No Fio da Navalha

 

O meu artigo para o jornal i deste fim-de-semana.

Décroissance

A extrema-esquerda, que tem defendido uma redução da actividade económica para mudar o nosso modo de vida, devia estar satisfeita com esta crise.

Há um ano, o governo de Zapatero baixou o limite de velocidade nas auto- -estradas de 120 para 110 km/h. A ideia procurava reduzir o consumo de combustível, devido ao aumento do preço do petróleo que, na altura, atingia os 120 dólares por barril. Procurava também reduzir as emissões de carbono para a atmosfera e, dessa forma, proteger o planeta. Como é natural, esta imposição não teve sucesso. Ninguém cumpriu o limite imposto, tal como não houve qualquer redução no consumo dos combustíveis. Em Portugal, ainda se pensou fazer o mesmo, mas não foi necessário. A recessão económica chegou e fez o que faltava. De acordo com a Direcção-Geral de Energia e Geologia, o consumo de combustíveis está em queda desde Abril de 2011. Em Outubro último, o consumo de gasolina terá caído 8,1%, e o do gasóleo 3,4%. No início deste mês foi anunciada uma quebra de 47 milhões de litros de combustível vendidos. São cada vez menos os que andam de automóvel. E cada vez mais os que cumprem os limites de velocidade, por forma a pouparem combustível, e ainda os que preferem as estradas nacionais às auto-estradas, evitando as portagens. Estas notícias têm sido encaradas como inquietantes. Mas não foram estes os resultados que tantos queriam conseguir por força da lei? Menos carros, menos poluição, menor dependência do petróleo. O que a força não impôs, conseguiu-o a realidade.

O mesmo aconteceu com a construção civil. Lembra-se o leitor dos “patos bravos” de que o país estava cheio? A chatice que era construírem-se prédios em todo o lado, quando nenhuma colina verde escapava à fúria do betão? De acordo com os últimos dados, o sector da construção e do imobiliário vai perder 12 mil empresas só neste ano de 2012. O país dos “patos bravos” acabou, e com eles a construção desenfreada. Para quê então as notícias alarmantes sobre o assunto, agora que a economia está a ir ao encontro dos desejos de alguns que, sabemos agora, não sabiam bem o que significava aquilo que queriam? Os adeptos da teoria da décroissance, tão em voga entre certos sectores intelectuais da esquerda francesa e com forte influência na extrema-esquerda portuguesa, estão a ter o que sempre desejaram: menos consumo, menos poluição, menos construção. Se assim é, para quê então tanta crítica? Para quê os incentivos à revolta e o apelo à rua?

Apesar dos protestos, a extrema-esquerda sabe que o que sempre defendeu está a acontecer: a falência de um modo de vida que tem criticado ao longo dos últimos anos. Há nisto uma forte ironia que se traduz num círculo demasiado vicioso: o protesto contra um modo de vida que permitia à extrema-esquerda ser o que é, e que uma vez em causa a obriga a lutar para tudo volte ao que era, ao que nunca quis. Complicado? Não tanto, se considerarmos a extrema-esquerda como um grupo político, não de mero protesto, mas que visa sujeitar as nossas vidas à vontade do Estado. Que pretende impor-nos comportamentos, por muito simples que estes sejam, mas que já não os aceita quando advêm do nosso livre arbítrio. Por isso, circular a 110 km porque a lei nos diz para o fazer é bom, mas andar mais devagar para poupar gasolina já é uma consequência opressiva da austeridade. Poupar na electricidade para salvar a Terra é positivo, mas se devido à nossa escolha racional enquanto consumidores é de rejeitar. Como a maioria das nossas decisões enquanto homens livres: a escolha de uma escola para os nossos filhos, a prática de uma religião que nos torne conscientemente livres do arbítrio do poder político ou a liberdade de gastarmos o nosso dinheiro como quisermos. Aquilo porque se bate a extrema-esquerda não é a resolução dos nossos problemas, mas saber como determinar as nossas decisões. Fazer de nós, indivíduos e famílias, parte integrante de um todo estatal. Mesmo que isso implique o recurso à força e à violência na rua.

22 pensamentos sobre “No Fio da Navalha

  1. JoanaOutono

    A verdade é que os mesmos que se insurgem contra a opressão do individuo pelo estado são os mesmos que não conseguem esconder o seu contentamento quando o estado confunde meia dúzia de rufias com jornalístas, turistas e pacatos transeuntes e corre todos à bastonada. É essa a violência de rua a que o André se refere?

  2. APC

    Joana, se se tivesse dado ao trabalho de procurar verificaria que, aquando as agressões dos jornalístas nas manifestações recentes, tais acções foram condenadas por este mesmo blog e por diversos dos seus representantes. Não percebo onde quer chegar com essas insinuações.

    A extrema-esquerda vê com regozijo o declínio económico que se tem verificado e não oferece qualquer proposta de resolução que não a suspensão do pagamento da divida sem pensar nas consequencias gravosas que isso acarretaria a milhões de aforradores, pessoas como nós, não são mega ricos em paraísos fiscais, nem percebe que o povo na sua maioria prefere viver num Hong-Kong que numa Coreia do Norte ou Cuba.

  3. Paulo Pereira

    Os extremos da esquerda e da direita têm a mesma atitude anti-capitalista e partilham do quanto pior melhor , para que as suas ideias revolucionárias possam vingar.

  4. Luís Lavoura

    Paulo Pereira,
    há muitos participantes deste blogue que também têm essa atitude do “quanto pior, melhor”, precisamente “para que as suas ideias revolucionárias possam vingar”.

  5. neotonto

    Pela forma com o André cavalga as suas causas, depreendo que Pequim é a cidade de sonho para um liberal.JoanaOutono.

    A China só será mentada por um liberal para espatifarmos no rosto o seu crescimento anual do PIB. Sempre acima de um 90 e tantos por cem cada ano ou similar…

  6. APC

    Pois é, e pensando que o estado chines pesa menos na economia chinesa que o nosso na economia portuguesa, é mesmo para espatifar isso na cara da malta, então quando olhamos para os números assustadores da Coreia do Norte e Cuba a crescer é que provam que o socialismo é o caminho.

    A esquerda é mesmo engraçada nestas coisas dos números.

  7. Joana

    “Joana, se se tivesse dado ao trabalho de procurar verificaria que, aquando as agressões dos jornalístas nas manifestações recentes, tais acções foram condenadas por este mesmo blog e por diversos dos seus representantes. Não percebo onde quer chegar com essas insinuações.”

    Pois sim APC, pois sim APC. Histórias da carochinha. Não estou a insinuar nada. Estou a afirmar. A natureza das pessoas é como o azeite, acaba sempre por vir ao de cima. Há liberdades individuais e liberdades individuais, não é meu caro?

    Fico satisfeita de saber que a China está a tornar-se um modelo para vós. Não liberalizam a bem, liberalizam à bastonada e pouco barulho, sua esquerdalha extremista, toca a trabalhar ao preço do mercado. Toca a passar a nossa economia para as mãos do estado mínimo chinês, que eles é que sabem, fumar adam smith aos molhos, e… sim…. sim… isto é cool… já não sinto o estado… yeah.

  8. JSP

    A demonstração perfeita de que a “lógica” canhota, além de ser uma evidente batata, anda sempre à procura dó último “modismo”.
    Claro que essa canalha dá outro nome à coisa…
    Quanto à França , nada de novo :” Coeur à gauche, portefeuille à droite”.

  9. JoanaOutono

    “Joana, se se tivesse dado ao trabalho de procurar verificaria que, aquando as agressões dos jornalístas nas manifestações recentes, tais acções foram condenadas por este mesmo blog e por diversos dos seus representantes. Não percebo onde quer chegar com essas insinuações.”

    Pois sim, APC, pois sim. Histórias da carochinha. Não estou a insinuar nada, estou a afirmar. A natureza das pessoas é como o azeite, acaba sempre por vir ao de cima. Há liberdades individuais e liberdades individuais, não é meu caro?

    Fico satisfeita de saber que a China está a tornar-se o vosso modelo. Não liberalizam a bem, liberalizam a mal e pouco barulho, toca a trabalhar ao preço do mercado, sua esquerdalha extremista. Toca a passar a economia portuguesa para as mãos do estado mínimo chinês, que eles é que sabem.

  10. hcl

    LOL.
    O que é que China tem a ver com o post?
    O neotonto escreve qq coisa cabalística.
    O Luis Lavoura suponho estar em negação.

    Nota: Só comento porque sempre quis ir à twilight zone.

  11. APC

    Não percebi como chegou a essas conclusões nem considero a sua retórica honesta Joana, sugiro que discuta com quem, como você, tira as conclusões que lhe apetece quando a realidade teima em desmentir.

  12. ricardo saramago

    Como dizem os brasileiros:
    “Quem gosta de miséria são os intelectuais.O povo gosta mesmo é de luxo.”

  13. JoanaOutono

    APC, APC, percebeu sim. Sobre o liberalismo que por aqui anda, veja, por exemplo, só para tomar o gosto, a linguagem do camarada JSP no comentário acima. Sobre a china, releia as suas palavras sobre o peso do estado na economia chinesa ou as crónicas insurgentes do André contra qualquer medida (o estado, meu deus, o estado a impor-nos uma medida) de conter níveis de poluição incompatíveis com a vida humana (em linha com a despreocupação chinesa com estes assuntos).

    Por falar em retórica (des)honesta, leia e releia a retórica do camarada seu que escreveu a crónica que serviu de mote a esta confusão toda.

  14. Aladin

    “conter níveis de poluição incompatíveis com a vida humana”

    Grandes e ocas frases.

    É sempre fascinante ver esta malta, alapada nos benefícios da civilização, de computador na mão e ligado à corrente, a discorrer sobre o que os outros deviam fazer, para salvar o planeta e isso.

    Estes tontinhos pensam que a “natureza” é só chilrear de passarinhos, pétalas de hibisco, faces coradas e saudáveis. E vão lá, deliciar-se. E depois voltam.
    Não dão nada pelo enorme esforço que o sapiens fez para colocar a natureza ao seu serviço. Não sabem que a natureza é tb cheiro a bosta de vaca, curta esperança de vida, sobrevivência a duras penas, frio e fome.

    Não há pachorra.

    Sabe o que é incompatível com a vida humana, minha cara?
    Plante-se um dia no interior de um país africano, Moçambique, por exemplo, e terá um insigth.

  15. JoanaOutono

    Aladino, é você meu velho! Sempre com o seu amigo génio a segredar-lhe frases bonitas ao ouvido, não é verdade? Está a ver, APC, o calibre dos nossos liberais. Tão liberais que eles são a aceitar os outros. Adam Smith numa mão, o chicote na outra.

    Mais uma vez tem razão, a radiação também faz parte da natureza, as crianças de Chernobyl que o digam. Quais controlos da qualidade do ar! Que coisa mais estatitzante. Vamos respirar o ar de Pequim. Sugestão de uma modesta leitora. Organizem uma excursão a uma zona fabril chinesa e fiquem por lá muitos e bons anos a gozar a subida imparável do PIB chinês.

    Beijinho, Aladino.

  16. Paulo Pereira

    Os EUA conseguem um PIB altissimo, ainda assim com um desemprego de 8.5% e um deficit externo, tudo isso à custa de um bom orçamento militar e de informações da ordem dos 800 mil milhões por ano

    Como dizia o outro : Reagan showed that deficits don’t matter . Acrescentaria eu : because inflation is low !!!!

    Imaginem que o próximo presidente e o congressos dos EUA aplicam uma politica de redução do desemprego para 5% através do aumento do orçamento militar , com mais uns tantos porta-aviões , aviões, satélites, computadores , comunicações .

    Pois é e aqui na UE a malta insiste em que não há dinheiro e outras tretas dessas. Gastam-no pelo menos na despesa militar.

  17. Aladin

    De resto este proclamado amor à natureza, é apenas um disfarce para o mal camuflado ódio à civilização industrial, que se associa a capitalismo, sociedade de consumo, enfim, o velho demónio liberal.
    Não é por acaso que os verdes são esquerdistas empedernidos. A melancia capta bem a sua essência. E, se bem que a maioria nem sequer o saiba, repetem a velha litania
    http://en.wikipedia.org/wiki/The_Question_Concerning_Technology
    dum dos gurus do pensamente anti-liberal, Heidegger, escrita numa altura em que o senhor ainda andava nos entusiasmos nazis.

  18. JoanaOutono

    Aladino, meu querido, sempre em grande forma. Agora vá dormir que a sua pobre cabeça precisa de fazer um óó lindo. Quando esteve em Moçambique usou chapelinho? Sabe, é que aquele sol é muito traiçoeiro. Beijinhos, meu querido, encontramo-nos noutro post.

  19. Paulo Pereira

    É isso Aladin , há aqui muita gente que não gosta da sociedade do consumo proporcionada pelo capitalismo industrial e pela constante evolução tecnológica fruto do avanço continuado da ciencia e da criatividade.

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