O que aconteceria se saíssemos do Euro?

No livro que escrevi com o Miguel Botelho Moniz e o Ricardo Gonçalves Francisco, vinha esta questão. Convém relembrar a resposta e perceber como metade do caminho já foi percorrido na Grécia.
O Economista Insurgente

A saída do Euro, que no início da crise era vista como impensável, começa a ser amplamente discutida. Infelizmente, a maioria das pessoas não entende bem as consequências dessa saída. Em termos gerais, convém esclarecer que a situação de Portugal após a saída da união monetária não seria a mesma do que se nunca tivesse entrado. A metáfora mais indicada aqui é a de um jogador de futebol que entra para um grande clube cedo na carreira, passa alguns anos sem jogar e depois regressa a um clube médio para ter grandes oportunidades. A situação desse jogador não é a mesma que teria se tivesse jogado sempre em clubes médios: Entretanto ele passou anos sem jogar, perdeu ritmo e ganhou reputação de ser um fracasso em clubes grandes. O mesmo se passaria com Portugal: A saída de Portugal da Zona Euro nas atuais circunstâncias daria um golpe fatal na sua credibilidade internacional e iria para sempre marcar a forma como investidores e credores veriam o país. A questão é saber se, apesar destes problemas, a saída do euro resolveria algum dos problemas presentes.

Comecemos pelo que aconteceria no caso de uma saída do Euro. Em primeiro lugar, convém notar que uma saída nunca seria referendada ou sequer discutida em avanço. Os líderes políticos teriam que negar essa possibilidade até ao fim. No momento em que fosse sequer discutida, pessoas e empresas começariam imediatamente a levantar os seus depósitos e colocá-los fora do país, levando a uma espiral de problemas financeiros e bancários que forçariam a saída do Euro e agravariam as suas consequências. A decisão de saída teria de vir de surpresa, muito provavelmente numa sexta-feira à noite. O Banco Central ordenaria a conversão imediata de todos os depósitos bancários sediados em Portugal de euros para a nova moeda que fosse criada. O pagamento de salários e todos os contratos comerciais vigentes também seriam convertidos para a nova moeda. A dívida pública emitida ao abrigo da legislação portuguesa também seria convertida para a nova moeda. Enquanto o processo decorreria, os levantamentos bancários seriam suspensos. Se o fim-de-semana não fosse suficiente para acabar o processo de troca de moeda, os bancos manter-se-iam fechados mais uns dias. Para evitar a fuga de euros para fora do país, também as transferências bancárias seriam proibidas. Quando os bancos reabrissem, já os depósitos estariam redenominados na nova moeda e todos os levantamentos em numerário seriam realizados nessa moeda. A taxa de câmbio da nova moeda em relação ao euro cairia 20-30% no primeiro dia em relação à taxa utilizada na conversão de depósitos. Ou seja, efetivamente os salários, apesar de não caírem na nova moeda, iriam cair 20-30% quando contados em euros.

No que toca à dívida pública, a situação seria mais complicada: O governo poderia manter as suas obrigações em euros, ou seja, perante a desvalorização da moeda, a dívida pública ficaria ainda mais difícil de pagar ou, alternativamente, converter a dívida para a nova moeda, o que os credores veriam como um incumprimento (default). Este default faria com que o Estado português deixasse de ter acesso aos mercados internacionais. No entanto, o facto de agora poder pagar na nova moeda e, portanto, ser mais fácil reequilibrar as contas públicas, provavelmente faria com que o governo optasse pela segunda opção. Nos primeiros meses seria também provável que viessem a faltar alguns produtos importados nas lojas. Como as empresas importadores teriam as suas contas também convertidas para a nova moeda, mas precisam de euros para comprar bens ao estrangeiro, teriam algum problema em repor os stocks. Mesmo que os produtos chegassem sem problemas, eles seriam bastante mais caros. O preço de tudo o que é importado (incluindo combustíveis, telemóveis, computadores, alimentos, etc.) subiria em flecha na nova moeda. A austeridade como a conhecemos hoje acabaria: Provavelmente o governo anunciaria um aumento de salários e pensões cujo efeito seria rapidamente eliminado pelo aumento dos preços da maioria dos bens. Teríamos antes uma austeridade disfarçada, onde o rendimento nominal parecia crescer, mas o empobrecimento resultante da diminuição do poder de compra se sentiria sem disfarce.

Seria perfeitamente possível que o país se recompusesse ao fim de alguns anos; talvez adquirindo a maturidade política e económica necessária para reentrar na Zona Euro, desta vez sem os mesmos problemas. Mas, que não se iludam aqueles que acham que seria uma solução fácil: O nível de empobrecimento e atraso económico causado seria bastante superior e mais rápido do que qualquer programa de austeridade.

Um pensamento sobre “O que aconteceria se saíssemos do Euro?

  1. Luís

    Fora do escudo a economia que não depende do pote dos impostos sofreu uma modernização radical. Nos anos 90 as nossas indústrias tradicionais estavam muito atrasadas em relação à realidade italiana, espanhola ou francesa. O nosso azeite era conhecido pela enorme falta de qualidade, o mesmo era válido para o nosso calçado, têxteis e genericamente para os nossos vinhos. O turismo também mudou muito, e a restauração também.

    Neste momento as exportações valem 40% do PIB, há uns anos valiam 30%, nunca houve tantos turistas estrangeiros a viajar pelo nosso país, lentamente começa-se a fazer a requalificação urbana. Estive esta Páscoa no Alentejo e nota-se uma modernização enorme na agricultura, tal é visível na zona de Odemira que já exporta 90% da produção nacional de framboesa e entre Serpa e Moura. Nunca se produziu tanto azeite de qualidade em Portugal e a maioria da produção está concentrada no Alentejo.

    Quem conhece o país sabe que há potencial para exportar muito mais, para termos muito mais turismo, para crescermos e convergimos com os nossos vizinhos da Europa Ocidental.

    Tudo isto foi possível sem o escudo. Sairmos do euro seria passar de cavalo a burro, como diz o povo.

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