mais uma oportunidade para atingir o federalismo europeu e retirar de vez o que resta das soberanias nacionais.
Assim, para se legitimarem, eurocratas e eurófilos agitam o fantasma da guerra. De Durão Barroso a Herman Van Rompuy, o grito é por demais conhecido: “se não acabarmos de vez com as independências nacionais vamos ter guerra entre nações”.
Na mais recente edição da universidade de verão do PSD, o euro-entusiasta Paulo Rangel lançou de novo o repto, dizendo que só o federalismo irá salvar a Europa da guerra. Contudo, como me parece que a universidade do PSD não tem grande reputação intelectual, talvez seja importante ir buscar alguns dados académicos para se perceber se a solução eurocrata para terminar com a guerra faz sentido ou não.
Os eurófilos alegam que a guerra termina se juntarmos todos os povos europeus sob o mesmo Estado e que, se estes últimos puderem independentemente usar as suas afiliações étnicas para defenderem os seus interesses, terminaremos todos em guerras entre Estados nação. Esta é uma ideia sedutora que em última instância nos levaria ao governo mundial para garantir a paz eterna kantiana; esse sonho universalista.
Contudo, os dados históricos mais recentes revelam exactamente o contrário. Citando do livro “Politics in a Changing World” dos cientistas políticos Marcus E. Ethridge e Howard Handelman (tradução minha):
“Se olharmos para os últimos 60 anos desde o fim da segunda Guerra mundial, as mais frequentes arenas para conflitos violentos não foram guerras entre Estados soberanos, mas sim lutas internas devido a razões tribais, culturais, religiosas, e outras razões de carácter étnico. De acordo com uma estimativa recente, “sensivelmente dois terços de todos os conflitos armados no mundo incluem componentes de antagonismo étnico”. De facto, os conflitos étnicos têm quatro vezes mais probabilidades de se efectivarem do que os conflitos entre Estados soberanos. Estimativas do número de mortos são sempre difíceis de fazer de forma absoluta, mas de acordo com o reputado estudo dos cientistas políticos David Laitin e James Fearon “desde o fim da segunda guerra mundial, 16.5 milhões de pessoas morreram em conflitos internos de carácter essencialmente étnico, comparados com 3.3 milhões em guerras entre Estados soberanos”. Outras estimativas de conflitos étnicos colocam os números de mortos nos 20 milhões ou mais”.
É fácil de perceber que a solução que os eurófilos defendem está refutada pela observação histórica; isto é, a criação de um Estado que abranja diferentes grupos étnicos não é garantia de paz; muito pelo contrário, os Estados soberanos que representam nações parecem ter um registo mais pacífico. Isto claro, não quer dizer que as guerras entre Estados nação (que por norma também representam um grupo etno-cultural) não possam ser destruidoras e atingir altos níveis de mortalidade, mas alegar que basta colocar todos os grupos dentro do mesmo Estado para evitar a guerra é, do ponto de vista histórico, uma perfeita demagogia sem qualquer sentido.
No meu mais recente texto para o jornal “Diário Económico” defendi que o projecto federal europeu tem mais potencial para criar guerra interna do que para evitar qualquer conflito bélico. E a eurocracia tem “trabalhado” intensamente no sentido de gerar antagonismos: a criação de um euro falhado, uma PAC que destrói boa parte da produção interna, a promoção de imigração em massa vinda de fora de Europa para enfraquecer as coesões etno-culturais das nações, redistribuição em cada vez maior escala que cria ressentimentos financeiros, etc…
As fronteiras não existem historicamente por acaso, elas existem porque foram estabelecidas (de forma mais ou menos justa) para evitar que diferentes grupos com afiliações diferentes entrem em contacto antagónico no mesmo território. A União Europeia, como projecto de engenharia social que é, rompe com o senso comum e com as tradições milenares cujos fundamentos tentam ser ignorados; ou seja, ignora que tal como os direitos de propriedade bem definidos, as boas fronteiras têm um maior potencial para gerar bons vizinhos do que as más fronteiras ou do que a ausência delas.
F.F.. Muito Bom.
Ps.- Sem a arrogância de o pretender classificar.
boa ideia…vamos congelar o mundo na época das sociedades das nações…o nacionalismo funcionou tão, foi tão pacifico…;)
Grande texto! Mostra a demagogia praticada por Durão Barroso, Van Rompuy, Schulz, etc..
A China URSS e a Jugoslávia foram então foi uma maravilha matarem os próprios cidadãos…
Ainda não percebeu o excessivo poder dos Estados?
Excelente Filipe. Nada melhor que uns quantos números para situar a coisa.
” Por outras palavras, o Estado não deixa uma boa crise passar sem se expandir e centralizar”
Claro, depois da miséria e da terra queimada causada pelas querelas entre os privilegiados, vem a organização do estado colar os cacos, sempre foi assim….
“É fácil de perceber que a solução que os eurófilos defendem está refutada pela observação histórica; isto é, a criação de um Estado que abranja diferentes grupos étnicos não é garantia de paz; muito pelo contrário, os Estados soberanos que representam nações parecem ter um registo mais pacífico”
Dizer este completo disparate é não perceber nada do que foi a formação da quase totalidade das actuais nações europeias como a Inglaterra, França, Alemanha, Espanha, etc: O passo lógico seguinte será, mais cedo ou mais tarde, quer se queira quer não queira, a formação dos estados unidos da Europa, nem que ainda tenha de existir entretanto uma outra guerra, que é o que parece que uma cambada de inconscientes está a fomentar.
A guerra não tem só desvantagens. A vantagem da próxima guerra será a preservação da civilização ocidental que está ameaçada pelo império tecnológico americano. Para os que concebem a tecnologia e o cientismo como um bem, o Ocidente não parece estar à beira do abismo. Mas para todos os que já há muitos anos alertam para as consequências trágicas da ciência moderna vale mais enfrentar os americanos do que o desaparecimento do Ocidente como civilização.
Parece-me que é evidente que os Americanos ocupam um poleiro em termos de poder que se está a evanescer. Ora não é provável que um país perca o seu poleiro sem lutar. E como quem se está a preparar para o ocupar é a Europa, parece que vamos ter guerra. Uma guerra de ideais que é uma guerra pela qual vale a pena lutar. Ideais com ideias. O que a Europa vai opôr aos Estados Unidos é a refutação do utilitarismo, que por acaso nasceu cá; os americanos vão levar o primado da economia a um ponto em que o conflito será inevitável.
O objectivo da integração europeia é a promoção da interdependência, do conhecimento e entendimento mútuos, ultrapassando preconceitos, paradigmas e ideias populistas. Ao promover a convivência, fluxos migratorios e culturais, esbatem-se os nacionalismos e cria-se a noção, correcta, de que é muito mais o que nos une do que o que nos separa. Promover a desintegração europeia é não conhecer o mundo e de como ele é tão diferente da “Europa” e já agora ignorar as dinâmicas polarizadoras globais. Dizer mal da Europa é um fogo de artifício que esperemos não nos estoure nas mãos.
Filipe
Gostei muito desta análise, porque desmonta os argumentos de um objectivo, o federalismo, que demonstrou ser um falhanço.
Mesmo considerando que a Europa dos cidadãos já não se estrutura culturalmente nas fronteiras dos respectivos países, isto é, as pessoas comuns tendem a entender-se mais entre si do que as instituições, não será a fórmula corporativa da UE que vai responder aos enormes desafios económicos que a Europa dos cidadãos enfrenta.
Para que as economias dos países se reanimem, acordos entre países e regiões poderiam ajudar, mas evidentemente numa lógica natural “todos ganham alguma coisa com isso”.
O que vemos é muito diferente: interesses que se sobrepõem aos dos demais, utilizando meios pouco claros para pressionar países e os respectivos cidadãos, que ficam encurralados e sem saída. Esse foi o limite ultrapassado, deixar que se chegasse a este ponto de ruptura. E de não retorno, a meu ver.
Os conflitos internos, por exemplo, como os que assistimos há alguns anos nas cidades de França e no ano passado na Inglaterra, são já sinais de mal-estar e desequilíbrio, mas também sinais da facilidade com que estes movimentos se podem hoje formar em vários locais em simultâneo, colocando populações em risco. Ainda ninguém se preocupou seriamente com isto. Se juntarmos aqui as carências previstas (mais desemprego, fome, etc) e desequilíbrios económicos, não estamos a ver que isso possa melhorar com uma fórmula obsoleta e falhada.
Ana
A União Europeia é um projecto de guerra e não de paz. Esta integração forçada, passando por cima dos povos e das nações acabará por levar a uma imensa explosão social.
Veja-se, por exemplo, o caso da antiga Jugoslávia. Era formada por várias nações e estava muito mais integrada do que a Europa, dez por cento dos seus cidadãos consideravam-se jugoslavos e não sérvios ou croatas ou eslovenos ou de qualquer outra nacionalidade.
Enquanto o nível de vida foi aumentando nos territórios da UE a coisa foi-se aguentando. Mas agora, com o nível de vida em queda e com nações ganhadoras e nações perdedoras, estão lançadas as sementes para uma guerra fratricida. Mais integração só acelerará o processo.
Caro Filipe
Felicito-o pelo seu post, que além de muito bem justificado é pouco comum no meio do “ruído federalista”.
Como diz muito bem , os bons vizinhos são muito mais estáveis na seu relacionamento, do que o são as más famílias: sobretudo se essa boa vizinhança for cimentada num forte interesse económico – mercado único.
Infelizmente arranjou-se uma solução económica ( euro ) para resolver um problema político ( reunificação Alemã ) ; agora pretendem resolver um problema económico ( o mesmo euro ) com uma soluçaõ política ( mais federalismo ).
Pergunto-me se algum dia será possível dizer-se que ” o rei vai nu” : os ditos pais da moderna europa ( Miterrand; kholl, e Chirac ) foram criminosamente incompetentes. Apenas Kholl tem justificação: estava a defender acima de tudo o interesse alemão.
um abraço e obrigado
vasco Silveira
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