O emprego que se vê e o desemprego que não se vê

 MIGUEL A. LOPES/LUSA
MIGUEL A. LOPES/LUSA
António Pires de Lima, Ministro da Economia em trânsito e afamado de liberal sem qualquer razão que o justifique, veio hoje vangloriar-se das estatísticas que indicam uma descida do desemprego. “Felicitou”, como a coreografia portista exige, “as empresas e o sector privado”, mas não se conteve e sentiu-se compelido a dizer que o Governo (ou seja, a sua excelsa pessoa) tinha tido a sua quota-parte no maravilhoso resultado alcançado: um terço desses empregos, garantiu, devem-se a estágios “escolhidos pelas empresas” (o que, se segundo ele, faz com que não sejam “artificiais”) mas tornados possíveis pelos “apoios” de “entidades públicas como o IEFP” (o que, para qualquer pessoa com dois dedos na testa ou vergonha no resto da face, indica que são precisamente tão artificiais como a garantia de Pires de Lima de que não o são).

Não contesto que esse “terço” de novos empregos são uma boa notícia para quem os ocupa, especialmente para os 70% de casos que o senhor Ministro diz serem depois integrados em empregos efectivos na empresa ou sector em que o estágio é realizado. Mas, ao contrário do senhor Ministro, não fecho os olhos ao outro lado, bem menos positivo, da questão: o emprego criado por esses “apoios”, que se vê, só é possível graças a ao desemprego, criado pelas políticas necessárias para os financiar, que não se vê.

Tendo em conta que o “negócio” do Estado é obter receita dos cidadãos, todo e qualquer “apoio” que este dê é proveniente do dinheiro dos indivíduos e empresas que, com os seus impostos, financiam a “generosidade” pública. Para subsidiar estágios profissionais em algumas empresas, o Estado tem de manter a sua despesa em determinados valores, que só são possíveis porque a fiscalidade é mantida em (ou melhor, elevada para) proporções que são bastante difíceis de comportar para o resto da sociedade (e que mesmo assim não são suficientes para cobrir o défice público, obrigando à contracção de mais dívida, que terá de ser paga ou por novos impostos no futuro ou com uma bancarrota e suas respectivas consequências desastrosas). O dinheiro gasto pelo Estado nesses apoios, e que tanto jeito deu aos que dele beneficiaram, terá certamente feito alguma falta aos que dele tiveram de abdicar. O que os números e as palavras de Pires de Lima não dizem é quantos empregos se perderam ou ficaram por criar, para que fosse possível “apoiar” quem teve a sorte de ser apoiado. Pires de Lima vê e fala dos 70% de empregos efectivos que terão resultado directamente desses estágios “apoiados” pelo Governo, mas não vê nem fala dos 30% de estágios que, pelos vistos, não serviram para nada a quem os realizou, e muito menos vê ou fala dos empregos que não se criaram ou se perderam, ou das pessoas que viram os seus rendimentos diminuídos, para tornar esses “apoios” possíveis.

Acresce que ao subsidiar, com o dinheiro extraído ao resto da sociedade, a criação de estágios profissionais em determinadas empresas, o Estado está a permitir que essas empresas preencham funções de que aparentemente precisam, sem custos ou com custos menores para si próprias, por serem suportados literalmente à custa da concorrência, através das mãos redistribuidoras da fiscalidade que saca e dos “apoios” que “dão”. Mais do que possibilitar uma concorrência desleal entre as empresas “apoiadas” e as que pagam os custos do “apoio” (um pouco como a concorrência desleal que os clubes de futebol que não cumprem as regras do pagamento dos salários aos seus jogadores fazem aos clubes cumpridores por isso mais apertados financeiramente e sem margem de manobra para ir enriquecer o seu plantel), esta distorção faz com que essa concorrência se trave, não no mercado da oferta e procura de bens e serviços, mas no terreno da burocracia que decide quem recebe os subsídios, e quem não tem outra escolha que não pagar os impostos que sustentam as políticas que beneficiam os outros. A atribuição de subsídios de apoio à criação de estágios, por muitos empregos que crie e por muito positiva que seja essa criação, resulta sempre na substituição do mercado das livres interacção e escolhas das pessoas pelo “mercado” da “influência” e decisão políticas, o único que nunca está em crise no nosso país, e que, ao contrário do que algumas alminhas mais simples gostam de acreditar, é bem mais injusto do que o primeiro. O Ministro da Economia, no entanto, orgulha-se deste estado de coisas, como José Sócrates e a sua pandilha se orgulhavam. E pelos vistos há quem, à “esquerda” e à “direita”, goste e aprove que o país funcione assim. É um grupo em que definitivamente não me incluo.

17 pensamentos sobre “O emprego que se vê e o desemprego que não se vê

  1. Boa análise. Realista.
    Ainda falta falar da distorção que estes estágios criam no mercado de trabalho, criando uma força de trabalho precária e barata que faz concorrência com quem não se qualifica para os estágios, mas que é igualmente válido.

  2. Pedro

    Muito bem. E ainda sobre isto da alquimia dos números do desemprego, que espanta o próprio FMI, podemos falar também na emigração, ou já é demasiada heterodoxia?

  3. Romeiro Ferreira

    Muito bom. Claro que o que realmente importa é a proporção entre empregados e desempregados, e ainda não vi números que esclareçam a evolução da população activa nos últimos anos. Conheço muita gente que emigrou, e não conheço análises detalhadas de como essas pessoas influenciaram a suposta queda no desemprego (isto além dos que por outras razões possam ter deixado de estar incluídos na lista)

  4. João Veríssimo

    Tem razão, mas porquê esta necessidade de criticar? Longe de ser perfeito este governo fez um trabalho razoável. Porém ao contrário do PS e da esquerda em geral que actua em bloco e não faz auto critica, a direita e no caso o Insurgente adora «malhar» e isto em plena pré-campanha. O seu texto apenas vai servir para que um menino do BE o use na propaganda. Peço desculpa mas um pouco de bom senso seria mais útil.

  5. Como para mim a política, a governação e os comentários não são como o futebol, mas uma questão de se fazer o que é bom para o país ou não fazer, pouco me preocupa se é a “direita” ou a “esquerda” a fazer asneira. Se eu acho que o que alguém diz ou faz é “asneira” digo-o. Daí a minha “necessidade de criticar”: acho que é criticável, tal como o PS, o PCP e o BE são criticáveis. Não sinto nenhuma “irmandade” nem tenho preferência por diferentes agrupamentos de clientelas e distribuição de favores. O PSD e o CDS não são os meus, nem o PS, o PCP e o BE são “deles”. “Defendo” aquilo com que concordo, e critico aquilo de que discordo, independentemente do “clube” que o fizer. Enfim, uma questão de bom senso. E já agora, para o deixar menos preocupado: nenhum menino do BE usará isto para propaganda. Sou demasiado irrelevante para o que eu diga, com ou sem razão, seja usado para o que quer que seja.

  6. Rogerio Alves

    “Pedro em Julho 30, 2015 às 18:51 disse:

    Muito bem. E ainda sobre isto da alquimia dos números do desemprego, que espanta o próprio FMI, podemos falar também na emigração, ou já é demasiada heterodoxia?”

    Algo me escapa no argumento da “emigração vs desemprego”: acaso os emigrados estão desempregados?

  7. … acresce que esse mesmo ministro “liberal”, já se comprometeu com o aumento do salário mínimo (caso as eleições não se lixem…). Não admira, como todos sabemos ele trabalha para o PM Passos Coelho, “o socialista”, segundo rótulo do próprio…

  8. FilipeBS

    Não discordando da maioria das considerações e princípios deste post, deixo no entanto um caso real, ocorrido a um familiar próximo (irmão):

    Uma pequena start-up tecnológica da região Norte, por via dos estágios profissionais, conseguiu contratar alguns engenheiros recém-licenciados (entre os quais o meu irmão). A empresa desenvolveu uma tecnologia que está já a ser exportada e incorporada no sector dos electrodomésticos. Entretanto o prazo dos estágios profissionais terminou, e esses quadros iniciais foram mantidos na empresa mas desta vez com recurso à facturação gerada pela empresa.

    Neste caso em concreto, parece-me inegável que o investimento em estágios profissionais foi vital para viabilizar uma empresa que agora pode seguir o seu caminho de modo independente. Inclusive, o investimento do estado poderá já ter compensado considerando a exportação dos bens e serviços da empresa, o rendimento gerado e a tributação consequente.

    Como é evidente, um caso não determina o sucesso ou insucesso de todo um programa de investimento. Mesmo assim, pensei ser importante deixar aqui este testemunho.

  9. cfe

    Olhe discordo de si. Bem ou mal a formação profissional e’ necessária para que o país se desenvolva. Estou fora de Portugal e ando a tirar vários cursos técnicos porem no Brasil, onde resido, as empresas tem pouco incentivos a contratar estagiários. Resultado: ninguém contrata a mim por não ter experiência na área para qual me virei muito embora seja aluno aplicado.

  10. cfe

    Um comentador acima fala que os estagiários fazem uma espécie de concorrência desleal aos que não se preparam. Ora se existem despreparados no mercado que sabem fazer mas não sabem porque o fazem, então não há deslealdade alguma.

  11. Pedro

    Rogério Alves, precisamente. Siga a minha lógica: se todos emigrássemos, poderíamos agora dizer que temos 0% de desemprego. Um êxito absoluto. Agora, adapte, por favor. Eu estou no desemprego. Conto para a estatística do desemprego. Se for ao centro de emprego “desinscrever-me”, porque vou emigrar, sou menos um na estatística. Baixou um bocadinho a estatística. Pronto, é isto.

    Fiquei muito esclarecido com o comentário do João Veríssimo, de uma sinceridade tocante e extraordinária. Não era suposto estas coisas serem ditas em emails privados?

  12. Caro Filipe, como disse, é evidente que esses casos são positivos. Agora, há sempre o problema das empresas que não se conseguiram desenvolver, entre outros factores, pela carga fiscal que suporta programas desses (e coisas piores). Agora ainda bem que há coisas boas a e a subsistirem por si próprias…

  13. Bernardo Gomes

    Não posso deixar de saudar Bruno Alves pela resposta ao comentário do João Veríssimo. Se há razão que me fidelizou enquanto leitor é a defesa de ideias e não clubismos (com algumas excepções, como é evidente). Para quê seguir a receita de outros? O recorde que o Insurgente bateu no número de visitas não é, certamente, por acaso. Se o objectivo é levar outros a pensar de forma diferente, deve continuar a ser este o caminho. Para além das ideias, dê-se mérito também a alguns dos bloggers (BA, CGP, MAL, entre outros) que escrevem de forma que pessoas sem formação formal em Economia possam acompanhar o raciocínio e/ou consultar referências. Pela minha parte, obrigado. Continuem.

  14. FilipeBS

    Caro Bruno Alves,
    Tudo verdade. Reduzir a área de acção do estado e em consequência diminuir impostos é algo que beneficiará toda a economia, tornando as empresas mais competitivas e criadoras de emprego. No entanto penso que programas como este, desde que transparentes e com regras claras (para evitar fraudes e abusos) são o mal-menor do actual papel do estado. Estou totalmente de acordo que o princípio de tirar a muitos para redistribuir por alguns é nefasto, sobretudo quando os critérios para escolher esses “alguns” são subjectivos e muitas vezes até perversos. É sempre melhor deixar a sociedade funcionar e as pessoas trabalhar 😉

  15. João Veríssimo

    Não batam mais no ceginho! Não sou filiado em qualquer partido. Sou liberal e ponto. Portanto este governo é um menor.

  16. Ricardo

    Parabéns pela imparcialidade, Bruno Alves.
    Embora não discordo de programas de Estado para incentivo à contratação e ao emprego, acho que estes programas (e muitos outros anteriores) têm sido mal concebidos e funcionado sobretudo como uma forma de transferência de valor do Estado para as empresas. Na perspetiva de investimento para reduzir a médio prazo as despesas de SS e aumentar a receita fiscal, faz sentido. Mas acho que os resultados deste trade-off não estão a ser muito animadores…por falha de design dos programas.

  17. Tem toda a razão. Parabéns! Parece-me que são medidas do governo para “parecer.” Este tipo de medidas tem efeitos perversos. Por exemplo, hoje temos muitos profissionais do primeiro emprego. Uma situação idêntica ocorre com as instituições ensino superior que realizam trabalhos de formação profissional e de consultoria. Dessa forma são pagas duplamente (hoje não é verdade porque estão sub financiadas) e retiram trabalho às empresas.

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