uma grande coligação: administração e finanças públicas.

(Nota introdutória: este post dará início a uma série de 6 posts sobre 6 diferentes áreas de governação, tendo como pano de fundo a ideia de uma grande coligação que aqui defendi há dias.)

Se houve um grande falhanço da coligação PSD/CDS na anterior legislatura, esse grande falhanço residiu na incapacidade da coligação (à qual se juntou e/ou contribuiu a falta de vontade e também, não esqueçamos, o bloqueio constitucional) em promover a chamada reforma do Estado. Aos cortes cegos do primeiro momento, que em face da pré-bancarrota se afiguravam absolutamente necessários e perfeitamente compreensíveis, faltou depois ao longo da legislatura um efectivo redesenho da administração pública. É certo que uma reconfiguração estrutural das entidades e instituições públicas pressuporia sempre uma reflexão sobre a natureza do Estado; se uma abordagem pública do tipo “garante”, ou se uma do tipo “assiste”. Mas tal reflexão nunca foi feita nestes termos, por incapacidade, por falta de vontade dos partidos, por falta de enquadramento constitucional, ou por outro motivo qualquer. E, assim, chegou-se ao célebre documento de reforma do Estado, um documento tão pífio quanto inconsequente.

O debate em Portugal faz-se frequentemente sob o ponto de vista de termos Estado a mais ou a menos. Por um lado, a nossa despesa pública em percentagem do PIB está hoje grosso-modo ao nível do que sucede por essa Europa fora. Mas, por outro lado, esta despesa implica um formidável esforço fiscal, imposto ao sector privado a fim de financiar o aparato público, que está significativamente acima do que sucede elsewhere. Sem prejuízo da objectividade da análise, sabemos que se trata de uma discussão que é naturalmente toldada pelas inclinações ideológicas de cada um; e frequentemente daí não saímos. Por isso, mais do que discutir a dimensão do sector público, importaria talvez que nos questionássemos sobretudo acerca da dimensão do sector privado. E neste domínio, é com grande convicção que eu afirmo existir em Portugal sector privado a menos. Provavelmente, porque há mesmo Estado a mais…! E, decididamente, porque as condições de contexto promovidas pela administração pública estão longe de ser as melhores, como aliás todos os relatórios de competitividade internacional bem atestam. Grande Estado não significa melhor Estado. E muita despesa não significa boa despesa.

Ora, falhada a reforma do Estado, e em face dos compromissos orçamentais e financeiros que decorrem do Tratado Orçamental (aprovado pelo PSD, CDS e PS), pede-se a um novo governo, sobretudo a um governo frágil como aquele que resultará até do cenário pós-eleitoral mais benigno (ou menos maligno…), que se concentre, não em coisas grandiosas como a reforma do Estado, mas sim em coisas mais comezinhas. Em matéria de finanças públicas, quer isto dizer, utilizando para o efeito uma simples análise de “benchmarking” entre Portugal e a média da zona euro, que o novo executivo deveria continuar a reduzir a despesa pública com pessoal (rubrica na qual continuamos 1 ponto percentual do PIB acima do “benchmark”), que o executivo deveria reduzir os consumos intermédios (onde estamos meio ponto acima), e continuar a substituir e a amortizar dívida mais antiga e mais cara por outra amortizável mais tarde e paga a preço mais barato.

Como é que isto se poderia fazer? Certamente não se pretende inventar a roda, porque a roda já está inventada. Na parte de gestão da dívida pública, aliás, tem sido muito bem utilizada. Beneficiando dos efeitos da política monetária do BCE e do equilíbrio (temporário?) das nossas contas externas. Mas na parte da despesa não; a roda foi posta de lado. Passo a concretizar. Um dos principais pontos a destacar no legado “troika” é a maior transparência orçamental que aquela instituiu entre nós. Hoje há um “tableau de bord” no Conselho de Ministros. Hoje, o Estado consolida todos os organismos públicos na mesma conta do Estado (e não apenas os que convêm ao gosto do freguês). E os governantes sabem o que precisam de saber a fim de tomar decisões (e se não sabem deveriam saber) incluindo, por exemplo, quantos funcionários públicos existem; quanto ganham de remuneração base e quanto ganham através de suplementos salariais. Certamente saberão que existem cerca de 200 suplementos distintos, e que estes representam aproximadamente 700 milhões de euros de encargos anuais (40% do excesso que temos face ao “benchmark”), entre outras coisas, como taxas anormais de absentismo e afins.

Lamentavelmente, o senhor secretário de Estado da Administração Pública, José Leite Martins, que tem o dever de saber tudo isto, meteu a memória descritiva na gaveta. Não encerrou o “tableau de bord”, mas tê-lo-á colocado em modo “Suspender”. Se a memória não me falha, este senhor está há mais de um ano em modo de suspensão. Ultrapassadas as preocupações eleitoralistas, está, pois, na altura de retomar a iniciativa, ou o próprio ou outra pessoa que o venha a substituir, sob o risco de a coisa se tornar ainda mais indigna do que já é. A transparência pública (passe a redundância) na enunciação dos suplementos salariais é o mínimo que se pede, pois com maior escrutínio alguma racionalização seria possível e desejável. Ao mesmo tempo, e quanto aos consumos intermédios, está na altura de agarrar aquela que é uma boa ideia proveniente da esquerda dura, a ideia dos orçamentos de base zero, e implementá-la nos ministérios mais despesistas (ou consumistas…). É aplicar o princípio 80/20, como fazem as famílias e as empresas, e questionar acerca da razoabilidade e aplicabilidade dos gastos. Com este método, seguramente chegaríamos a algumas poupanças, sendo que a transparência induziria outras. Instituindo uma nova rotina que com a experiência se aperfeiçoaria. Esta nova abordagem poderia até induzir debates específicos em matérias de orçamentação sectorial; por exemplo, sobre como financiar a Saúde numa altura em que o país é afrontado pelo inverno demográfico.

Em suma, não é que estas medidas, isoladamente e por si só, resolvessem o problema de fundo na administração e nas finanças públicas. Porém, contribuiriam a fim de tal, e mais, permitiriam exprimir um sinal de rigor e de respeito pelo público em geral, e pelos contribuintes em particular, numa altura em que o esforço fiscal em Portugal se tornou ofegante. As pessoas não gostarão de ler os números que darei de seguida, mas os factos (de acordo com os últimos dados oficiais da Autoridade Tributária, de 2012) são os seguintes: 75% do número total de agregados familiares em Portugal declaram rendimentos anuais até 19 mil euros, sendo que nos últimos anos (até 2012) se registou uma redução do número de agregados familiares em todos os escalões de rendimento anual acima de 19 mil euros. E porquê? Porque a voracidade fiscal mais não tem servido do que para alimentar o Monstro, que continua imparável, deprimindo as condições de contexto da generalidade do sector privado (onde efectivamente “se gera” emprego; no Estado “cria-se” emprego…). Só assim se entende que ao mesmo tempo que o sector privado vai sendo fustigado com um esforço fiscal inaceitável, a despesa corrente primária do Estado (aquela que melhor exprime a despesa de funcionamento do Estado, excluindo juros e o investimento público) tenha passado de 70 mil milhões de euros em 2011 para…72 mil milhões em 2015. Sim, leu bem, aumentou. E esta, heim…?!

3 pensamentos sobre “uma grande coligação: administração e finanças públicas.

  1. maria

    V.Exª. sabe quantos funcionários ricos foram admitidos no Estado? Médicos 4000, policias 16000, juízes, judiciais, militares, camarários, escolas, etc. Só os médicos e policias a despesa aumentou 350M€,

  2. CarlosPinto

    Estou naturalmente de acordo com o que se diz no artigo. Em relação ao texto: “…. não é que estas medidas, isoladamente e por si só resolvessem o problema de fundo na administração e nas finanças públicas”, é verdade, mas o que eu pago de impostos também não resolve os problemas do pais e eu tenho de pagar. Tudo contribuiria para a fundamental e urgente, no mínimo, moralização e transparência do sistema.

  3. rrocha

    3 notas rapidas

    1ª este post vem atrasado uma semana
    2ª A falácia da reforma do estado
    3ª cortes cegos nao levam a lado nenhum

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