Um dos aspectos mais evidentes do funcionamento das repúblicas de forte incidência parlamentar é a degenerescência das suas instituições políticas. A razão é simples de entender. Na verdade, exceptuando os poucos países que sacralizaram a república (como os EUA), os demais não possuem instituições com legitimidade própria, isto é, que não decorra da legitimidade política. Por isso, a actuação dos protagonistas institucionais é sempre perspectivada, pelos seus adversários ou pelas suas vítimas, como resultado do jogo político, e não exactamente como o desempenho de funções próprias, autónomas ou mesmo independentes do poder político.
Tomemos por exemplo o caso da democracia portuguesa. Ao fim de trinta e cinco anos de existência, nenhuma instituição política (e não só) está acima de suspeitas dos portugueses: o Presidente da República é considerado um agente político ao serviço da oposição (ou mesmo uma “força de bloqueio”…), o PGR (cuja nomeação é governamental) é acusado de ser permeável a influências governamentais, o Governador do Banco de Portugal (também nomeado pelo governo) não escapa a idêntica suspeição, as direcções das polícias e serviços de informação (igualmente nomeadas pelo governo) idem aspas, o Provedor de Justiça tem servido para jogos de disputa política, o Tribunal Constitucional (cuja composição é parcialmente política) também se costuma dividir em função da proveniência político-partidária dos diplomas que tem que apreciar, etc.
Num país sem instituições públicas fortes, isto é, com poderes próprios e independentes das pressões governamentais, quem poderá garantir a idoneidade do funcionamento do sistema? A resposta é evidente: ninguém. E, de facto, ninguém garante. Por isso, em Portugal os cidadãos desconfiam de todos os poderes públicos e não acreditam que eles estejam ao serviço de interesses comuns, mas de interesses próprios, isto é, políticos. Daí, também, o completo divórcio que existe, hoje e cada vez mais, entre a cidadania e a política.
Numa perspectiva liberal, isto é, na que entende que o bom poder público é o poder fortemente limitado e permanentemente escrutinado, a existência de instituições políticas independentes entre si é uma condição indispensável. A única maneira delas se salvaguardarem consiste em introduzir, a par da legitimidade política, uma outra forma de legitimidade na qual elas se possam inspirar e recorrer. Essa legitimidade é a legitimidade monárquica constitucional.
Na verdade, o facto da monarquia assentar numa forma de legitimidade hereditária e não política e eleitoral, pode aparentemente ferir as susceptibilidades democráticas dos liberais, mas é, de facto, a melhor garantia de consolidação institucional e de equilíbrio de poderes públicos, como veremos.
Em primeiro lugar, a monarquia é uma forma de estado. Não é um sistema de governo. O rei não governa, reina. Assim, o suposto argumento da falta de legitimidade democrática da monarquia, cai pela base: essa legitimidade só é necessária quando existe poder público, isto é, a capacidade de um órgão tomar decisões pelos cidadãos e para os cidadãos. A necessidade de representação democrática só ocorre quando há delegação de poderes da cidadania para os órgãos políticos. Não é o caso da monarquia constitucional, cujo titular, o rei, não dispõe de quaisquer poderes políticos de decisão.
Em segundo lugar, essa forma de estado é muito mais exigente para com os poderes instituídos, porque tem no rei um exemplo de independência e de respeito pelo interesse geral. Na verdade, nas monarquias constitucionais o rei não poderá nunca aspirar ao exercício de cargos políticos, mesmo que abdique da coroa. Isso permite uma presunção de independência e de imparcialidade na qual os demais órgãos políticos se têm de rever, sob pena de ficarem diminuídos e se desautorizarem. Sabendo, é certo, que existem excepções a este princípio, o facto é que nas monarquias constitucionais europeias a idoneidade das instituições públicas, a sua aceitação pelos cidadãos e o respeito que a estes infligem, é muito superior ao que sucede nas repúblicas parlamentares. A razão reside na forma de estado e nas exigências naturais que uma monarquia independente impõe a todas as demais instituições públicas.
Em terceiro lugar, o poder moderador. Este não consiste exactamente numa faculdade do rei interferir directamente nos assuntos da política quotidiana, para o que necessitaria, aí sim, de legitimidade democrática, mas na obrigação que os agentes políticos com responsabilidades públicas têm de lhe prestar contas e justificações do seu comportamento. Estranhamente – ou talvez não, para quem conhecer razoavelmente a espécie humana – esta obrigação de prestar contas a um órgão verdadeiramente independente, representativo da comunidade, poderá inibir fortemente os agentes políticos para a sua natural propensão para a asneira e para o abuso, assim como introduz no sistema político um factor de equilíbrio e moderação. Essa é, sem dúvida, a conclusão que se pode retirar da observação das monarquias constitucionais europeias: a Espanha, a Holanda, o Reino Unido, a Bélgica, a Dinamarca, a Noruega, a Suécia. Em contrapartida, a instabilidade política e institucional é, ou tem sido, a marca das repúblicas parlamentares europeias: Portugal, Itália, Grécia, Irlanda. A França desenvolveu um sistema praticamente presidencialista, pelo que não entra nestas contas, e a Alemanha é uma excepção à regra, justificada pela particular natureza do seu povo e, sobretudo, pela habilidosa construção constitucional responsabilizadora dos agentes políticos pelas crises de governação (vd. o artigo 67º da Constituição Federal). As novas repúblicas parlamentares dos países que pertenciam ao antigo bloco de leste ainda não permitem conclusões pela precocidade dos seus sistemas políticos.
Talvez a grande justificação para a monarquia é precisamente ser um “orgão” afastado das disputas e paixões e demagogias e curto prazismo do voto. Pelo facto de ser independente do voto é que introduz a possibilidade de equilíbrio ao sistema.
Por mim, o monarca deve ter alguns poderes como convocar eleições na mesma linha do semi-presidencialismo.
“Espanha, a Holanda, o Reino Unido, a Bélgica, a Dinamarca, a Noruega, a Suécia”
A Bélgica não me aprece um grande exemplo de estabilidade.
“Em contrapartida, a instabilidade política e institucional é, ou tem sido, a marca das repúblicas parlamentares europeias: Portugal, Itália, Grécia, Irlanda”
A Finlandia é um país estável; a Irlanda (tirando, tal como a Finlandia, uma guerra civil há mais de 80 anos) também me parece estável; e a Grécia e a Itália monárquicas também não foram grande exemplo.
A relação causa » efeito não será ao contrário: isto é, em vez de ser a república a causar instabilidade, não será a instabilidade que causa as republicas?
«A França desenvolveu um sistema praticamente presidencialista, pelo que não entra nestas contas»
Não estará aqui uma importante pista?
Subscrevo inteiramente o artigo.
“A Bélgica não me aprece um grande exemplo de estabilidade.”
“a Grécia e a Itália monárquicas também não foram grande exemplo”
O problema dos países citados é, em primeiro lugar, que não são verdadeiramente países. São em grande parte construções precárias condenadas ao fracasso independentemente do sistema de estado/governo que tenham implantado, como se pode verificar aliás no exemplo que temos da Grécia e Itália republicanas.
Aliás, como indício da provável superioridade monárquica, podemos atentar no caso espanhol, em que o conceito de “país” é também difuso. Julgo que se fosse uma república e não tivesse como tem a felicidade do consenso que tem no seu Rei, já há muito se tinha desagregado.
Concordo desde que o Rei seja eu!
Haverá que ter em conta a demografia.Talvez , a médio prazo, se tenha de rever os casos Bélgica e Holanda – e, por que não,o próprio Reino Unido ( caso o Labour mantenha o poder).
Miguel Madeira,
Se se refere à crise originada pelas eleições de Junho de 2007, ela não é exactamente representativa da vida política belga. Ainda assim, posso conceder que a Bélgica não seja um país politicamente tão tranquilo quanto o são os outros países monárquicos referidos no post. Todavia é apenas uma excepção, ainda assim, creio que concordará, com um sistema institucional mais exemmplar do que, por exemplo, o português. Este, de resto, tinha obrigação de ser absolutamente pacato e linear, dadas as boas razões, a contrário sensu, enunciadas pelo João Luís Pinto: é que Portugal, ao invés da Bélgica, é um país.
Sobre Grécia e a Itália, falamos, meu caro de monarquias constitucionais e não de fantochadas. Se fossemos por estas últimas, não faltariam inúmeros exemplos de “repúblicas” – desde as repúblicas europeias do período anterior à 2ª guerra mundial, até às repúblicas de muitos países latino-americanos e africanos – para nos entretermos…
“A Bélgica não me aprece um grande exemplo de estabilidade.”
Miguel Madeira
Verdade seja dita, se não fosse a Monarquia Belga também não haveria um País chamado Bélgica.
Se isso seria bom ou mau não sei, mas uma coisa parece certa, enquanto tiverem Monarquia a sua falta de estabilidade não se transforma em pancadaria.
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Não considero relevante por isso acho que a discussão é acessória uma vez que dos reinos Europeus ás chamadas Repúblicas que são cada vez mais Democracias e menos Repúblicas a situação não é sustentável. A discussão importante é a tensão entre a Liberdade e a Democracia que são coisas diferentes, mas que se têm confundido porque a Democracia ajudou a Liberdade quando se retirou poder a uma casta, a tendência presente e futura é para divergirem.
Compreendo o argumento do Mentat que é um claro sinal dos caminhos trilhados já há mais de um século e que parecem convergir para um progressivo e bastante perceptível cerceamento da liberdade. Excelente post, Rui. A grande vantagem da monarquia, consiste na instituição em si mesma.
Para além desse papel moderador, a presença de um soberano independente e representativo da comunidade fortalece o espírito patriótico e não deixa essa comunidade se dispersar devido à desmotivação ou sentimento de impotência em relação à classe política e, consequentemente, ao país (como o constante aumento da abstenção comprova).
O caso de Portugal prova que o problema nunca esteve na monarquia, mas sim num parlamentarismo vazio de produtividade e cheio de tricas políticas. Aliás, a implantação da república não trouxe nada de novo ao país. Pelo contrário, trouxe instabilidade ainda maior, que acabou numa feroz ditadura. E, finda essa ditadura, voltamos a um esquema político que teima em trilhar sobre os mesmos erros.
“Daí, também, o completo divórcio que existe, hoje e cada vez mais, entre a cidadania e a política”
Na monarquia esse divorcio é ainda maior porque não há cidadãos – para além do rei, só súbditos.
“a legitimidade monárquica constitucional”
Mas que legitimidade é essa e qual é a sua base
“porque tem no rei um exemplo de independência e de respeito pelo interesse geral”
O rei tem respeito pelo interesse geral?
Tem mesmo e não faltam exemplos na história (nacional e internacional). Os gastos dos reis são bem conhecidos.
“Em contrapartida, a instabilidade política…”
Antes o argumento era “a UE tem mais monarquias que repúblicas”, mudando sempre o argumento, e dizendo que o resto é excepsões tudo se explica.
José Simões
“Essa legitimidade é a legitimidade monárquica constitucional.”
O Rui poderá me explicar qual é a legitimidade de um monarca? O senhor diz-se liberal, mas não entende que essa entidade está no Presidente da República? O D. Duarte se quiser ter essa “legitimidade” que concorra como os outros e não será Rei será Presidente, que o tempo da vassalagem sanguínea já não está cá.
Como pode haver legitimidade em alguém ocupar posto só por ser filho de quem é? Porquê? Que competências é que ele tem que os outros não terão?
Os exemplos que dá são no mínimo lamentáveis porque ou se aconchegam aos argumentos dados ou apresentam atenuantes intrínsecas de cada povo? Sinceramente, dizendo-se liberal, como pode assumir que existe posição pública, profissão e trabalho que alguém devido à sua origem não pode assumir?
A liberdade da governação LEGITIMADA pela democracia, está sob a atenção parlamentar, constitucional e presidencial. O medo, coação e “respeitinho”, que o Rei iria supostamente incutir não é mais do que conferir o papel de menino mal comportado aos governantes.
Leia lá outra vez direitinho:
“Essa legitimidade é a legitimidade monárquica constitucional.”
Percebeu agora? Sabe o que é o poder constituinte? Então se um povo, no livre exercício desse poder, decidir instituir uma monarquia, não lhe parece que a instituição terá legitimidade constitucional?
Outra coisa: em monarquia constitucional, como em muitas que existem por essa Europa fora, o rei não governa. Não tem poderes políticos. Não carece, por consequência, de legitimidade eleitoral para desempenhar o seu cargo. Um exemplo, para ver se entende melhor: o Sr. saberá que nos estados de direito, como supostamente é Portugal, existem tribunais. E que os tribunais desempenham uma função de soberania chamada justiça. O Sr., porventura, elege os juízes? A sua representatividade democrática fica menos diminuída por esse facto? Por acaso o Sr. participa na eleição dos juízes do Tribunal Constitucional? Não!? Bando de fascistas que por lá deve andar.
Não vá por aí, portanto. Esse “argumento” está mais do que gasto e é inútil para invalidar a natureza democrática da monarquia. Ou pensará o Sr. que a Inglaterra, a Espanha, a Bélgica, a Holanda e por aí em diante, vivem em ditadura? Vivem! Fiquei a saber.
O grande problema da monarquia é que torna possível um D. Duarte Pio ser Rei!
Se o Rui pretende fazer de mim parvo fica com o prazer mas não com a razão.
O argumento é o mesmo: Igualdade
O seu filho e o meu podem chegar a qualquer posto judicial e político, se tiverem competência para ambos e se o povo o legitimar, no último. Não percebe a diferença?
Nos estados modernos, a doutrina contratualista sempre promoveu a igualdade a nível de oportunidades, direitos e deveres.
Peço-lhe que me elucide as vantagens e não dê exemplos a gosto, porque a nível social e económico somente a Grã-Bretanha, dentro das democracias, é que apresenta o modelo que defende!
Claro que o rei não governa nem tem poderes políticos, mas também não unifica coisa nenhuma (apenas os seu acólitos e as revistas cor de rosa).
Por isso, na genralidade dos casos mais vale despedi-lo e mandá-lo trabalhar.
“Então se um povo, no livre exercício desse poder, decidir instituir uma monarquia, não lhe parece que a instituição terá legitimidade constitucional?”
Só uma pequena e legitima duvida: porque é que o rei não se candidata já a presidente da republica? Assim e sem mais nenhum encargo para o contribuinte ficariamos a saber o valor real da sua suposta representatividade.
“Por acaso o Sr. participa na eleição dos juízes do Tribunal Constitucional? Não!? Bando de fascistas que por lá deve andar.”
Sobre o “Sr.” eu não sei, mas eu participo. Eu sei que deve ser uma chatice para si ir ler a Constituição, mas se fosse veria que dos 13 juizes, 10 são nomeados pela Assembleia. É uma votação indirecta como acontece para o governo, mas não menos legitima, democratica ou representativa. Já agora se estiver interessado é o artº 222.
“Esse “argumento” está mais do que gasto e é inútil para invalidar a natureza democrática da monarquia”
Como vê o “argumento” não está assim tão gasto como você imagina. Já agora o que você propunha para sabermos da evolução da legitimidade democratica da monarquia a nível temporal: um referendo de 4 em 4 anos?
“Ou pensará o Sr. que a Inglaterra, a Espanha, a Bélgica, a Holanda e por aí em diante…”
Ou é minha impressão, ou já bastantes autores deste blogue gozaram com este tipo de argumentação anteriormente…
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Ao fazer leitura deste fantástico texto fiz uso de um grande conhecimento sobre o “sistema” de monarquias no mundo inteiro..
Obrigado !!!
Clivia Fernanda Morita Perroni …
18 anos → Faculdade de jornalismo !