Retrocesso civilizacional

O início desta discussão sobre o orçamento foi marcada pelas declarações da esquerda de que este orçamento é um retrocesso civilizacional e um recuo de décadas nas conquistas do Estado Social. Nada como analisar os números das 3 rúbricas principais do estado social (Educação, Saúde e Segurança Social) para entender como estas opiniões são infundadas.

1. Educação
Comecemos pela Educação. Nos gráficos abaixo à esquerda temos a despesa nominal em milhões de euros e à direita a despesa em % do PIB. Nesses gráficos pode verificar-se que a despesa em Educação do OE2013 é igual à de 2001, ano de governação de António Guterres, alguém que elegeu a educação como grande bandeira do governo e que dificilmente será tomado por ultra-liberal. Em termos de % do PIB (gráfico à direita) o orçamento de 2013 será apenas 0,3pp abaixo de 2007 e 0,2pp acima de 1990, quando o número de pessoas em idade escolar era bastante superior.

2. Saúde
Na Saúde basta apenas recuar a 2004 para termos um montante de despesa equivalente ao orçamentado para 2013, um ano antes da tomada de posse de José Sócrates. Já 2012 foi o ano com a maior despesa com saúde de sempre, tanto em termos nominais como em % do PIB.

3. Segurança Social
Finalmente, a Segurança Social terá o seu maior orçamento de sempre em 2013. Nenhum outro governo gastou tanto em segurança social como este governo planeia gastar em 2013. Em % do PIB gasta-se 5 vezes mais hoje em segurança social do que da última vez que o FMI nos visitou. Os gastos com segurança social eram um terço dos gastos com educação em 1992, 12 anos depois eram iguais e hoje já representam quase o dobro.

Quando somadas, a despesa nestas três funções sociais do estado está, em termos nominais, ao nível de 2008. Em termos de peso no PIB, o orçamento para 2013 terá o quarto maior valor de sempre, mesmo superior aos primeiros anos de governo de Sócrates. Se existisse de facto um recuo de décadas, por exemplo aos tempos de governação de Vasco Gonçalves, teríamos um excedente orçamental de 15% do PIB no próximo ano.

Dificilmente, se poderá chamar a este pequeno e manifestamente insuficiente corte de despesa nas funções sociais um retrocesso de décadas. Serão necessários muitos mais cortes no futuro para evitar a continuação daquele que é verdadeiro retrocesso civilizacional: o aumento da carga fiscal. No próximo ano, mais de metade da riqueza produzida pelos privados será absorvida pelo estado. Alguns trabalhadores poderão entregar ao estado o correspondente a 70% do seu rendimento. É necessário um grande esforço para identificar na história de Portugal algum momento em que houvesse trabalhadores sujeitos a tamanho esbulho fiscal. Provavelmente teremos que recuar uns séculos até ao ano em que a escravidão foi abolida.

43 pensamentos sobre “Retrocesso civilizacional

  1. jhb

    Que eu saiba, os serviços não são pagos em % do PIB mas sim em euros, assim que vendo a questão em termos de euros, talvez se aperceba melhor do retrocesso.

  2. Miguel Noronha

    Sendo o PIB a riqueza anualmente produzida e sendo que os impostos sao “sacados” deste bolo existe uma relaçao directa entre o PIB e o que se pode gastar.

  3. tric

    retrocesso social é nível de desemprego e da destruição da economia portuguesa a que estamos a assistir..tudo o resto é…

  4. “número de alunos em idade escolar era bastante superior.” Não tenho aqui nenhum número à mão, mas quando a idade escolar aumenta o seu limite de 15 para 18 anos, esse raciocínio parece-me duvidoso.

  5. tric

    o desemprego no sector dos serviços vai continuar a aumentar e a seguir o seu padrão exponêncial…na industria de produção nacional cuja sua produção se destina na sua maioria para o mercado interno, o desemprego também vai continuar a aumentar, seguindo igualmente o seu padrão exponencial de crescimento…face à falta de liquidez…no sector primario, é talvez o unico que se aguente em termos de estagnação do emprego..,a grande discussão em Portugal deve ser a saida de Portugal da zona Euro…e não aproveitar a vinda da Chanceler Alemã para lhe anunciar a decisão…ou saimos ordeiramente da zona euro, ou caóticamente…não existe outra possibilidade! esperar…é a solução da saída caótica…e o agravamento da situação económica-social em Portugal…

  6. Carlos Guimarães Pinto

    João José Cardoso, entretanto corrigi para “pessoas em idade escolar” que era esse o objectivo inicial do post. Mas mesmo que fosse o número de alunos, esse também diminuiu. Os 100 mil a mais no ensino secundário não compensam os 280 mil a menos no básico.

  7. Carlos Guimarães Pinto

    Joaquim, entendo o cálculo mas discordo do pressuposto desse cálculo que em 2000 estávamos numa boa situação. Em 2000 já havia um grande défice e uma carga fiscal pesada. Para termos uma carga fiscal decente e contas equilibradas, os cortes no Estado Social têm que ser bem pelo menos 30%. Nas funções não sociais do estado, os cortes necessários seriam ainda maiores.

  8. PSilva

    Deixa lá ver se percebi:
    O estado gasta 50% do PIB.
    17% são para a saúde, educação e ss.
    Sobram 33%.
    Quer isto dizer que não há “solução” senão cortar na “função social”?

  9. Cuidado com as confusões sobre o estado social. Rigorosamente, o conceito só devia aplicar-se às transferências socias que ninguém sabe quanto são.

    Aproveito para publicitar que o meu livro Repensar Portugal já está disponível na Bertrand e Fnac e incluiu um texto sobre o tema (pág. 127). Como o livro partilha muitas das ideias defendidas neste blog, gostaria de emprestar a versão electrónica (http://www.amazon.com/dp/B009WYL8UG/ref=rdr_kindle_ext_tmb#_) aos primeiros 10 Insurgentes que o desejarem ler e já agora comentar no site da Amazon. Não precisam de ter Kindle, porque a amazon disponibiliza aplicações para as diversas plataformas (free Kindle reading applications for PC, Mac, iPad, iPhone, BlackBerry, and Android devices.)

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  10. Ricardo Monteiro

    Como diria o Passos “Nini” Coelho, não é um retrocesso, é uma refundação civilizacional.

  11. Carlos Guimarães Pinto

    Faltam os SFA e empresas públicas nos cálculos, mas infelizmente é assim que os dados aparecem nos orçamentos. Rule of thumb, assuma o dobro dos gastos que aparecem ali.

  12. leopardo

    Uma nota, os 100 mil a mais que o Carlos Guimarães Pinto refere no ensino secundário incluíam os alunos das Novas Oportunidades. Se retirar esses alunos até aí há um decrescimo de alunos, mesmo com o aumento da escolaridade obrigatória. Mostrei isso no aventar ao JJC, mas a matemática para ele é uma ciência oculta (o que explica muitas das irracionais opiniões que ele expressa) e ficou ele ficou a perceber o mesmo que antes, lá diz o ditado o maior cego é o que não quer ver.
    Outro ponto, com o envelhecimento da população o mesmo nível de gastos na saúde e na segurança social significa um serviço social mais fraco.

  13. Guillaume Tell

    Estes valores só devem incluir as despesas directas do Estado. Os EPR e Fundos e Seviços Autónomos foram esquecidos, em particular para a Educação e a Saúde pelos vistos, basta olhar para a página 50 da execução orçamental até Agosto;

    A Educação valará no todo em 2012 9,5514 mil milhões de euros, cerca de 5,9% do PIB, a Saúde valará 19,0854 mil milhões cerca de 11,9% do PIB. A Segurança Social pelo contrário está totalemente incluída neste gráfico, porque na execução orçamental só estão previstos 7,3288 mil milhões, 4,5% do PIB.

  14. Carlos Guimarães Pinto

    Guillaume, tem razão. Infelizmente é assim que os dados são apresentados na divisão funcional. Mas acho que não será um pressuposto abusivo assumir que a despesa total tem uma evolução semelhante

  15. Pisca

    É sempre a mesma mentira, a Segurança Social é resultado dos descontos feitos por quem trabalha, mais os patrões, NADA MAIS, se andaram a despejar para lá fundos de pensões para compor as contas, anos a fio, é outra historia, se deram cabo do dinheiro ou houve má gestão é caso de policia, meteram a mão onde não deviam, não são impostos entendem ?

    Pergunto se eu tiver um ppr nos vossos queridos bancos privados e chegado o dia de receber o que me prometeram e me disserem: “olhe paciência mas não há dinheiro !” o que é que faço ? Encolho os ombros e aceito tudo, são os mercados ?

    A grunhice liberaloide dá nestas coisas já se sabe

  16. Carlos Guimarães Pinto

    Pisca, a segurança social não é um sistema de capitalização. O dinheiro de quem descontou já foi gasto, não está em nenhuma conta à espera que essas pessoas se reformem. Se amanhã deixar de haver trabalhadores disponiveis para contribuir, não haverá dinheiro para pagar a reforma daqueles que descontaram. É tão simples quanto isso.

  17. APC

    E se eu chegar à idade da reforma e a SS me disser “Ah, desculpe mas as taxas coercivas que aplicamos à malta não chegam para lhe cobrir a reforma, não há dinheiro…” aí já seria aceitável? Em que medida seria diferente no público em relação ao privado? A grunhice de quem não pensa antes de escrever às vezes dá nestas coisas, já se sabe.

  18. Pisca

    Mas se for um banco e fornicar o guito todo como fizeram uns que andaram a jogar ao Madof é o quê ? Os mercados ?

  19. Mário Albano Simões

    Como já alguém já escreveu por aqui (e que, entretanto, foi expulso por “delito de opinião” pelo Sr. Noronha) os privados que têm mandado no Estado têm destroçado o país. Culpados? Não há. Os senhores dos partidos políticos do bloco liberal abafam tudo.

  20. Miguel Noronha

    Caro Jose Augusto. So se encontra impedido de comentar os meus posts. Nos outros estah a vontade- Nao necessita inventar novas indentidades.

  21. Falta ter em conta a inflação no gráfico da esquerda (1€ em 1990 comprava mais coisas do que 1€ em 2013, portanto gastar o mesmo em termos absolutos significa a aquisição de menos bens e serviços, objectivamente).
    Idealmente ter-se-ia depois em conta o número de alunos/pacientes/desempregados/etc. e calcular um valor per capita, corrigido da inflação. Algo que não isto é comparar algo que não é comparável.

    Já a comparação em % do PIB não tem este problema da inflação, mas não deixa de, na minha opinião, dar uma imagem com pouca adesão à realidade. Em anos em que o PIB desce (como 2013), manter o nível de serviços e bens oferecidos pelo Estado teria de significar um gasto percentual maior.

    Disclaimer: entendo bem a necessidade de se cortar na despesa e diminuir nos gastos do Estado, só não penso que se possa concluir destes dados que isso não está a ser feito, em alguma escala que seja.

  22. Mário Albano Simões

    Noronha, você não está a falar com o José Augusto embora eu tenha lido, assim como muitos que por aqui passam, o seu péssimo comportamento contra esse utilizador (inventando até um post que atribuiu ao desgraçado).

    A sua alucinação é de tal ordem que até já vê Josés Augustos por todo o lado. É natural, até porque apanhou um banho de retórica.

    Se estiver na zona da Baixa de Lisboa, apareça em sítio a combinar e eu mostro-lhe a minha identificação. Não conheço nenhum Augusto (tirando o meu sapateiro – e duvido que ele tenha sequer Internet) por isso nada receie. Ao pé de mim ninguém lhe faz mal.

  23. Miguel Noronha

    Guarde la a sua identificaçao. Nao me interessa se voce eh o Jose Augusto o Mario Albano Simoes ou o Jorge Sampaio. Para mim vai dar ao mesmo. Apenas reitero que nao havia necessiade de alterar o seu nick. Mas faça como entender.

  24. Mário Albano Simões

    Se não lhe interessa a identificação, para que é que insiste em que eu sou o tal Augusto? Porte-se bem, homem.

  25. Rafael Ortega

    “Já a comparação em % do PIB não tem este problema da inflação, mas não deixa de, na minha opinião, dar uma imagem com pouca adesão à realidade. Em anos em que o PIB desce (como 2013), manter o nível de serviços e bens oferecidos pelo Estado teria de significar um gasto percentual maior.”

    O Estado deve oferecer aquilo que consegue pagar através dos impostos (que já são altos). Se tem menos oferece menos. Para manter o gasto teria que continuar a sacar à economia a mesma quantidade de dinheiro tendo esta menos para ser sacado.

    O resultado está á vista.

  26. PedroS

    “Mas se for um banco e fornicar o guito todo como fizeram uns que andaram a jogar ao Madof é o quê ? Os mercados ?”

    Na piro das hipóteses, pode-se colocar o banco ou os seus gestores em tribunal, que é algo que não podemos fazer aos gestores das contas públicas.

  27. APC

    Podemos perfeitamente Carlos, vai é acontecer como o animal que usou a bomba no carro no caso Aeroplano, saiu em liberdade por uma qualquer gralha processual, como aliás acontece quando se tem um advogado especialista em crime que vai examinar minuciosamente todo o processo, vai haver sempre um erro da policia, do ministério público, do juiz… etc etc etc. Enquanto não for simplificado o Código Penal a sua aplicação é sempre pervertida. Basta que aleguem que foi tudo para o progresso do país ou para “políticas de crescimento”…

    “Mas se for um banco e fornicar o guito todo como fizeram uns que andaram a jogar ao Madof é o quê ? Os mercados ?”

    Belo exemplo Pisca, o Madoff tá preso, a malta que nos endividou (os do público, sim, esses seus amigos) estão todos a curtir em Paris.

  28. APC

    Ah, e ia-me esquecendo, o Madoff tinha queixas na SEC desde 1999 e o regulador (sim, esses outros seus amigos) não fez rigorosamente nada. Deve ser preciso mais regulação para não ser aplicada também.

  29. jhb

    @36,

    Os reguladores não são máquinas nem vivem isolados em torres de marfim. Como qualquer outra instituição estão sujeito
    às pressões sociais do momento.

    Durante a década passada a narrativa era que tipos como o Madoff, o Fuld e outros “high flyers” de Wall Street eram os novos heróis. Todos os think-thank liberais, que aqui no Insurgente tanto gostam de citar despejavam cá para fora, a um ritmo alucinante, “white papers” e “policy papers” a louvar esses génios do mercado e da finança que nos iam levar a uma nova era de prosperidade nunca antes vista nem sequer sonhada.

    Se uma agência de regulação sequer pensasse em investigar um dos novos cavaleiros de armadura brilhante da alta finança, seria devorada viva pelos defensores do “free market”, que já nessa altura brandiam uma considerável influência na política (o termo “revolving door” diz-lhe alguma coisa?)

    Espere aí…? Eu disse década passada? Um optimista inveterado, este seu servidor…

    Como sempre, na hipocrisia liberal, a culpa do assalto não é do assaltante mas sim da polícia…

  30. “O Estado deve oferecer aquilo que consegue pagar através dos impostos (que já são altos). Se tem menos oferece menos. Para manter o gasto teria que continuar a sacar à economia a mesma quantidade de dinheiro tendo esta menos para ser sacado.”

    Concordo. Mas, ainda assim, é enganoso concluir que não se diminui na despesa com uma simples comparação de euros gastos em percentagem do PIB. Se a % se mantém e o PIB decresceu, gastou-se menos. E ainda bem.

  31. Aldino

    Se os resultados não são ajustados à inflação então esses gráficos são enganadores e não são representativos da realidade. Afinal, um orçamento de 4 mil milhões de euros há 20 anos atrás, com uma inflação média de 3%, equivale a 7 mil milhões de euros em dinheiro de hoje.

    A melhor comparação que é feita é pelo PIB, mas essa informação também não é representativa pois é um estimativa relativa. Como não há dois orçamentos de estado exactamente iguais, a alocação de fundos a cada ministério varia de ano para ano e até o número de ministérios e suas valências varia de governo para governo, estamos a comparar alhos com bugalhos.

  32. lucklucky

    jhb você como sempre não sabe do que fala e tenta desviar a conversa.
    Ninguém obrigou ninguém a investir no Maddoff. Mas você já acha que devemos obrigar as pessoas a investir no Estado e Políticos.

    Os maiores adeptos da especulação são marxistas como você, mais os seus aliados keynesianos, com dinheiros dos outros retirado à força para apostas únicas ou seja não redundantes..
    Entre estas as apostas de casino como a Educação Publica e SNS.

    Agora que temos os resultados* da especulação do Regime Soci@lista Português na vida dos Portugueses, você tenta desviar as atenções.

    *E só agora começou.

  33. lucklucky

    Note-se ainda que o autor do post está usar a bitola da esquerda que menos gastos naquilo que a esquerda controla é retrocesso civilizacional. Ou seja o que conta é dinheiro para a esquerda.

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