“Quantitative Easing” – o seu real impacto

Tem havido um deslumbramento, na minha opinião, excessivo, em relação ao sentido e alcance das medidas anunciadas pelo BCE que, não sendo novas (já em Setembro haviam sido apresentadas), impressionam pelos valores equacionados (60 mil milhões de euros por mês) e pela possibilidade dentre os activos tóxicos considerados poder incluir-se dívida pública.

Há uma incompreensão alargada na nossa opinião publicada, seja a protagonizada por agentes políticos, seja por jornalistas, em relação ao que tecnicamente representa este “quantitative easing e como se processa a capitalização do sistema financeiro.

Em primeiro lugar, como já havia referido em Setembro, no Diário Económico, a ausência de crédito na nossa economia não se deve tanto ao custo do capital ou à sua facilidade de acesso por parte da banca mas ao risco implícito dos balanços das empresas, que as desqualificam para a obtenção de crédito face às regras apertadas de solvência impostas nomeadamente por Basileia III e pelas diversas Directivas comunitárias de governação bancária sucessivamente aplicadas pelos que defendem “mais regulação”.

Há em Portugal bancos que estão com menor tracção na concessão de crédito, não porque tenham falta de capital para emprestar, mas por míngua de empresas com bons projectos que qualifiquem na brutal malha de risco que as regras prudenciais lhes impõem. As medidas de Draghi beneficiam alguns, nomeadamente vão possibilitar a melhoria dos rácios dos bancos, na medida em que permitem que muitos possam securitizar alguns activos que hoje penalizam os rácios de capital (v.g., activos imobiliários, obrigações corporate mais depreciadas). Agora, não se vê como tal securitização vai servir para cumprir a euforia geral que se sente em Portugal, nomeadamente como possa alterar significativamente a atribuição de crédito à economia, que não pela via lenta da qualificação das empresas em termos de risco, algo que o “quantitative easing” não resolve. A assunção de activos dos bancos pelo BCE, conjugada com uma política de juros baixos abre em qualquer caso uma oportunidade de “revolving” das dívidas das empresas mais alavancadas, possibilidade essa que não me parece que vá ser aplicada em toda a sua extensão, pois os bancos vão tentar incorporar o mais possível a margem financeira das operações.

As medidas do BCE destinam-se mais aos países com economias solventes e tecidos empresariais mais equilibrados, e pretendem combater a deflação (logo se verá com que efeitos), e não tanto a países como Portugal, embora uma parte da nossa economia já possa qualificar para o acesso ao crédito em condições vantajosas; em nenhum caso pretendem esconder as debilidades das empresas ou aligeirar as reformas estruturais que cada Estado tem de cumprir.

Uma nota adicional: entre a apresentação do programa de quantitative easing, em Setembro, e o mais recente anúncio, agora em Janeiro, o BCE alargou o programa de compras a dívida pública em mercado secundário, com a seguinte extensão:

“The ECB will buy bonds issued by euro area central governments, agencies and European institutions in the secondary market against central bank money, which the institutions that sold the securities can use to buy other assets and extend credit to the real economy. In both cases, this contributes to an easing of financial conditions.”

Esta medida pode permitir que algumas instituições mais expostas a dívida pública libertem os seus balanços, para comprar mais dívida pública; ou, quiçá, assegurar que o BCE está preparado para intervir rapidamente, em caso de default de algum Estado-membro, absorvendo activos que entretanto se tornem tóxicos (vem-me à cabeça a dívida grega que ainda possa estar a “pairar” por aí, nos balanços de bancos e fundos).

Boas ou más, mais ou menos eficientes, o que há que referir é que estas medidas estão muito longe de serem “expansionistas”, no sentido que alguma esquerda lhe tem dado, e não representam nenhuma viragem significativa nas políticas seguidas pela Europa, sendo antes uma forma do BCE procurar combater a deflação e estar (ainda mais) preparado para algum problema que a Grécia possa criar ao Euro.

5 pensamentos sobre ““Quantitative Easing” – o seu real impacto

  1. JLeite

    Há dias atrás perguntei num post do Insurgente algo que me “preocupa” relativamente a este assunto, o do Quantitative Easing que o BCE se propõe levar a cabo e não houve ainda quem me respondesse.
    Na esperança que alguma alma caridosa me ilumine cá vai novamente a minha pergunta:
    Isso é para pagar ou não?

  2. Caro JLeite,

    O que o BCE diz é que os activos objecto de securitização deverão ser recomprados quando deixem de ser tóxicos. Caso tal não ocorra, as perdas serão repartidas entre o BCE e o cedente, mas só em algumas circunstâncias. Não há uma securitização acompanhada de uma efectiva “true sale”, antes havendo uma intenção de retornar o crédito ao cedente, logo que as condições de mercado o permitam. Se no fim da linha, não vai haver alterações destas condições, francamente não sei.

    O que o anúncio do BCE diz sobre esta matéria é o seguinte:

    “With regard to the sharing of hypothetical losses, the Governing Council decided that purchases of securities of European institutions (which will be 12% of the additional asset purchases, and which will be purchased by NCBs) will be subject to loss sharing. The rest of the NCBs’ additional asset purchases will not be subject to loss sharing. The ECB will hold 8% of the additional asset purchases. This implies that 20% of the additional asset purchases will be subject to a regime of risk sharing”.

  3. castanheira antigo

    Politicos e jornalistas continuam a propagandear que o problema da contracção economica se deve á falta de credito . Esta posição serve para esconder o verdadeiro problema e que é o comportamento miserável do proprio estado que absorve a maior fatia da riqueza gerada esmagando com impostos , multas , coimas e taxas diversas o rendimento de empresas e cidadãos , desincentivando tanto o investimento como o trabalho .
    Se juntarmos a burocracia , a corrupção e a lentidão da justiça , tudo o resto é palavreado para enganar os eleitores.

  4. JLeite

    Antes de mais obrigado pela sua resposta.
    Se bem entendi, os emissores de dívida são responsáveis pelo risco, directamente por uma parte e indirectamente pelo restante, via BCE.
    Assim, percebo quem inevitavelmente está no fim da linha, quer da directa e da indirecta.
    Não quero e não gosto.
    Aprendi com Murphy que se algo pode correr mal, correrá de certeza.
    Se querem estimular a economia que baixem impostos e despesa e que não gastem mais do que têm que esse é que é o problema fulcral não só em Portugal como por essa Europa fora.

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