Cartas da Autoridade Tributária

A Autoridade Tributária enviou-me, no dia 7 de Novembro, um e-mail (!) com o seguinte conteúdo:

Assunto: Incentivo à exigência de fatura
A partir de 1 de janeiro de 2013 será obrigatória a emissão de fatura por todas as vendas de bens e serviços mesmo quando os particulares não a exijam.
Quando é emitida fatura, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) garante o controlo e a cobrança do IVA correspondente. Se a fatura não for emitida esse controlo é impossível.
Se todos exigirmos fatura em todas as aquisições que efetuamos conseguiremos:

  • •Aumentar a riqueza conhecida que Portugal produz (PIB);
  • Aumentar as receitas fiscais, sem pagarmos mais impostos;
  • Aumentar a equidade e justiça entre todos os contribuintes portugueses;
  • Diminuir o défice orçamental e criar condições para uma redução futura da carga fiscal;
  • Criar melhores condições para que o nosso país possa ultrapassar com rapidez a fase díficil em que se encontra.

Quando não exigimos fatura contribuímos para:

  • Aumentar a evasão fiscal e enriquecer ilicitamente aqueles que não pagam impostos;
  • Diminuir a receita fiscal, que é uma riqueza de todos os portugueses;
  • Prejudicar com mais impostos os contribuintes cumpridores.

O seu papel é decisivo. Exigir fatura não tem custos. É um direito e um dever de todos. E todos ganhamos. Portugal e cada um de nós.
Em breve receberá mais informação acerca dos benefícios fiscais (até € 250) que serão proporcionados a quem exige fatura.

Curioso, aguardei pelo prometido segundo. Hoje, a espera chegou ao fim:

A partir de 1 de janeiro próximo, pode beneficiar de uma dedução à coleta do IRS no montante correspondente a 5% do IVA pago em cada fatura, por qualquer membro do agregado familiar, com o limite global máximo de 250 Euros.

Para usufruir desse benefício, basta que exija a inclusão do seu número de identificação fiscal (NIF) nas faturas relativas às aquisições que efetuar. Os comerciantes são sempre obrigados a emitir faturas, mesmo nos casos em que o adquirente não as exija (com exceção dos comerciantes isentos de IVA).

Numa primeira fase encontram-se abrangidas apenas as prestações de serviços enquadradas nos seguintes setores de atividade:

i) Manutenção e reparação de veículos automóveis;
ii) Manutenção e reparação de motociclos, de peças e acessórios;
iii) Alojamento e similares;
iv) Restauração e similares;
v) Atividades de salões de cabeleireiro e institutos de beleza.

O sistema funciona de forma muito simples. Se exigir a colocação do seu NIF nas faturas, a AT atribui automaticamente o benefício.

Quando exige fatura, a AT garante o controlo e a segurança de que o IVA que nela pagou será entregue ao Estado.

Caso necessite de informação adicional, não hesite em contactar o nosso Centro de Atendimento Telefónico da AT (707 206 707), nos dias úteis das 08H30 às 19H30.

O mail é um “no-reply”. Assim, aqui fica a minha resposta em carta aberta:

Prezada Autoridade,

O teor da primeira carta supra-citada é questionado por muito do que se escreve na Europa. Nomeadamente, não pedir factura contribui para:

  • Aumentar a riqueza real que Portugal produz (PIB);
  • Diminuir as transferências para o sector não competitivo, numa altura em que a competitividade Portuguesa é essencial;
  • Aumentar a equidade e justiça entre o sector estatal e o privado;
  • Criar condições para uma redução imediata da carga fiscal;
  • Criar melhores condições para que o nosso país possa ultrapassar com rapidez a fase díficil em que se encontra.

Quando exigimos factura contribuímos para:

  • Enriquecer ilicitamente aqueles que distribuem os impostos;
  • Aumentar a receita fiscal, que é um peso de todos os portugueses;
  • Prejudicar com mais impostos os contribuintes.

O seu papel é decisivo. Não exigir fatura não tem custos adicionais. É um direito e um dever de todos os funcionários tributários. E todos ganhamos. Portugal e cada um de nós.

Repare:

  1. A ideia de que, se eu pagar, outro não vai ter de pagar é falsa. A maximização fiscal é uma prática habitual e se um pagar, o Estado deficitário vai continuar a tentar obter o máximo de todos os outros.
  2. O Estado não cria riqueza. Redistribui. O PIB não aumenta. Reduz-se, pois o Estado retira dinheiro de produtivos para o entregar a não-produtivos. Pode justificar isso com motivos sociais, mas não pode negar a matemática envolvida.
  3. A fase difícil em que o país se encontra é fruto de o Estado ter demasiados recursos para gerir e deixar demasiado poucos para quem tem a obrigação de produzir e criar empregos. Agravar este desequilíbrio não resolve o problema do país: agrava-o.

Sobre a segunda carta, fico satisfeito de um serviço do Estado ter um horário “como o privado”, mas infelizmente os meus honorários para ser fiscal são um pouco superiores a 250 Euros por ano, como decerto há-de compreender.

Se quiser que eu contribua para o enterro definitivo do país, vai mesmo ter de fazer uma proposta melhor.

Até lá, subscrevo-me,

Ricardo Campelo de Magalhães, Economista

Fica a opinião de um contribuinte. Temos todos direito à opinião, certo?

11 pensamentos sobre “Cartas da Autoridade Tributária

  1. nuno granja

    “Quando exigimos factura contribuímos para:

    Enriquecer ilicitamente aqueles que distribuem os impostos;”

    Infelizmente é a verdade!

  2. Brilhante, Ricardo! Quanto mais o Estado recebe, mais gasta. A economia paralela é o travão mais eficiente à despesa do Estado.

  3. sete

    Apesar de concordar que o Estado só irá sugar ainda mais os contribuintes, não posso concordar que se deva ser imoral para combater a imoralidade. Violência não se combate com violência. Posso parecer ingénuo, mas o correcto aqui deve ser a constante fiscalização da actividade do Estado e a severa punição judicial de actos criminosos.

  4. mggomes

    Excelente, Ricardo!

    Há já algum tempo que gosto de testar a reacção das pessoas quando digo que prefiro que o IVA que pago seja retido pelo vendedor em vez de ir para o estado. Assim terá melhor aplicação.
    Além disso, há que pôr o monstro em dieta forçada, pois essa é a unica forma de ele emagrecer.

    Durante muito tempo era olhado com um certo ar de espanto (para não dizer mesmo de condescendência).

    Nos últimos tempos noto uma evolução positiva na reacção das pessoas perante a mesma provocação.

    Além de que a tentativa do estado de colocar cada um de nós como inspector das finanças é simplesmente nojenta!
    Não contem comigo para delator.
    Será das poucas situações em que o epíteto “pidesco”, tão querido da nossa esquerda, se pode aplicar com propriedade.

  5. António Sousa Leite

    Há ainda que realçar o efeito negativo que têm na produtividade os mails da autoridade tributária, ainda para mais se escritos em língua estrangeira

  6. JS

    Até prova em contrário, só se vê o Estado a, se receber mais, gastar mais, e de forma discutível.

    Aguardo, sentado, o surgir de uma Assembleia da República, realmente representativa que, !! ela sim !!, produza a legislação, e que fiscalize a forma como o Estado colecta, de forma justa, (re)destribui e despende, de forma justa, a (parca) riqueza nacional.

  7. « não posso concordar que se deva ser imoral para combater a imoralidade». Mas o que o Ricardo Magalhães defende é que é moral não pedir factura. É que a lei pode ser moral ou pode ser imoral. É imoral bater em alguém. Mas situações há, em que pode ser a melhor solução, pois «há males que vêm por bem».

  8. APC

    Se muita gente promove manifestações e o direito à greve como meios de demonstração do seu descontentamento, creio que a desobediência civil é também uma excelente forma de demonstrar ao governo o quão correcto é o conceito da Curva de Laffer e que existem limites para a exploração e expropriação coercivas que o estado tem vindo a aplicar ao sector privado e à população em geral. Eu prescindo em absoluto dos “benefícios” que a AT me propõe e irei agir de acordo com a minha consciência, também recebi mas dispenso bem as lições de moral que a AT tenta dar nas suas missivas. Bom post Ricardo.

  9. Pingback: Anónimo

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