- O actual governo mais não tem feito do que levar à prática boa parte das ideias que JPP defendeu, sobretudo a partir de 2003, em geral isolado e atacado no partido a que pertence. Durante anos, os textos e as ideias de JPP estiveram muito próximas de um pensamento moderadamente libertário, e foi ele um dos que, nos blogues e no espaço mediático que justamente criou em seu redor, mais fez, com grande lucidez e coragem, para que hoje haja uma maior apetência por uma libertação da sociedade portuguesa daquilo que é a herança pesada do socialismo.
- Para quem se habituou a ler no Público textos ideologicamente lúcidos assinados por JPP, não deixa de ser triste chocar com esta desgraça, um JPP em versão vintage, que recupera, ao bom estilo de Negri (cf. aqui), as dialécticas marxistas, um mundo dividido em dois, colocando de um lado os papões sem rosto dos “interesses” e das “elites” maléficas, e do outro, a massa dos oprimidos, projectando uma tirania que afasta o “povo”, por medo dos poderosos que, escondidos, supostamente controlam o país. O discurso de JPP só não se sobrepõe integralmente ao de Negri, porquanto falta a JPP o apelo à insurreição, à violência e às ruas (cf. aqui), optando antes por um desabafo mais tímido, de que supostamente o PSD estará hoje a ignorar as suas origens históricas e aquilo que ele considera ser a sua génese.
- A realidade está porém muito afastada da ficção jornalística que JPP nos descreve no seu artigo no Público. Como bem repetiu Friedman, para quem o quis ouvir, as dificuldades encontradas quando se combate o socialismo reinante radicam no que o autor apelida de “Tirania do Status Quo”, ou seja, na inércia e resistência que se consolidou em muitas sociedades civis no mundo ocidental e sobretudo no universo estatal, que limitam a mudança de paradigmas. Para Friedman, as crises – actuais ou percebidas – são grandes oportunidades para promover aceleradamente as mudanças efectivas. As crises têm um lado ambivalente, são períodos duríssimos, mas por outro lado abrem espaço para a inversão deste Caminho para a Servidão para onde lenta e alegremente estávamos a ser conduzidos. Saibamos perceber que “o que antes era considerado politicamente impossível se torn[ou] politicamente inevitável”.
- Quer o PSD, quer o CDS, estão longe de ser partidos liberais e até dogmáticos, algo que poderá pairar no ar a quem ler distraído este artigo. PSD e hoje o CDS são partidos de Poder, com milhares de militantes, mas também possuidores de identidades, com uma forte amplitude ideológica, plurais, em boa medida o espelho de diversas sociologias do país. Nos momentos de aparente prosperidade os partidos adormeceram mais no plano das ideias, com as crises, nota-se uma maior apetência na procura das suas referências e identidades.
- Algo semelhante tem ocorrido na sociedade portuguesa, que viveu nos tempos da bonança relativamente afastada das querelas ideológicas, mas que nestes tempos mais difíceis tem vindo a tomar as suas posições, à escala da consistência ideológica de cada um. Na sua maioria, e às vezes com alguma esquizofrenia, os portugueses demonstram um forte cansaço face ao que foi o mainstream socialista, e pedem uma sociedade mais livre, menos estatizada, e com menor peso fiscal. Esta é a realidade. A governação tem tido a virtude de estar atenta ao que se lhes exige, pese embora tenha dificuldade em atender, no curto prazo, a muito daquilo que se desejaria. Uma parte significativa da população, em geral mais ordeira e silenciosa, que não tem apetência pela “rua”, mas que se sente espoliada pelo status quo, e bem assim, os nossos stakeholders internacionais (que vão desde os credores, investidores, aos parceiros comerciais, Estados, Empresas, até aos cidadãos e as sociedades civis da Zona Euro), num mundo cada vez mais aberto e interdependente, exigem a este governo que liberte a sociedade e assuma nas suas políticas aquilo que se mostrou ser inevitável: o modelo social e político em que vivíamos, ipso facto, faliu. Ao contrário daquilo que JPP advoga, não há divisionismos, nem estamos a assistir a uma qualquer lógica dos contrários: não há Governo Vs Povo, nem Elites e Interesses Vs Cidadãos. O mundo e o exercício do Poder projecta-se num ambiente muito mais complexo, longe das reduções simplistas e sintéticas que JPP e a sua dialéctica nos oferece. Estamos perante uma inevitabilidade, e por isso PSD e CDS procuram referências que nos ajudem a ultrapassar as dificuldades.
- A sociedade portuguesa está dividida, sim, mas a outro nível. A grande maioria dos portugueses, cansados que estão da tirania do status quo, constitui um bloco não homogéneo, mas que tem em comum a convicção de que é necessário construir uma sociedade mais livre; nesta maioria incluem-se também os que, não obstante as suas ideologias, perceberam que algo tem de ser feito, para evitar a catástrofe. A uma larga maioria não homogénea que percebem qual é a raiz das dificuldades e a necessidade de mudança, opõem-se os velhos do restelo da extrema esquerda e os seus tributários, que negam o inevitável, agarrados à convicção caduca que é nos Amanhãs que Cantam e nos seus sucedâneos ideológicos mais envergonhados que se encontra o vanguardismo ideológico. As Vanguardas de ontem são hoje, ironicamente, as Forças da Situação.
- A realidade é agreste: o Estado Social caducou, os seus fundamentos faliram, o Requiem é evidente: o que antes era uma aspiração, e uma suposta vanguarda, é hoje o grande bloco de resistência às mudanças de que o país precisa; no mundo das ideias, como na vida, há quem se recuse a ouvir a música fúnebre, e rejeite, em negação, a inevitabilidade da Morte. É triste ver o Jardim de Santo Amaro transformado num símbolo do situacionismo envelhecido, e constatar que JPP prefere regressar aos anacronismos de uma linguagem proto-marxista, do que dar sequência à visão lúcida que durante anos inspirou a re-emergência de um pensamento ainda hoje minoritário, mas que é o que melhor suporta as exigências dos tempos que vivemos e dos que se avizinham.
- JPP critica muito nos seus textos a facilidade com que nos esquecemos do dia de ontem e a nossa falta de memória histórica e colectiva, mal do qual não padeço. Ao ver como consegue posicionar-se, ao longo dos tempos, nos antípodas das ideologias, cresce e mim a convicção de que, para JPP, as ideias são instrumentais, seguem, como na moda, a lógica das tendências prêt-à-porter, vestem-se e despem-se em função do evento que se frequenta. Só assim se explica que JPP oscile entre as fases libertárias e uma dialéctica marxista envergonhada, como arma de arremesso contra os inimigos políticos que ele próprio cria: antes os socialistas, hoje um PSD que não lhe agrada.
- Como dizia alguém, “É a vida”, ou como dizia o outro, “A vida continua”. Enfim, outros ventos soprarão, a mudança dos ventos faz parte da essência da democracia. Pelo que, graças a Deus, não faltarão por isso oportunidades para poder elogiar os textos lúcidos que, nessa altura, voltará a produzir.
O Pacheco Pereira apoiou os défices e a dívida de Sócrates. Foi um dos que fez força para a aprovação do orçamento que veio a dar mais 20 mil milhões de euros de dívidas.
É aliás quem achou que Sócrates deveria continuar como Primeiro Ministro.
E é alguém que ao longo dos tempos nunca teve problema em aumentar o Estado.
Pior, e aqui vem a parte da manipulação, vem dizer que este Governo é especialmente diferente dos anteriores quando não o é. Chama este Governo violentamente virado para a Direita quando não passa da mesma Direita Socialista de que Pacheco Pereira faz parte, a única diferença é que não gostam da cara uns dos outros. A diferença é apenas uma, 15 mil milhões de Euros em vez de 20 mil milhões.
Ainda tem a lata de falar em extremismo, pelos vistos para Pacheco Pereira um “moderado” é quem bate recordes de endividamento.
Um record por definição é algo extremo mas para Pacheco Pereira não é.
O PS de Sócrates foi um Governo extremista assim como quem votou para o sustentar no poder. Como Pacheco Pereira. Os 20 mil milhões de dívidas não foram extremismo para Pacheco Pereira.
O Centrão em Portugal é extremista, algo que é preciso ser dito. Em Portugal e em muita Europa e EUA não é preciso estar nas pontas para se ser extremista.
Obama é um político extremista, rebenta com todos os records de endividamento dos EUA. Um record é algo extremista.
Mais um texto comido pela censura. Anyway…
Para se perceber Pacheco Pereira e como é um caso de ignorância o que está em causa também, está esta pergunta no seu blogue.
“Teria sido possível evitar a ajuda externa com o PEC IV?”
Só alguém que nem percebe o básico dos básicos do estado em que está o Estado pode escrever uma coisa destas. Alguém que pura e simplesmente não sabe fazer contas nem se interessa.
O que o JPP não entende nem o autor deste post parece entender é que não é possivel fazer opções politicas sem perceber como funciona a economia moderna.
A direita insiste em mitos macroeconómicos que não são válidos actualmente e assim faz perpetuar um estatismo serôdio.
O Estado Social é indispensável ao capitalismo e sem capitalismo não há liberalismo.
O Estado Social não implica Estatismo.
“Teria sido possível evitar a ajuda externa com o PEC IV?”
Se não fosse possível, não será agora também possível deixar de pedir um segundo resgate uma vez que as políticas actuais são um PEC IV agravado. Para chegar ao pote o actual governo não olhou a meios e como, decididamente, pôs o pote acima do país está obrigado a carregar Sócrates durante todo o seu mandato – ou seja, quando o governo disse que não se iria desculpar com Sócrates disse o contrário daquilo que vai andar 4 anos a fazer.
Será que nao tem assim tantos motivos para ficar ressentido? Para estar completamente indignado?
Pois nao é um dos que quando chegou o reparto do tacho nao chegou a tempo porque nao pode para todos novos, velhos e juniors e ainda mais quando este se previa como ia ser isso de estar comigo ou contra mim optou pelo segundo?
Peanuts politiqueiros.
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Gosto muito de ler liberais, defensores acérrimos das economia de mercado, da iniciativa privada, detractores do Estado empresário, mas que à primeira oportunidade, não hesitam em ir para o conselho de administração de empresa públicas…. Se eu tivesse amigos neste governo que me arranjassem um tacho secalhar também era igual….
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Excelente Rodrigo. Como sabes, JPP tem um “leit-motiv”, os seus ódios de estimação, sendo PPC um deles e de longa data. Se eles são justificados ou não, dificilmente saberemos.
Caro Ramón Bessa,
Falta acrescentar ao seu comentário “não hesitam em ir para o conselho de administração de empresa públicas” o seguinte, “para as sanear e privatizar”.